Reabrir as escolas para a realização de exames foi um erro
É um imperativo constitucional, para além de ético, defender o interesse de todos os alunos e não apenas daqueles que tiveram os meios e o apoio familiar necessários à sua preparação para os exames nacionais.
No contexto da atual pandemia da covid-19, a reabertura das escolas do ensino secundário, com o propósito da realização de exames nacionais, impede a igualdade de oportunidades dos alunos no acesso à educação e ao sucesso escolar.
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No contexto da atual pandemia da covid-19, a reabertura das escolas do ensino secundário, com o propósito da realização de exames nacionais, impede a igualdade de oportunidades dos alunos no acesso à educação e ao sucesso escolar.
É um facto que o ensino à distância penalizou os alunos portugueses de modo profundamente desigual. Contudo, as aulas presenciais para preparação dos exames nacionais de 11.º e 12.º anos, a partir de 18 de maio, tal como foi decidido pelo Ministério da Educação (ME), traduziram-se no agravamento da desigualdade entre os alunos candidatos ao ensino superior, como infelizmente a realidade demonstra.
Entre os mais penalizados encontram-se os alunos pertencentes a grupos de risco devido a comorbidades várias, os que se incluem em meios socioeconómicos mais desfavorecidos, os que habitam ou estudam em freguesias abrangidas pelo estado de calamidade, os alunos com necessidades educativas especiais e os alunos institucionalizados. Existem ainda os estudantes que habitam com familiares em situações de saúde extremamente frágeis ou com profissionais de saúde que trabalham na linha da frente.
Vamos a factos
Uma vez que o ME não definiu uma carga letiva igual para todas as escolas, os alunos em regime presencial receberam uma preparação para os exames nacionais muito desigual, que pode ser reduzida a 50% das horas letivas previstas numa situação regular.
Os alunos que coabitam com familiares de grupo de risco ou habitam longe da escola e utilizam vários transportes públicos, por vezes sobrelotados como se tem verificado por exemplo na linha de Sintra, foram forçados a decidir entre ir à escola para a preparação dos exames a que têm direito e permanecer em casa para proteger a família.
Muitos destes alunos pertencem a meios socioeconómicos carenciados, sem alternativa à deslocação em transportes públicos, habitam em freguesias que estão novamente em confinamento, estão sobrecarregados por deveres familiares agravados pelo desemprego crescente e ficaram sem apoio na preparação para os exames nacionais.
Os alunos que não puderam frequentar as aulas presenciais, devido a doenças diversas por vezes associadas a necessidades educativas especiais, ficaram impedidos de aceder aos mesmos recursos educativos dos colegas em regime presencial. Outros ficaram sem qualquer rede de acesso à educação, uma vez que não dispõem dos meios tecnológicos ou de Internet em casa.
Mesmo nas escolas públicas em que os alunos beneficiaram de mais aulas presenciais e onde se procurou cumprir escrupulosamente as normas sanitárias enviadas às escolas pelo ME/DGS, várias turmas ficaram sem aulas presenciais e regressaram ao regime de ensino à distância, devido a situações de jovens infetados em contexto familiar ou comunitário externo à escola.
A desigualdade vai aumentar
A uma semana do início da 1.ª fase dos exames nacionais o ME não clarificou o que irá suceder aos alunos que vão estar em quarentena, por terem testado positivo para a covid-19. De acordo com os dados disponíveis, os que previsivelmente se encontram nestas circunstâncias provêm sobretudo de meios socioeconómicos mais desfavorecidos ou estão institucionalizados.
De acordo com as indicações do ME, os alunos poderão fazer exames em condições logísticas muito diferentes, porque em muitas escolas não existem salas suficientes ou em condições de garantir o distanciamento físico exigido pela DGS.
Com elevadas temperaturas, problemas de arejamento e a obrigatoriedade de utilização de máscara, em condições de oxigenação insuficientes e desiguais consoante os espaços, os níveis de concentração dos alunos serão mais um fator diferenciador e injusto. Sobretudo porque os exames este ano vão ter maior duração e número de questões.
É nestas condições que todos os alunos, inclusive os que têm comorbidades diversas, terão de realizar exames nacionais. Como salvaguardar a saúde de todos, sobretudo dos alunos com problemas cardiorrespiratórios, autoimunes, imunodeprimidos e oncológicos? Caso se verifique contágio neste contexto quem assumirá a responsabilidade?
Como se caminha para a igualdade?
Não é essencial, para uma ordenação equitativa dos candidatos ao ensino superior, a realização dos exames neste ano. Os alunos do 12.º ano, que constituem o grupo de candidatos potenciais ao ensino superior nos próximos meses, já realizaram dois exames nacionais no final do ano letivo passado. Todo o seu percurso de ensino secundário, até março do ano letivo corrente, foi feito com aulas presenciais. É, por isso, possível assegurar uma ordenação dos candidatos ao ensino superior que tenha em conta tanto o percurso escolar ao longo do ensino secundário, como o desempenho em exames de âmbito nacional.
Nas circunstâncias atuais, a realização de exames agrava as desigualdades entre candidatos, em vez de as diminuir. A defesa da sua realização para acesso ao ensino superior, como forma de promover a igualdade, é desmentida pelos factos.
É fundamental que os alunos agora penalizados, tenham alternativas que permitam minimizar a injustiça criada pela manutenção dos exames nacionais, nesta época de pandemia. É um imperativo constitucional, para além de ético, defender o interesse de todos os alunos e não apenas daqueles que tiveram os meios e o apoio familiar necessários à sua preparação para os exames nacionais. É em defesa desses alunos que apelamos, independentemente da diversidade das nossas posições sobre esta questão em tempos de “normalidade”, à não realização no atual contexto epidemiológico desses mesmos exames.
Catarina Paulo Leal
João Paulo Maia
Maria Sanches Ribeiro
Paulo Guinote