Secretas russas prendem antigo jornalista sob acusação de espionagem

Ivan Safronov dedicava-se a cobrir assuntos militares, políticos e espaciais, denunciando casos de corrupção, até ser despedido e começar a trabalhar na agência espacial russa.

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Se for condenado, Ivan Safronov pode enfrentar até 20 anos de prisão SOFIA SANDURSKAYA HANDOUT/LUSA

Os serviços secretos russos detiveram esta terça-feira um conselheiro da agência espacial russa e antigo jornalista que cobria assuntos militares, acusando-o de passar segredos a um país da NATO. Se for considerado culpado, Ivan Safronov pode ser condenado a 20 anos de prisão. O caso está a ser encarado como mais um passo de repressão do jornalismo independente na Rússia. 

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Os serviços secretos russos detiveram esta terça-feira um conselheiro da agência espacial russa e antigo jornalista que cobria assuntos militares, acusando-o de passar segredos a um país da NATO. Se for considerado culpado, Ivan Safronov pode ser condenado a 20 anos de prisão. O caso está a ser encarado como mais um passo de repressão do jornalismo independente na Rússia. 

O antigo jornalista, que trabalhava na agência espacial russa, a Roscosmos, estava a sair do seu apartamento em Moscovo quando foi abordado por agentes à paisana do FSB, os serviços secretos russos. Foi revistado e levado em direcção às instalações do FSB.

Safronov ficará detido até 6 de Setembro e essa situação levou algumas dezenas de pessoas a manifestarem-se na capital, com as autoridades a deterem 20, de acordo com a OVD Info, organização que se dedica a monitorizar protestos políticos na Rússia. 

A jornalista Taisiya Bekbulatova, editora-chefe da revista independente Holod Media, também foi detida e o seu computador confiscado pelos serviços secretos. É amiga de Safronov e foi interrogada como testemunha. 

“Safronov levou a cabo tarefas para um dos serviços de informação de um dos países da NATO. Recolheu e entregou ao seu contacto segredos de Estado e informação sobre cooperação técnico-militar e sobre a defesa e a segurança da Federação Russa”, disse em comunicado o FSB. 

As autoridades agiram com base na nova lei anti-espionagem, aprovada em 2012. A lei não exige que o FSB apanhe alguém a espiar para um governo estrangeiro, determina apenas que prove que o suspeito tem ligações a uma organização internacional ou estrangeira, explicou o jornalista de investigação Andrei Soldatov num artigo de opinião no Moscow Times

A lei é por isso encarada como mais uma ferramenta para silenciar opositores e jornalistas críticos da governação do Presidente Putin e o Kremlin insistiu que a detenção de Safranov não está relacionada com o seu trabalho jornalístico. Mas, por outro lado, a agência espacial russa também garantiu que o seu trabalho na instituição não é o foco da investigação.  

Jornalismo independente em risco

O advogado de Safronov, Oleg Eliseyev, tem uma opinião diferente e não hesitou em relacionar a detenção com o trabalho jornalístico do seu cliente, salientando que este acto mostra como o futuro do jornalismo independente está em perigo na Rússia. É a primeira vez em 20 anos, desde que Vladimir Putin chegou ao poder, que um jornalista é acusado de traição, sublinhou o advogado. 

“O caso contra Ivan Safronov é um novo nível de repressão contra o jornalismo neste país”, disse ao Moscow Times Andrei Soldatov, analista de segurança. “Eles [os líderes do Kremlin] simplesmente adicionaram os jornalistas à sua lista de ameaças, aprofundando uma tendência que começou com a ascensão ao poder de Vladimir Putin”, escreveu Soldatov no artigo de opinião.

A detenção de Safronov foi o culminar de uma série de pressões a que foi sujeito nos últimos meses, diz o Moscow Times. O jornalista dedicava-se a cobrir assuntos militares, políticos e espaciais para dois dos maiores jornais diários russos, o Kommersant e o Vedomosti, e denunciou uma série de percalços e escândalos de corrupção. 

Em 2019, continua o Moscow Times, Safronov co-assinou um artigo sobre a entrega de 20 caças russos de última geração, o Sukhoi SU-35, ao Egipto e a peça jornalística acabou por ser retirada do site do Kommersant quando foi aberto um processo judicial contra a divulgação de segredos de Estado. A peça levou o secretário de Estado americano, Mike Pompeo, a ameaçar o Egipto, seu aliado histórico, com sanções se a compra fosse feita. 

Em Maio, Safranov foi obrigado a demitir-se do Kommersant depois de escrever um artigo sobre o presidente da câmara alta do Parlamento estar a planear abandonar o cargo. Foi apoiado pela secção de política do seu jornal, que se demitiu em bloco, mas de pouco lhe serviu. 

Agora que foi detido, uma série de jornais, incluindo o Kommersant, emitiram comunicados em defesa do jornalista, caracterizando-o como um dos melhores profissionais e patriota. “É simplesmente impossível imaginar que Ivan, filho de um militar, seja um traidor”, escreveu o Vedomosti, referindo-se ao pai do jornalista, também Ivan Safronov, militar que se transformou em jornalista.

Ivan Safronov pai morreu em 2007, depois de cair de uma janela sob circunstâncias suspeitas, uma vez que estava a trabalhar numa história sobre o envio de sistemas de defesa aérea e aviões para o Irão e Síria, diz o Moscow Times