O primeiro dia da libertação do trauma do BES
Ricardo Salgado e os seus sequazes não são ainda culpados de coisa nenhuma. Mas a sua acusação tem de deixar ao menos a sensação de que se eliminou mais uma etapa de um pesadelo. Eles, que quiseram criar um Estado dentro de um Estado, perderam
Esperámos seis anos pelo dia em que o Ministério Público fosse capaz de decidir a sorte das investigações sobre o mais danoso escândalo para a vida pública do país em muitos anos – a saga de Ricardo Salgado à frente do BES. A espera ainda não acabou. Mas até que os tribunais a esclareçam por completo, até que as suas sentenças transitem em julgado e se firme na História o que de facto aconteceu, podemos ao menos reter a ideia de que estamos mais perto de nos livrarmos do trauma. O despacho do Ministério Público e o que foi revelado ao longo dos anos em várias fatias pela imprensa é suficiente para percebermos que, como país, demos um golpe aos que o quiseram capturar pelo poder do dinheiro, à arrogância de uma família poderosa que não percebeu os ares do tempo, a um séquito de empresários venais e a um punhado de políticos que pensaram ser possível transformar um país da União Europeia numa república das bananas.
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Esperámos seis anos pelo dia em que o Ministério Público fosse capaz de decidir a sorte das investigações sobre o mais danoso escândalo para a vida pública do país em muitos anos – a saga de Ricardo Salgado à frente do BES. A espera ainda não acabou. Mas até que os tribunais a esclareçam por completo, até que as suas sentenças transitem em julgado e se firme na História o que de facto aconteceu, podemos ao menos reter a ideia de que estamos mais perto de nos livrarmos do trauma. O despacho do Ministério Público e o que foi revelado ao longo dos anos em várias fatias pela imprensa é suficiente para percebermos que, como país, demos um golpe aos que o quiseram capturar pelo poder do dinheiro, à arrogância de uma família poderosa que não percebeu os ares do tempo, a um séquito de empresários venais e a um punhado de políticos que pensaram ser possível transformar um país da União Europeia numa república das bananas.
O que o despacho do Ministério Público nos revela, com as suas acusações, os seus relatos de associação criminosa, as mentiras, a corrupção e a pressão sobre os poderes legítimos para garantir privilégios de uns poucos, não pode ser visto como uma condenação de uma falha colectiva. Pelo contrário. Apesar dos anos excessivos que se consumiram na investigação, chegámos a um princípio do fim que pode sublimar toda a condescendência ou todo o alheamento com que tolerámos o caso BES. Foi, ao menos, possível acusar quem se julgava dono disto tudo. Quem se sentia capaz de contorcer a lei para imperar. Quem não olhou a meios perversos, da intriga à corrupção, para se manter no poder. O país pode incomodar-se por ter sido enganado durante tantos anos sem disso dar conta. Mas pode também reconhecer a determinação de homens como Carlos Costa ou a perseverança do Ministério Público em levar a verdade até aos limites do possível.
Ricardo Salgado e os seus sequazes não são ainda culpados de coisa nenhuma. Mas a sua acusação tem de deixar ao menos a sensação de que se eliminou mais uma etapa de um pesadelo. Eles, que quiseram criar um Estado dentro de um Estado, perderam. Eles, que quiseram servir-se da democracia para lhe inquinar o princípio da igualdade de todos perante a lei, acabaram nas malhas da Justiça. Não chega para eliminar os pesados custos que, como país, pagamos. Hoje, porém, olhemos apenas para o que aconteceu: eles estão acusados e, no mínimo, nós temos o direito de sentir que a nossa indignação durante estes anos não foi em vão.