Lei dos Sefarditas entregou Portugal numa bandeja
Em 1497, alguns judeus sefarditas, por firme convicção religiosa, abandonaram Portugal, com dignidade. Não permitamos que outros se aproveitem da sua memória e aviltem os seus sagrados valores.
A Lei da Nacionalidade, que veio permitir a descendentes de judeus sefarditas adquirir nacionalidade portuguesa, sem quaisquer limites, é uma lei bondosa, com pressupostos generosos; concede a nacionalidade aos “herdeiros” dos judeus expulsos por D. Manuel I em 1497. Mas, na prática, esta Lei tem-se revelado um erro crasso, pois transformou-se num incentivo ao tráfico descontrolado de passaportes.
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A Lei da Nacionalidade, que veio permitir a descendentes de judeus sefarditas adquirir nacionalidade portuguesa, sem quaisquer limites, é uma lei bondosa, com pressupostos generosos; concede a nacionalidade aos “herdeiros” dos judeus expulsos por D. Manuel I em 1497. Mas, na prática, esta Lei tem-se revelado um erro crasso, pois transformou-se num incentivo ao tráfico descontrolado de passaportes.
Quando D. Manuel expulsou os judeus sefarditas não imaginaria certamente que, mais de 500 anos volvidos, ainda se sentiriam efeitos dessa sua retumbante decisão. À época, aquando da publicação do édito de expulsão, a maioria, dezenas de milhar, optaram por se converter ao cristianismo, tornando-se cristãos-novos. Foram muto poucos os que abandonaram o reino, segundo Alexandre Herculano. Penso que terá sido a percepção (errada!) de que estes poucos sefarditas teriam escassos sucessores que inspirou a alteração à Lei que, desde 2015, atribui a nacionalidade portuguesa a todos os descendentes dos judeus então expulsos. Foi um colossal erro de cálculo: os descendentes dos que saíram podem hoje ser da ordem das centenas de milhões, volvidas que são mais de 15 gerações.
Sendo quase ilimitado o número de cidadãos em condições de obter a cidadania portuguesa, pela via da descendência sefardita, é expectável que a cidadania seja atribuída apenas aos que tenham alguma ligação a Portugal: a quem ostente um apelido português e possua o domínio do ladino, a língua que nos aproxima, critérios que a Lei considera factores de conexão efectiva ao país. Mas, na prática, não tem sido assim! Nos últimos anos, apenas se tem imposto aos candidatos à nacionalidade a apresentação de um certificado passado pela Comunidade Judaica Portuguesa. Assim, usando este alçapão, muitos milhares obtiveram a nacionalidade portuguesa de pleno direito.
Assistiu-se até a uma agressiva campanha de propaganda, visando a venda de passaportes portugueses, junto dos muitos milhões de potenciais interessados. A Comunidade Judaica do Porto anunciou profusamente, nos últimos anos, que atribuiria certificados “a quem não tivesse apelido português e não conhecesse o ladino”, anunciando mesmo que “nem sequer seria necessário o candidato vir pessoalmente a Portugal para obter a nacionalidade”. Esta Comunidade – sob o domínio do jurista João Roseira Garrett – tornou-se assim um dos maiores prescritores de passaportes portugueses. Para tal, Garrett muito tem beneficiado do apoio de sua tia, uma das maiores defensoras da lei vigente, Maria de Belém Roseira. Mas também algumas sociedades de advogados exploram este verdadeiro filão, como a Mayer Jardim, em cuja página de abertura de site se publicita precisamente a venda de nacionalidade portuguesa.
A agressividade comercial deste negócio acentuou-se nos últimos meses. Porquê? Porque Espanha, que até 2019 também concedia nacionalidade aos descendentes de sefarditas da Castela e Aragão (embora em condições muito mais rigorosas), cancelou essa possibilidade. Tal facto tornou mais apetecível e mais valioso o passaporte português, agora a única via de obter a condição de cidadão europeu. Não é pois de admirar que na América Latina, na Turquia e em Israel se tenha intensificado a “venda” agressiva de passaportes portugueses. Há empresas que vão ao ponto de os publicitar em anúncios de rua ou até de apresentar Portugal numa bandeja, como sucede com a israelita Portugalis. Como o passaporte português concede cidadania europeia, há sites a anunciar que, com este documento oficial, se “pode obter benefícios fiscais na Europa, entrar nos Estados Unidos sem visto, trabalhar e viver na Europa indefinidamente e estudar de graça em instituições de ensino europeias”. Bem valioso!
Seduzidos por estes apelos, só em 2019, solicitaram passaporte, através deste sistema, mais de 25.000 candidatos, a maioria dos quais não conhece Portugal; já nos primeiros quatro meses deste ano, os pedidos de nacionalidade por via da descendência de judeus sefarditas foi o dobro dos pedidos de nacionalidade por todos os outros motivos. Esta legislação facilitista foi assim desvirtuada e transformou-se num instrumento de tráfico de passaportes, através do qual se mercantiliza a condição de cidadão português.
Em 1497, alguns judeus sefarditas, por firme convicção religiosa, abandonaram Portugal, com dignidade. Não permitamos que outros, cuja religião é apenas o dinheiro, se aproveitem da sua memória e aviltem os seus sagrados valores.