A corrupção não está em crise!
O combate à corrupção deve ser ainda mais urgente numa altura em que estamos numa crise pandémica e, eventualmente, numa crise social.
Antes da pandemia da covid-19 se começar a espalhar, a atenção global estava concentrada no aumento impressionante da desigualdade económica em muitos países.
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Antes da pandemia da covid-19 se começar a espalhar, a atenção global estava concentrada no aumento impressionante da desigualdade económica em muitos países.
Após a crise de 2008 a desigualdade começou a acelerar. Perante isso muitos governos começaram a reagir cortando despesa pública ao mesmo tempo que esvaziavam programas cruciais para os direitos humanos como a saúde, habitação, apoio alimentar e o emprego.
A pandemia que agora enfrentamos veio colocar a nu o alto preço das desigualdades fazendo mesmo com que estas sejam exacerbadas.
Ao concentrar esforços na luta da pandemia, alguns Estados começaram a descurar outros fatores do sistema público de saúde (onde existe) e programas de proteção social o que, combinado com uma maior fragilidade nos empregos e com salários estagnados faz com que as famílias mais carenciadas e com baixos rendimentos sejam mais afetados com esta crise de saúde pública (e não só) do que as famílias mais abastadas.
Muitos economistas e instituições financeiras mundiais, tal como o FMI, estão a pedir aos governos que melhorem as proteções sociais. Contudo, muitos governos já estão a responder ao aumento da dívida pública, aumentando austeridade o que prejudica ainda mais as pessoas mais carenciadas e afetadas com esta crise pandémica. Mesmo antes da pandemia, projetava-se que em 2021 a austeridade iria afetar cerca de 5,8 bilhões de pessoas a nível mundial.
Dito isto, torna-se claro que os Estados devem resistir à tentação de cortar com a proteção social para combater a crise, devendo, contudo, lutarem a todo o custo por cortarem algo muito mais importante nestes tempos: a corrupção.
Estima-se que que a corrupção custe cerca de 5% do PIB mundial e, com isto, trata-se de 5% do PIB que são receitas fiscais perdidas.
Não é de surpreender que o aumento da corrupção esteja associado à diminuição dos gastos públicos em saúde e educação, ou seja, pesquisas mostram que a corrupção gera desigualdades esgotando fundos governamentais para programas sociais e criando oportunidades para a transferência desses importantes recursos para o bolso de elites bem relacionadas. Por outro lado, estudos mostram que a corrupção aumenta numa altura como a que vivemos ao mesmo tempo em que o nosso foco está “distraído” com a pandemia.
Por tudo isto, o combate à corrupção deve ser ainda mais urgente numa altura em que estamos numa crise pandémica e, eventualmente, numa crise social. Apesar do que acabamos de referir, vários decisores políticos ainda encaram o combate à corrupção como um luxo e não como parte da solução para a crise. O combate à corrupção é complexo e requer politicas assertivas.
Como todos se recordam, em 2012 o FMI emitiu um comunicado fazendo um mea culpa ao afirmar que os seus estudos desvendaram que as medidas de austeridade impostas a alguns países, tais como a Grécia e Portugal, havia prejudicado de forma severa o crescimento económico. Assim, quer o FMI quer os vários governos devem, eventualmente, aprender a lição de 2008 e investir mais no combate à corrupção como uma forma de aumentar os recursos para a proteção social como parte de um caminho de uma recuperação mais justa e equitativa.
Numa análise feita pela Transparency International sobre a implementação de medidas contra a corrupção lançadas pelo FMI, denota-se que há alguns países que continuam a ignorar essas recomendações. Ao analisar relatórios de cerca de 100 países verificou-se que pelo menos 18 desses países não fazem qualquer menção à corrupção como medida a aplicar para combater a crise. Entre esses países estão Croácia, Singapura, Coreia do Sul, Ruanda e Portugal.
É tempo de mudar. Temos de colocar o combate à corrupção como uma prioridade. Para isso, é necessário que exista mais transparência nos negócios públicos, uma desburocratização dos mecanismos e a criação de politicas sérias para que os agentes desta teia de corrupção sejam levados à justiça. Não podemos esquecer que apesar de ultimamente não se falar tanto de corrupção neste tempo de pandemia, é precisamente neste tempo que ela floresce ainda mais.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico