Um erro inaceitável
A posição do ministro dos Negócios Estrangeiros sobre a Lei dos Sefarditas é uma ruptura política com valores constitutivos da natureza humanista do PS. E um erro que fractura o que devia ser um traço de união entre os socialistas.
1. A lei da Assembleia da República que atribui a nacionalidade portuguesa, por naturalização, aos descendentes dos judeus sefarditas, aprovada por unanimidade (lei orgânica n.º 1/2013), constitui uma reparação histórica e um acto de justiça.
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1. A lei da Assembleia da República que atribui a nacionalidade portuguesa, por naturalização, aos descendentes dos judeus sefarditas, aprovada por unanimidade (lei orgânica n.º 1/2013), constitui uma reparação histórica e um acto de justiça.
2. Os portugueses então perseguidos, assassinados e expulsos de Portugal pelo simples facto de serem judeus (em nome de invocadas razões de um catolicismo inquisitorial) merecem poder regressar à sua pátria, agora, na pessoa dos seus descendentes. Não se trata, por isso, de outorgar direitos a quem nunca os teve, mas de reconhecer direitos de nacionalidade aos descendentes dos que deles foram criminosamente esbulhados.
3. A lei orgânica n.º 1/2013, e o decreto-lei n-º 30-A/2015 que a regulamentou, consagrando o princípio do “jus sanguinis”, isentou, naturalmente, os descendentes dos judeus sefarditas da exigência de residência em Portugal e do conhecimento da língua (os seus ascendentes foram expulsos da nossa terra e da língua). E exige a prova de pertença a uma comunidade sefardita de origem portuguesa ou a condição de judeu sefardita de origem portuguesa.
Note-se, aliás, que este direito (sem a actual operatividade e especificação em relação aos judeus sefarditas) já está vertido na lei da nacionalidade em vigor desde 1981 (Lei 37/81, de 3 de outubro) quando se diz, sem restrições temporais, que o governo pode conceder a nacionalidade portuguesa, por naturalização, aos estrangeiros que “fossem havidos descendentes de portugueses, aos membros das comunidades de ascendência portuguesa”.
4. Consideramos de duvidosa legitimidade o propósito de alteração avulsa de uma lei estruturante do nosso património democrático. Mas essa alteração, a fazer-se (por decreto-lei no âmbito do regulamento da nacionalidade), deve ser precedida de uma criteriosa avaliação da aplicação da lei.
Não chega o casuísmo de testemunhos não contraditados ou exercícios exponenciais e inconsistentes, ou sequer invocadas dificuldades burocrático-administrativas. E, muito menos, uma propalada mercantilização do passaporte dos judeus sefarditas como fez, publicamente, o ministro dos Negócios Estrangeiros (retomando um estereótipo de má memória). Pois se há fraude ou indícios criminais na obtenção de passaporte, essa matéria terá que ser objeto de investigação por parte das autoridades judiciárias. E esse impulso, se necessário, está naturalmente ao alcance, e dever, do Governo português a quem cabe, em última instância (pelo ministro da Justiça), a concessão da nacionalidade.
5. Segundo os dados do Ministério da Justiça, entre 2015 (início da aplicação da lei orgânica n.º 1/2013) e 2019, o total de pedidos de nacionalidade de diversas origens foi de 721.079. Os pedidos de descendentes de sefarditas portugueses somaram 51.974, ou seja, 7,2%. Foram deferidos no total 543.948 pedidos e aos sefarditas 11.300, ou seja 2,1%. Uma realidade muito diferente da “invasão” e dos riscos “exponenciais” de que têm falado os defensores das alterações à Lei.
6. Ninguém, até agora, apresentou uma única prova de suspeição ou fraude num certificado de sefardismo. Não se compreende que motivações justificam uma campanha difamatória contra uma lei que honra Portugal e a sua democracia. Mário Soares e Jorge Sampaio tiveram a grandeza e humildade de pedir perdão em nome de Portugal. O ministro dos Negócios Estrangeiros devia valorizar a Lei de 2013, mas tem sido o principal defensor das alterações que a desvirtuam e, a serem aprovadas, significam a sua liquidação. É uma ruptura política com valores constitutivos da natureza humanista do PS. E um erro que fractura o que devia ser um traço de união entre os socialistas.