Carta aberta ao senhor primeiro-ministro: a visão de Ribeiro Telles e o Plano de Recuperação Económica
Senhor primeiro-ministro, os signatários reafirmam que é imprescindível um acto em sintonia com o arrojo que a Europa está a demonstrar. Temos agora a oportunidade de retomar a política de Ribeiro Telles, em linha com a actual visão da UE.
Gonçalo Ribeiro Telles, da primeira geração de arquitectos paisagistas formados em Portugal, aproveitou a oportunidade de ser secretário de Estado do Ambiente e mais tarde ministro da Qualidade de Vida e do Ambiente para dotar Portugal de um conjunto de legislação fundamental, conducente à sustentabilidade ecológica do território, à conservação dos recursos naturais e à minimização dos riscos naturais.
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Gonçalo Ribeiro Telles, da primeira geração de arquitectos paisagistas formados em Portugal, aproveitou a oportunidade de ser secretário de Estado do Ambiente e mais tarde ministro da Qualidade de Vida e do Ambiente para dotar Portugal de um conjunto de legislação fundamental, conducente à sustentabilidade ecológica do território, à conservação dos recursos naturais e à minimização dos riscos naturais.
Ora, os políticos europeus acabam de assumir, para nossa grande satisfação, no âmbito da recuperação económica e social e de um Green New Deal, a urgência de investimentos na “pele” viva do planeta, da qual todas as sociedades dependem, através da recuperação do seu capital natural, numa estrutura considerada a infraestrutura da Vida e de tudo aquilo em que ela se baseia.
Assim, a Comissão Europeia apresentou a Nova Estratégia para a Biodiversidade, para a qual perspectivou até 2030 níveis de financiamento muito significativos. Nomeadamente, considera que devem ser feitos investimentos prioritários na Rede Natura 2000 e nas Infraestruturas Verdes de, pelo menos, 20 mil milhões de euros por ano e propõe que parte dos 25% do orçamento da UE consagrado à acção para o clima seja investido na biodiversidade e nas soluções baseadas na natureza (Nature Based Solutions). Além do financiamento, estabeleceu metas claras para reduzir a tendência de perda da biodiversidade e degradação da qualidade dos recursos naturais, deixando de considerar suficiente a sua protecção, para propor o seu restauro
Com esta posição, passou a ser assumido politicamente o que já vinha a ser proposto cientifica e tecnicamente, há muito tempo: a ideia fundamental e estrutural duma concepção espacial que se projecta e alicerça numa estrutura “verde” (Europeia/Nacional) que nos garanta a Vida, a nós e às gerações futuras.
O grande avanço dado pela UE foi passar a ter uma visão de que não basta proteger áreas isoladas, como as que constituem o Sistema Nacional de Áreas Protegidas, para obter uma paisagem ecologicamente equilibrada. É necessário “construir” uma estrutura contínua onde aquele Sistema Nacional de Áreas Protegidas se inclua com as áreas anteriormente classificadas, mas interligadas. Esta estrutura deve ser gerida com o propósito da sua requalificação, não sendo suficientes as habituais acções de protecção, mas também o seu restauro, para melhorar a qualidade e resiliência dos ecossistemas.
A visão integrada do Prof. Ribeiro Telles visou a construção e gestão desta essencial e vital estrutura. No entanto, o conjunto de legislação que fez sair e ainda hoje vigora, com alterações, tem sido aplicado com muitos enviesamentos. Ou seja, fragmentos desta estrutura têm surgido na legislação em diferentes períodos, com diferentes critérios e atribuição da gestão a diversas entidades, sem que haja uma unificação e uma coordenação entre eles. Entre estes fragmentos conta-se o Sistema Nacional de Áreas Classificadas (SNAC), a Rede Fundamental de Conservação da Natureza (RFCN, integrando a Rede Nacional de Áreas Protegidas, a Europeia e a internacional, a Reserva Agrícola Nacional, a Reserva Ecológica Nacional e o Domínio Hídrico) e ainda a Estrutura Ecológica.
Ora, todas estas designações, com os correspondentes regimes jurídicos, fazem parte de um mesmo conceito: a estrutura da paisagem capaz de assegurar a sua sustentabilidade ecológica, a resiliência aos incêndios rurais e todas as outras funções representadas pelos serviços prestados pelos ecossistemas que a constituem, designadamente, a conservação e a qualidade do ar, do solo, da água e da biodiversidade.
É, portanto, indispensável proceder à harmonização de todas as componentes acima referidas, numa só figura, com uma só designação (a nossa proposta é de que se designe por Infraestrutura Ecológica, mas pode ser outra a designação desde que transmita o conceito), a ser incluída nos vários planos de ordenamento do território, às várias escalas. Esta seria a Infraestrutura na qual deveriam convergir as orientações e os financiamentos Europeus e Nacionais, bem como o esforço de todos os agentes envolvidos, públicos e privados, na sensibilização, formação, projectos, implementação e gestão.
Temos agora a oportunidade de retomar a política de Ribeiro Telles, em linha com a actual visão da UE que designa esta infraestrutura por “Infraestrutura Verde e Azul”.
Para isso, aquilo que se pretende agora afirmar é que a lógica de base de qualquer Programa de Recuperação Económica e Social deverá ter consciência da necessidade desta infraestrutura, do seu bom funcionamento, e dos benefícios que ela trará ao País em termos, para além dos de natureza ecológica, dos empregos a criar, da qualidade e da soberania alimentar, da diversidade dos produtos, da atracção de pessoas ao interior, do turismo de natureza, etc., e que a UE propõe que atinja, em 2050, 30% do território Europeu, no mar e em terra. Ou seja, não se trata só de ecologia mas também de economia.
Senhor primeiro-ministro, os signatários reafirmam que é imprescindível um acto em sintonia com o arrojo que a Europa está a demonstrar e que o Plano de Recuperação Económica e Social contenha, na sua base, os Objectivos da Nova Estratégia para a Biodiversidade 2030, da UE, de modo a aplicar os recursos que virão a estar disponíveis em algo que, sabemos, muito virá a beneficiar o País.
Para isso, deve-se, entre outras medidas:
- Acabar de delimitar, consolidar, qualificar e harmonizar a Infraestrutura Ecológica (IE);
- Integrar a IE em todos os Programas, Planos e instrumentos de Gestão Territorial, planos de gestão económica ou financeira;
- Requalificar 25% da área da IE até 2030, com Planos de Restauro (a UE propõe a requalificação total até 2050); fazer convergir e conjugar investimentos da PAC, investimentos da pesca, investimentos dos recursos hídricos, fundos de apoio à reflorestação, etc., nesta selecção de 25% da área da IE;
- Dotar as estruturas de governação da IE de funções claras (não sobrepostas) e de mecanismos de avaliação e acompanhamento;
- Estabelecer um sistema de pagamentos dos serviços de ecossistemas prestados pelos proprietários em áreas da IE;
- Propor nova legislação e orientações sobre contratos públicos ecológicos.
Signatários da Carta Aberta ao primeiro-ministro
Ana Amado, Assessora aposentada do ICNF
Tiago Domingos, Professor do IST; presidente do MARETEC
Manuela Raposo Magalhães, Professora aposentada do ISA e do IST; investigadora do LEAF/ISA/UL
Selma Pena, Professora convidada do ISA e coordenadora de uma linha de investigação do LEAF/ISA/UL
Jorge Capelo, Investigador Auxiliar do INIAV, IP e investigador do LEAF/ISA/UL
Nuno de Almeida Ribeiro, Professor Auxiliar da Universidade de Évora e investigador do MED/UÉvora
Isabel Maria Nunes de Sousa, Professora Associada do ISA, Presidente do Centro de Investigação LEAF/ISA/ULisboa
João Reis Gomes, Arquitecto Paisagista, Presidente do Instituto Gonçalo Ribeiro Telles da Sociedade Histórica da Independência de Portugal
Nuno Cortez, Professor Auxiliar do ISA
Sandra Mesquita, Arquitecta Paisagista, Estudante de Doutoramento em Arquitectura Paisagista e Ecologia Urbana
Andreia Saavedra Cardoso, Investigadora Auxiliar do GOVCOPP/UA e do LEAF/ISA/UL
Oscar Knoblich, Arq. Paisagista, Assessor aposentado do ICNF
Susana Saraiva Dias, Professora Adjunta do Instituto Politécnico de Portalegre
José Carlos Costa Marques, Professor, tradutor e assistente editorial reformado; Editor independente
Helena Roseta, Arquitecta, Investigadora no CICS.NOVA da Univ. Nova de Lisboa
Tânia Sousa, Professora Auxiliar do IST
Dalila Espírito Santo, Engenheira Agrónoma, Investigadora Coordenadora do ISA; investigadora do LEAF
Amarilis de Varennes, Engenheira Agrónoma, Professora Catedrática do ISA
Aurora Carapinha, Arquitecta Paisagista, Professora Auxiliar da Universidade de Évora
José Cangueiro, Arq. Paisagista, Chefe de Divisão CCDR-N (Ordenamento do Território)
Carlos Aguiar, Professor Coordenador da Escola Agrária de Bragança; investigador do CIMO
Rute Sousa Matos, Arquitecta Paisagista, Prof. Auxiliar na Universidade de Évora
João P. F. Carvalho, Professor de Silvicultura da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD); Delegado da Associação Europeia de Silvicultura (Pro Silva Europe).
José Sá Fernandes, Vereador do Ambiente, Estrutura Verde, Clima e Energia, Câmara Municipal de Lisboa
Lúcio do Rosário, Ex-Ponto Focal Nacional da Convenção de Combate à Desertificação e Seca
Bárbara Lopes, Socióloga
Filipe Lopes, Arquitecto e Urbanista, ex-Director da CML
Ana Müller Lopes Silva Carvalho, Arquitecta Paisagista
Paulo Pimenta de Castro, Engenheiro Silvicultor, Consultor
Natália Sofia Cunha, Investigadora do LEAF/ISA/UL
João Ferreira Silva, Arquitecto Paisagista
Alexandre Cancela d’Abreu, Arquitecto Paisagista, Professor Associado aposentado da Universidade de Évora
Margarida Cancela d’Abreu, Arquitecta Paisagista, Técnica Superior da CCDR Alentejo, docente convidada da Universidade de Évora, aposentada
Paula Maria da Luz Figueiredo de Alvarenga, Professora Auxiliar do ISA; investigadora do LEAF/ISA/UL
Paulo Godinho Ferreira, Investigador Auxiliar do INIAV; Professor convidado de Ecologia da Paisagem no ISA-Univ. Lisboa.
Bruno André Gomes Marques, Arquitecto Paisagista, Director do Departamento de Arquitectura Paisagista, Victoria University of Wellington, New Zealand
José Gomes Laranjo, Professor de Fisiologia Vegetal na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD)
Luis Paulo Faria Ribeiro, Professor Auxiliar do Instituto Superior de Agronomia
Paula Maria Simões, Arquitecta Paisagista, Prof. Auxiliar na Universidade de Évora
Maria da Conceição Freire, Arquitecta Paisagista, Professora Auxiliar na Universidade de Évora
Maria Manuela Abreu, Professora catedrática jubilada do Instituto Superior de Agronomia, Universidade de Lisboa; Investigadora do LEAF/ISA/UL
Ana Paula Gomes da Silva, Arquitecta paisagista, Professora Auxiliar na Universidade do Algarve
Nuno de Santos Loureiro, Professor Auxiliar na Universidade do Algarve
Miguel Reimão Costa, Arquitecto, Professor Auxiliar na Universidade do Algarve, Investigador CEAACP e Campo Arqueológico de Mértola
Maria Aragão Rodrigues, Arquitecta Paisagista, Apoio Técnico da Associação Portuguesa dos Arquitectos Paisagistas
Maria Manuela David, Professora Associada da Universidade do Algarve
Vânia Proença, Investigadora Auxiliar no MARETEC/IST/UL
Ricardo Melo, Professor Auxiliar em Ciências, Universidade de Lisboa, coordenador do pólo ULisboa do MARE – Centro de Ciências do Mar e Ambiente
Jacinta Fernandes, Professora Auxiliar da Universidade do Algarve
Adelino Canário, Professor Catedrático da Universidade do Algarve
Ana Amorim Ferreira, Professora Auxiliar da Faculdade Ciências, Universidade de Lisboa
Rúben Prata, Arquitecto Paisagista, Técnico Superior CM das Caldas da Rainha
Marisa Vedor, Investigadora de Biologia
Rui Prieto Silva, Investigador em biologia e ecologia de cetáceos
Pedro Aboim de Brito, Biólogo Marinho, Estudante de Doutoramento em Ciências do Mar, FCUL – Universidade de Lisboa, Técnico Superior no IPMA, IP
Luís Cancela da Fonseca, Professor Aposentado da Universidade do Algarve; Investigador MARE – FCUL
Isabel Azevedo e Silva, Arquitecta Paisagista, Gestora de Projectos de Ambiente e Sustentabilidade Zutari (África do Sul)
Desidério Batista, Arquitecto Paisagista, Professor Auxiliar na Universidade do Algarve e Investigador do CHAIA/UÉ
Eva Silveirinha de Oliveira, Consultora
Cristina Mendes, Dirigente da Associação Defesa do Património Ambiental e Cultural de Santa Iria da Azóia
Maria Luísa Monteiro Franco, Investigadora do LEAF/ISA/UL (linha de investigação GBI)
Rui Malhó, Professor Catedrático da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa
Andreia Lourenço, Arquitecta Paisagista na empresa JJFLINVEST, Lda.
Maria Inês Martins Adagoi, Arquitecta Paisagista, Estudante de Doutoramento em Arquitectura Paisagista no Instituto Superior de Agronomia
João Paulo Medeiros, Eng. do Ambiente, Mestre em Pescas e Aquacultura, Doutorando em Ciências do Mar, FCUL, Universidade de Lisboa; Investigador no MARE – FCUL
Álvaro José Moita de Oliveira, Eng. Mecânico e Arquitecto Naval, Consultor Naval
Ana Figueiredo Santos, Arquitecta Paisagista
Cláudia Ávila Gomes, Arquitecta Paisagista
Helena Lorina Figueiredo Vieira, Arquitecta Paisagista, Técnica responsável de Verd Urbà del Ajuntament de Parets del Vallès (Barcelona)
Ana D. Caperta, Professora Auxiliar no Instituto Superior de Agronomia
Margarida Cristo, Professora Auxiliar da Universidade do Algarve e Investigadora do CCMAR
Marta Bento, Doutoranda em Ciência do Mar, FCUL
Jorge Palmeirim, Prof. Associado na FCUL, Presidente da Liga para a Protecção da Natureza
Maria da Conceição Castro, Arquitecta Paisagista, Professora Auxiliar da Universidade de Évora
Sólveig Thorsteinsdóttir, Professora Associada, Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa
Ricardo Faustino de Lima, Investigador Júnior, CE3C, Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa
Luiz de Sá Pereira, Arquitecto, Assessor Principal aposentado da CML
Paulo Canaveira, Eng.º Florestal, Consultor em Alterações Climáticas
Sofia Tainha, Arquitecta Paisagista
Maria José Rosado Costa, Professora Catedrática (aposentada), Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, Presidente da Associação de Mulheres Cientistas
Margarida Villas-Boas, Estudante de MSc Climate Change and Development, SOAS, University of London
Os autores escrevem segundo o novo acordo ortográfico