Os valores não se negoceiam, nem são objeto de compra e venda
Convém nunca esquecer que tomámos a iniciativa de aderir à CEE precisamente para consolidar as liberdades e a democracia conquistadas no 25 de Abril.
Caro Rui Tavares,
A verdade faz-nos mais fortes
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Caro Rui Tavares,
A minha posição é simples. O procedimento para tratar de violações ao Estado de direito, às liberdades, à democracia é o previsto no Art.º 7.º. Não é a discussão do Quadro Financeiro Plurianual ou do Plano de Recuperação.
Quem não partilha ou ameaça os valores da UE deve sair ou sofrer as sanções previstas no tratado e não poder comprar com cortes orçamentais a violação desses valores.
Os valores não se negoceiam, nem são objeto de compra e venda.
Discutir valores contra dinheiro não é defender os valores, é monetizá-los, reduzi-los a mero meio de troca.
Esta é uma questão de princípio e não uma posição negocial à mesa do Orçamento. Convém nunca esquecer que tomámos a iniciativa de aderir à CEE precisamente para consolidar as .liberdades e a democracia conquistadas no 25 de Abril.
Está previsto – e bem – na proposta de Charles Michel a garantia da defesa dos interesses financeiros da União e um relatório da COM sobre a accountability da utilização dos fundos europeus nos diferentes Estados-membros.
Não sejamos ingénuos. Querer transferir do quadro do Art.º 7.º para o debate orçamental a avaliação do rule of law como condicionalidade do acesso aos fundos só tem um efeito prático: transferir para o grupo de Visegrado o ónus de bloquear a criação do Fundo de Recuperação e Resiliência, aliviando as boas consciências frugais.
Um ano depois, por ingenuidade ou cinismo, repetir-se-ia o processo que permitiu a Orbán vetar Franz Timmermans para presidente da Comissão.
Resultado: nada mudaria na Hungria ou na Polónia e a Europa continuaria a agonizar na dramática crise económica e social que vivemos.
A verdade é que, como é óbvio, não é possível agir contra um país, seja por que motivo for, no quadro de um processo de decisão que depende do veto do próprio interessado, como é justamente o caso da negociação dos fundos comunitários. Pretendê-lo, sabendo que não tem nenhuma viabilidade política, pode satisfazer consciências, encher artigos de jornal e servir como instrumento de retórica e combate político, mas não é uma atitude séria e que possa ser consequente. É iludir as pessoas.
É por isso, aliás, que nas sanções por violação do Estado de direito previstas no Art.º 7.º, diferentemente do que sucede na negociação dos fundos, não há direito de veto do interessado, que está excluído de participar na decisão. É claro, se houver veto solidário de outros países, eventualmente num sistema de vetos cruzados para proteção mútua, a decisão será igualmente bloqueada. O que não faz sentido é pretender superar esse bloqueio transferindo a decisão para a negociação dos fundos em que o bloqueio é ainda mais garantido, porque aí há direito de veto do próprio interessado.
Não sendo responsável, face à crise, prolongar o impasse na negociação dos fundos, restaria a alternativa, dita “simples”, por si proposta: o dinheiro do fundo de recuperação, obtido pela Comissão em nome dos 27, seria entregue apenas aos países do euro – o que, como diz, deixaria de fora a Hungria. O problema dessa ideia brilhante é que não evita o veto da Hungria e ainda consegue garantir o veto dos outros países excluídos, que Rui Tavares, muito convenientemente, esquece que existem. Não é, portanto, uma alternativa simples, mas simplista. Sendo o simplismo um tique próprio do populismo, não seria de esperar de um adversário de Orbán.