Quando Itália pediu ajuda, a resposta europeia foi de silêncio
Itália foi um dos países europeus mais afectados pela pandemia — chegou a ser considerada pela Organização Mundial de Saúde como o epicentro da doença. Uma investigação do jornal The Guardian revela como uma União Europeia despreparada e institucionalmente incapaz de dar uma resposta adequada foi rapidamente absorvida pela crise e falhou na ajuda a Itália. Portugal não esteve representado na primeira reunião sobre o novo coronavírus.
Foi ainda em Fevereiro, com o número de casos a triplicar de dia para dia, que o primeiro-ministro italiano, Giuseppe Conte, pediu ajuda aos Estados-membros da União Europeia. “Mas a resposta ao pedido de socorro foi silêncio”, escreve o jornal The Guardian numa investigação publicada esta quarta-feira em conjunto com a organização Bureau of Investigative Journalism. “Nenhum Estado-membro respondeu ao pedido de ajuda de Itália”, afirma Janez Lenarcic, o comissário europeu responsável pela gestão de crise. “O que significava que não só a Itália não estava preparada… Ninguém estava preparado… A falta de resposta ao pedido italiano não era falta de solidariedade. Era falta de equipamento.”
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Foi ainda em Fevereiro, com o número de casos a triplicar de dia para dia, que o primeiro-ministro italiano, Giuseppe Conte, pediu ajuda aos Estados-membros da União Europeia. “Mas a resposta ao pedido de socorro foi silêncio”, escreve o jornal The Guardian numa investigação publicada esta quarta-feira em conjunto com a organização Bureau of Investigative Journalism. “Nenhum Estado-membro respondeu ao pedido de ajuda de Itália”, afirma Janez Lenarcic, o comissário europeu responsável pela gestão de crise. “O que significava que não só a Itália não estava preparada… Ninguém estava preparado… A falta de resposta ao pedido italiano não era falta de solidariedade. Era falta de equipamento.”
Na Europa, mais de 180 mil cidadãos morreram e mais de 1,6 milhões ficaram infectados com o coronavírus SARS-CoV-2 – e o número real de mortes pode ser superior ao comunicado pelas autoridades de saúde. Pelo continente, há líderes que se questionam sobre a utilidade do projecto europeu quando há países a falhar e a não receber ajuda nos seus tempos mais negros. Sem máscaras, distraídos pelo “Brexit”, e com a ameaça a ser desvalorizada, esta “é a história da União Europeia despreparada e institucionalmente incapaz de traçar uma resposta adequada à crise que que a absorveu rapidamente”, revela o Guardian. E de como chegou a tornar-se o epicentro da pandemia.
Ainda antes do final do ano de 2019, o Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças (ECDC) recebeu as primeiras informações sobre uma estranha forma de pneumonia que surgira na China, afectando já algumas pessoas sem que se conhecesse a sua origem. O primeiro alerta do ECDC surgiu a 9 de Janeiro. Segundo a directora da agência, Andrea Ammon, “havia a noção na altura que a maior parte dos casos estava relacionado com um mercado de animais vivos”. “Cerca de duas semanas depois, vimos que afinal tratava-se de transmissão entre humanos, o que obviamente muda a forma como temos de agir”, recordou, em declarações ao jornal britânico.
A prioridade era manter a doença fora das fronteiras europeias. A 17 de Janeiro, fez-se a primeira reunião para se falar sobre o novo coronavírus – mas só 12 dos 27 Estados-membros participaram (mais o Reino Unido). Portugal não esteve presente na reunião feita em áudio do Comité de Segurança e Saúde. O PÚBLICO questionou o Ministério da Saúde para saber qual a razão para não existir um representante nessa reunião, mas ainda não obteve resposta.
Nessa reunião, foi feita a recomendação de prestar atenção aos passageiros que chegassem de voos vindos da região chinesa de Wuhan, onde começou a pandemia. O Reino Unido e França partilharam informação sobre as medidas que estavam a tomar nos aeroportos, mas o Governo italiano foi outro dos países que estiveram ausentes – o representante italiano não tinha reparado na notificação por e-mail, justificou.
Por parte de alguns participantes, havia a preocupação de que alguns países não estavam a dar ao Comité “o peso que merecia”, segundo uma fonte ouvida pelo jornal britânico. “Não havia tempo para nos actualizarmos dos acontecimentos de uma semana. Tudo acontecia a uma velocidade estonteante.”
Ainda no final de Janeiro, o ECDC recomendou aos governos que reforçassem a capacidade dos seus hospitais, sobretudo as unidades de cuidados intensivos. Para Andrea Ammon, foi “subestimada” a capacidade de propagação da doença: “É diferente se tivermos de aumentar o número de camas em duas semanas ou em dois dias.” A juntar a isto, houve ainda escassez de máscaras. “Muitos países europeus tinham um stock de máscaras estratégico que estava desactualizado. A maior parte foi destruída”, conta um consultor científico ao Guardian.
Um total de 15 Estados-membros aplicaram restrições ao movimento de equipamento de protecção e medicamentos na União Europeia durante a pandemia, escreve o jornal. Camiões com máscaras, luvas e material de protecção foram parados em algumas fronteiras. “Não é um problema fechar as fronteiras, mas é preciso falar com os vizinhos do outro lado e alguns não fizeram isso”, acusa Lenarcic. No final de Fevereiro, mais de 2000 pessoas estavam infectadas na Europa e 35 pessoas tinham morrido em Itália. Os primeiros casos de coronavírus só foram identificados em Portugal a 2 de Março. Dezassete dias depois, Portugal entrava em estado de emergência. Agora, tem 47.426 casos de infecção, 1676 mortes e mais de 32 mil recuperados.
No início de Março, quase todas os países começaram a fechar as suas economias, um a um (à excepção da Suécia). Para alguns, pode ter sido tarde. “Se a Itália o tivesse feito dez ou 14 dias antes, teria sido melhor. O ministro da Saúde [italiano] queria fazê-lo, mas levou algum tempo a convencer o Governo”, explica o professor Walter Ricciardi, conselheiro do Ministério da Saúde italiano. Mesmo com o exemplo italiano à vista dos outros países, “foi muito difícil para os ministros da Saúde convencer os ministérios das finanças e primeiros-ministros de que era uma situação séria”. A 8 de Março, Itália tinha já parte do seu território em isolamento e passou a ser o segundo país com mais casos a seguir à China: eram então 7375 infecções e 366 mortes. A partir daí, o número de novos casos e de mortes começou a subir às centenas por dia e, agora, o país já não está em confinamento, mas continua a ser um dos mais afectados a nível mundial: é o 13.º país com mais casos e o 5.º com mais mortes.
Agora, o objectivo da Comissão Europeia é “ter os meios para apoiar mais os Estados-membros” para que não se dependa da generosidade de cada país. “Porque quando Itália pediu ajuda, ninguém pôde ajudar.”