Leiria está a ir com os porcos... quase literalmente

As águas onde outrora crianças nadavam e de onde se bebia sem receio, conforme lembram habitantes locais, tornaram-se no aterro sanitário de empresários gananciosos, que repetem os seus crimes, de forma impune, e perante autoridades ora passivas ou coniventes.

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Kenneth Schipper Vera/Unsplash

Diz-se que a expressão “ir com os porcos” tem origem nas escrituras bíblicas do Evangelho segundo Mateus, em que, numa dada passagem, Jesus comandou que os espíritos dos demónios entrassem nos porcos, e que toda a vara de dois mil porcos se arremessasse do precipício junto ao mar, assim condenando-os à morte. A misericórdia cristã de que pouco valeu a estes animais. Em linguagem mais corrida, a expressão passou a significar algo ou alguém que morre ou desaparece. Ou seja, que “foi com os porcos”.

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Diz-se que a expressão “ir com os porcos” tem origem nas escrituras bíblicas do Evangelho segundo Mateus, em que, numa dada passagem, Jesus comandou que os espíritos dos demónios entrassem nos porcos, e que toda a vara de dois mil porcos se arremessasse do precipício junto ao mar, assim condenando-os à morte. A misericórdia cristã de que pouco valeu a estes animais. Em linguagem mais corrida, a expressão passou a significar algo ou alguém que morre ou desaparece. Ou seja, que “foi com os porcos”.

É a melhor expressão que me ocorre para ilustrar por palavras aquilo que se tem passado nas últimas décadas no concelho de Leiria, e noutros concelhos circundantes – uma região a ir com os porcos. Esta zona do país alberga mais de 400 explorações suinícolas, uma das maiores concentrações desta indústria, número que tem vindo a aumentar ao longo dos últimos anos, e sobretudo a partir do momento em que os empresários chineses abanaram a carteira diante dos olhos dos produtores portugueses.

Obviamente, os porcos, tal como quaisquer animais, produzem dejectos, a que se decidiu dar o eufemístico nome de “efluentes”, talvez para evitar sentimentos de repulsa. Sucede que, as dezenas de milhares destes animais excretam suficientes efluentes, leia-se, excrementos e urina para encher uma piscina olímpica todos os dias – cerca de 2500 metros cúbicos. Imagine uma daquelas enormes piscinas em que costuma ver o Phelps a nadar, em tons baços e castanhos, e já é mais fácil intuir a magnitude do problema.

Problema esse que se agrava quando a ETAR local tem capacidade para tratar diariamente apenas 700 metros cúbicos de águas residuais. Faz-se a aritmética e sobram pelo menos 1800 metros cúbicos do problema por resolver, todos os dias, para os quais a ETAR não tem resposta. A solução adoptada? Algumas explorações optam por vazar os efluentes junto de campos agrícolas já saturados, comprometendo seriamente a qualidade dos solos e das reservas aquíferas locais. Outras, à socapa da lei, simplesmente despejam os excrementos de animais directamente nos rios, longe do olhar de todos. O atentado ambiental repete-se há décadas.

Os habitantes locais acordam para as águas manchadas de castanho nauseabundo, e embora possam até virar o olhar, se há coisa que não conseguem virar é o nariz, e o cheiro que se propaga com o vento pela região é indescritível.

Um dos principais rios afectados é o Lis, possivelmente pronunciado de forma tosca como “rio lixo” por alguns destes suinicultores, que será assim que o percepcionam. As águas onde outrora crianças nadavam e de onde se bebia sem receio, conforme lembram habitantes locais, tornaram-se no aterro sanitário de empresários gananciosos, que repetem os seus crimes, de forma impune, e perante autoridades ora passivas ou coniventes.

As descargas acontecem pela calada, é feita uma vaga denúncia, as autoridades investigam, e pouco ou nada disso resulta, pois os infractores sabem bem como ocultar os vestígios do seu crime. E já lá vão décadas disto. Fala-se de projectos disto e de aqueloutro para fazer face a esta hecatombe ambiental, como a da famigerada ETES – Estação de Tratamento de Efluentes Suinícolas – que seria construída com dinheiros públicos, para resolver um problema gerado por capitais privados, mas que ainda se aguarda que venha a ser erguida. Possivelmente surgirá pouco tempo depois de D. Sebastião lá passar, montado a cavalo, para grande júbilo dos habitantes.

Entretanto, enquanto alguns aguardam, outros deixam passar, ou ainda subsidiam a destruição ambiental, cada um de nós pode e deve exigir mais das autoridades e dos decisores políticos. Se não há quem fiscalize devidamente e faça cumprir a lei, sejamos nós os fiscalizadores. Neste momento decorre uma petição de cidadãos pela devida responsabilização das suiniculturas poluidoras na região.