PSD debaixo de fogo por causa de alterações no regimento da Assembleia da República
Foi aprovada proposta que triplica número mínimo de assinaturas para petições em plenário
Foi um debate muito duro para o PSD. De “populista” a “agressor aos eleitores”, a “falta de estima” pela vida parlamentar, passando por ser promotor de bullying aos deputados, os sociais-democratas ouviram fortes críticas de todas as bancadas, da esquerda à direita, na condenação das propostas que abriam as comissões de inquérito à participação de cidadãos e sobre a criação de um conselho para escrutinar as incompatibilidades dos deputados. Só o Chega se mostrou disponível para estas duas alterações ao regimento. Mesmo dentro do PSD, o deputado Pedro Rodrigues assume “profunda discordância”.
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Foi um debate muito duro para o PSD. De “populista” a “agressor aos eleitores”, a “falta de estima” pela vida parlamentar, passando por ser promotor de bullying aos deputados, os sociais-democratas ouviram fortes críticas de todas as bancadas, da esquerda à direita, na condenação das propostas que abriam as comissões de inquérito à participação de cidadãos e sobre a criação de um conselho para escrutinar as incompatibilidades dos deputados. Só o Chega se mostrou disponível para estas duas alterações ao regimento. Mesmo dentro do PSD, o deputado Pedro Rodrigues assume “profunda discordância”.
A redução dos debates quinzenais com o primeiro-ministro proposta pelo PSD (e aceite pelo PS) não constava do debate de plenário desta manhã (a proposta ainda está em comissão), mas não escapou à troca de palavras entre os deputados. Até porque um dos pontos da agenda neste pacote é o da redução para dois o número de debates em plenário com o primeiro-ministro previstos para antecederem aos conselhos europeus.
Depois de uma forte condenação às propostas do PSD, a defesa foi feita por André Coelho Lima, vice-presidente do partido, ao acusar os que estão contra as mudanças de serem “sindicalistas da vida parlamentar que querem manter tudo como está”. O dirigente fez algumas citações de intervenções de outros deputados, o que desencadeou três pedidos de defesa da honra. Jorge Lacão, um dos visados, recusou o epíteto de sindicalista da vida parlamentar. “É uma agressão aos leitores no momento em que legitimam os deputados eleitos. Reitero tudo o que disse. Os deputados não podem ser escrutinados por figuras e figurinhas para dar lições de ética sem ter de responder por ela”, respondeu, acusando o social-democrata de fazer “confusão” entre “direitos de cidadania e direitos de autoridade política”.
Pelo PS, Jorge Lacão atacou directamente a “deriva iliberal” da proposta do PSD para permitir que “personalidades de reconhecido mérito” possam compor maioritariamente um conselho de Ética em substituição da actual comissão parlamentar de Ética e Transparência formada exclusivamente por deputados. “Para o PSD, 230 tribunos não têm no seu conjunto credibilidade para gerar respostas que assegurem padrões éticos da sua função. Precisam de tutelas, gente com ajudas de custo, e que não teria de prestar contas dos seus próprios critérios éticos”, afirmou. Relativamente à proposta de abrir à participação activa de cidadãos nas comissões de inquérito, o socialista advertiu para o risco de uma “intromissão potencialmente lobista na defesa do interesse público”, apontando que a proposta reflecte os “cantos de sereia do populismo”. Foi aplaudido de pé pela sua bancada.
Momentos antes, Pedro Filipe Soares, líder da bancada do BE, sugeriu que Rui Rio está “farto” dos debates quinzenais mas que isso será mais pela sua própria “mediocridade”. Para o bloquista, as propostas do PSD representam uma “desvalorização do Parlamento e é em si mesmo uma desvalorização da democracia, desvaloriza eleitos e eleitores”.
Assumindo a discordância “frontal” às propostas do PCP, António Filipe condenou a ideia de “erigir deuses do Olimpo” para escrutinar a democracia e a de integrar cidadãos nas comissões de inquérito que “não têm legitimidade” para isso.
À direita, a reacção não foi menos dura. Telmo Correia, líder da bancada do CDS, considerou que as propostas do PSD representam uma “subjugação do Parlamento a uma vontade governativa, transformando os deputados em auxiliares ou meros burocratas que auxiliam essa perspectiva”. Sugerindo que a veia democrática do PSD foi assolada por algum “vento de Leste”, o centrista considerou ainda que as propostas se traduzem numa “cedência ao populismo, menos fiscalização do Parlamento e dos deputados - o conselho externo é bullying aos deputados - representam menos democracia”.
Essa foi também a crítica que fez à intenção do PSD de aumentar o número de assinaturas das petições para um mínimo de 15 mil (actualmente são de 4 mil) para que sejam discutidas em plenário. Sem referir o nome de Rui Rio, Telmo Correia considerou as propostas do PSD “inacreditáveis” mesmo “vindas de quem não terá estima pela actividade parlamentar”, deixando uma pergunta aos sociais-democratas sobre a redução dos debates quinzenais: “Como é que é possível que o principal partido da oposição não queira aqui o primeiro-ministro responder às questões?”.
A líder da bancada do PAN, Inês Sousa Real, acompanhou esta ideia - “estranhos tempos que vivemos” - e considerou que o PSD está a “limitar o direito das forças da oposição” e “dá um kit de mãos livres ao Governo”. João Cotrim de Figueiredo, da Iniciativa Liberal, também sustentou que “era suposto o PSD ser oposição” e disponibilizou-se para ficar com o tempo dos debates que Rui Rio dispensa.
Mas as críticas vieram também de dentro da bancada do PSD. O deputado Pedro Rodrigues, que coordenou a comissão de reforma do sistema político e eleitoral no PSD, assumiu a sua discordância ao argumentar que as propostas significam, no essencial, “uma profunda desvalorização e descredibilização do Parlamento”, além de “uma diminuição considerável da capacidade de intervenção da Assembleia da República no exercício da actividade de fiscalização da actividade do Governo”. O deputado, assim como Paulo Neves, também do PSD, anunciou a entrega de uma declaração de voto.
Menos assinaturas, mais assinaturas
A proposta do PAN de reduzir o número de assinaturas para facilitar a entrada de Iniciativas Legislativas de Cidadãos no Parlamento foi aprovada, na generalidade, com os votos a favor do PS, BE, PEV, PCP e IL, os votos contra do PSD e a abstenção do Chega.
Em sentido contrário, a proposta do PSD para subir o número de assinaturas mínimas das petições também foi aprovada, com a abstenção do PS, Chega e Iniciativa Liberal, e os votos contra das restantes bancadas.
Do pacote do PSD foi aprovada também, com a abstenção do PS (mas com um voto contra do socialista Capoulas Santos), a redução dos debates em plenário com o primeiro-ministro antes dos conselhos europeus. Neste ponto, o deputado do Chega é contra mas mostrou abertura para outras propostas nomeadamente a de que uma personalidade da sociedade civil pudesse vir a presidir a um conselho de Ética, sugerindo o nome da antiga Procuradora-Geral da República Joana Marques Vidal.
A proposta do PSD acabaria chumbada com os votos contra do PS, CDS, BE, PCP, PEV e PAN. Quase a mesma votação (com excepção da abstenção do PAN e Iniciativa Liberal) chumbou as propostas para incorporar cidadãos nos trabalhos das comissões de inquérito. O PSD só teve ao seu lado o Chega e a deputada não inscrita Cristina Rodrigues.