FC Porto, um campeão capaz de se reinventar
A má fase do Benfica imediatamente antes e depois da pandemia pode ser considerada um factor-chave para a recuperação do FC Porto, mas será injusto atribuir este título ao desperdício “encarnado”: o mérito do FC Porto entronca num processo permanente de superação de adversidades.
Janeiro. Jornada 17 da I Liga. O Benfica venceu o Sporting, em Alvalade, e o FC Porto perdeu no Dragão, frente ao Sp. Braga. Em duelos entre os quatro principais clubes nacionais ficou decidido que o Benfica jogaria a ronda seguinte com uns confortáveis sete pontos de vantagem para o FC Porto. Título na mão, diziam uns, mesmo considerando que, no ano anterior, Bruno Lage ajudou o Benfica e virar uma desvantagem semelhante.
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Janeiro. Jornada 17 da I Liga. O Benfica venceu o Sporting, em Alvalade, e o FC Porto perdeu no Dragão, frente ao Sp. Braga. Em duelos entre os quatro principais clubes nacionais ficou decidido que o Benfica jogaria a ronda seguinte com uns confortáveis sete pontos de vantagem para o FC Porto. Título na mão, diziam uns, mesmo considerando que, no ano anterior, Bruno Lage ajudou o Benfica e virar uma desvantagem semelhante.
Junho. Jornada 25. Na retoma da Liga após a paragem pela pandemia de covid-19, o FC Porto perdeu em Famalicão e o Benfica, no dia seguinte, poderia passar para a frente do campeonato. Mas vacilou, empatou em casa frente ao Tondela, sem golos, e não mais pôde sentir o conforto do trono de líder.
Não só por isto, mas sobretudo por isto, este título nacional é, em simultâneo, uma conquista hercúlea dos portistas e um desperdício tremendo dos lisboetas. Mas nem só por aqui ficam os contornos de um título “tirado” ao Benfica.
Uma pandemia bem aproveitada
Em Fevereiro, na jornada 20, o Benfica visitou o Dragão com os tais sete pontos de vantagem e perdeu por 3-2. Os “encarnados” tinham, até esse jogo, uma derrota na Liga – frente ao FC Porto, curiosamente – e 18 vitórias. Depois da derrota no Dragão, em Fevereiro, a equipa da Luz venceu apenas quatro jogos em 12 possíveis. Mais: logo após a derrota frente ao grande rival, somou quatro jogos consecutivos sem vencer.
Os efeitos traumáticos da viagem ao Porto foram claros, ainda que, para muitos, tenham sido incompreensíveis: é certo que a equipa começou a sentir o “bafo do Dragão” nas suas costas, com a aproximação na tabela, mas havia ainda quatro pontos de vantagem – uma boa diferença para gerir.
E se antes da pandemia o FC Porto já tinha colocado o Benfica a “olhar para cima”, numa diferença de um ponto, o pós-confinamento foi claramente decisivo para os “encarnados”: venceram três jogos, empataram outros três e perderam dois.
E entre o efeito mental da derrota no Dragão e consequente pressão portista e o efeito de uma equipa mal preparada para o pós-suspensão da Liga, um factor foi decisivo. Ou os dois. Provavelmente os dois.
Problemas na defesa
Se a má fase do Benfica imediatamente antes e depois da pandemia pode ser considerada um factor-chave para a recuperação do FC Porto, será injusto atribuir este título ao desperdício “encarnado”.
O mérito do FC Porto entronca, inclusivamente, num processo contínuo de superação de adversidades. Colectivas, com fases pouco fulgurantes a nível exibicional, mas, sobretudo, individuais. E em quase todos os sectores da equipa.
À cabeça surge o “flop” Renzo Saravia. Custou quase seis milhões de euros e chegou com o “cartão-de-visita” de ser já nove vezes internacional argentino. Problema resolvido no lado direito da defesa, pensaram os portistas, mas Saravia não fez um único minuto no campeonato.
O mal-amado Manafá, o muito jovem Tomás Esteves e os adaptados Mbemba e Corona obrigaram o treinador a ser criativo para compensar o “flop” argentino. E foi funcionando.
Ainda na defesa, os erros individuais de Pepe – que custaram golos e chegaram a levar o luso-brasileiro para o banco –, bem como a lesão de Marcano acabaram por ser um problema bem resolvido: apesar de alguns jogos como lateral, Mbemba foi, sobretudo desde Janeiro, o esteio da defesa portista, tivesse Pepe ou Marcano como companheiros. E foi uma das figuras deste título.
Problemas no meio-campo
Mais à frente no campo, houve o problema com o sub-rendimento e consequente desvalorização de Danilo. Apesar de ter participado em 23 dos 31 jogos, o médio português esteve longe de ser influente. Se o capitão era, no início da época – talvez a par de Corona, Telles e Marega –, o principal activo do plantel, passou a ser, no final da temporada, um elemento de rotação. E veremos se e por quanto será vendido.
A falta de criatividade de Danilo e a dificuldade do português em ter zona de acção e influência alargadas em zonas ofensivas levou Sérgio Conceição a procurar outras soluções. E Sérgio Oliveira é, por agora – e foi, na fase de maior importância na época –, o dono do lugar no meio-campo.
Também no miolo, Uribe ainda não foi Herrera. A opinião, quase generalizada, tem apontado um rendimento intermitente ao colombiano, ora pela menor agressividade sem bola, comparado com Herrera, ora pela menor capacidade de transportar a bola e definir em zonas ofensivas.
Apesar dos respeitáveis 23 jogos na Liga, em 30 possíveis, Uribe nunca foi Herrera e obrigou Conceição, uma vez mais, a procurar várias soluções – Romário Baró, Sérgio Oliveira e Otávio passaram pela posição 8.
Problemas no ataque
Um pouco mais à frente, o FC Porto investiu em Nakajima (12 milhões de euros) e Zé Luís (cerca de 11 milhões). O japonês poderia ser um elemento fulcral para dar criatividade saída do banco – e muito o FC Porto chegou a precisar –, mas, ora por desagrado de Conceição com o rendimento defensivo, ora, mais tarde, por decisão da direcção, Nakajima desapareceu. E pouco ajudou neste título, com apenas cinco jogos a titular na I Liga.
O caso de Zé Luís é mais ambíguo. Começou a época de forma fulgurante e permitiu que o FC Porto não perdesse ainda mais terreno para o Benfica, mas acabou por eclipsar-se. E fez apenas um golo no campeonato desde Setembro de 2019.
Mas a parca ajuda do cabo-verdiano não é, porém, um caso virgem. Mais recentemente, Marega esteve cinco jogos sem marcar (já depois de uma série de oito partidas em branco), Zé Luís chegou aos sete jogos sem marcar e Soares aos 12. Uma “seca” que poderia ter custado caro, mas que, tal como as outras dificuldades, foi superada: valeram os defesas, que muito bem assumiram a função dos atacantes nesta fase da temporada – desde janeiro, Mbemba marcou dois golos na Liga, Marcano outros dois e Telles ainda é, por estes dias, o melhor marcador do FC Porto no campeonato (dez golos, seis deles em 2020).
Fair-play financeiro
Além destas dificuldades permanentes a nível desportivo, o fair-play financeiro foi um entrave no planeamento da temporada. O FC Porto não foi poupado nas compras, é certo, mas acabou por não poder esbanjar como possivelmente gostaria a alta maquia recebida no Verão: qualquer coisa como 87 milhões de euros, pelas vendas de Militão, Óliver, Felipe, Galeno e José Sá.
Uma temporada planeada “com pinças”, pelas restrições financeiras, e um treinador permanentemente à procura de “remendos” e “invenções” numa equipa desfalcada por abaixamentos de forma, lesões ou problemas internos no clube. Mas Conceição sarou, permanentemente, as feridas abertas na equipa.
Este é, por tudo isto – e em bom português –, um título “arrancado a ferros” e tirado a um Benfica cuja frescura financeira, capacidade de investimento, vantagem pontual e saúde de grande parte do plantel permitiam prever, a dado momento, um campeonato conquistado com tranquilidade.