Um ano letivo estranho!
Sabemos melhor hoje que falar de sucesso académico requer a garantia das mesmas condições de aprendizagem para todos os alunos.
Está a chegar ao fim o ano letivo mais estranho das nossas vidas.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Está a chegar ao fim o ano letivo mais estranho das nossas vidas.
De facto, a partir de meados de março, de um dia para o outro, fomos obrigados a mudar a escola para as casas de cada um. Alunos e professores passaram a trabalhar à distância, usando outros recursos. Um desafio enorme para todos! Que rapidamente demonstrou as muitas limitações que uma escola fisicamente dispersa pode sofrer.
Num cenário ideal, todos os alunos teriam computador acessível, Internet ilimitada ou a presença atenta e disponível dos encarregados de educação que, de alguma forma, orientavam os seus educandos, garantindo a presença e atenção necessárias.
Num cenário ideal, todas as famílias tinham recursos disponíveis e podiam acompanhar as aprendizagens dos seus filhos em estreita colaboração e articulação com os professores, que, por sua vez, em casa, teriam também todo o tempo disponível para acompanhar os seus muitos alunos de anos e turmas diferentes.
Num cenário ideal!...
A verdade é que os cenários ideais apenas existem na nossa fértil imaginação. Infelizmente, muitos alunos não dispunham de computador ou Internet suficiente. Nalguns casos, nem telemóvel ou mesmo televisão. Muitos encarregados de educação continuaram a ter de trabalhar. Ou não puderam apoiar os seus educandos, garantindo o cumprimento de horários ou tarefas. Muitos alunos, sem apoio, rapidamente foram excluídos porque lhes faltou o imprescindível suporte de proximidade prestado, na escola, pelos professores. E estes, em casa, também tiveram de ser pais, mães, donas de casa ou, eles próprios, orientadores dos seus próprios filhos.
Sabemos melhor, hoje, que falar de sucesso académico requer a garantia das mesmas condições de aprendizagem para todos os alunos. Infelizmente, não obstante a boa vontade, empenho e a força hercúlea de muitos, tal não aconteceu. A solução encontrada, de emergência, claramente contribuiu para uma ainda maior exclusão de alguns! Todos trabalhamos para não excluir ou deixar alguém para trás. Mas, à medida que as semanas foram passando, percebemos que todos os dias perdíamos mais alguém. O #EstudoEmCasa foi uma solução atraente numa primeira fase. Contudo, aos poucos, também foi perdendo algum do interesse que inicialmente motivou. As razões são múltiplas, mas objetivamente compreensíveis, dada a envolvência e os contextos.
“O que me é permitido esperar?”
Não sabemos o que o futuro próximo nos reserva. Sabemos que teremos de estar preparados para recorrer a soluções semelhantes àquelas que utilizamos para concluir o presente ano letivo. Por muito otimistas que possamos ser, atendendo aos sinais, claros, de que esta pandemia nos oferece, é muito provável que o próximo ano letivo tenha de ser desenhado para coexistirem as aulas presenciais e as aulas à distância.
Assim, à partida, urge prevenir situações que possam conduzir ao insucesso de alguns. Desde logo, proteger os mais novos. Os alunos do 1.º ciclo, nomeadamente nos dois primeiros anos, precisam de aulas presenciais. Depois, disponibilizar os meios telemáticos para que todos os alunos e professores possam estar em pé de igualdade. Paralelamente, reduzir o número de alunos por turma e garantir a contratação de todos os professores necessários para que, num cenário-limite, possam ser criadas todas as condições de aprendizagem exigidas por este complexo contexto que vivemos.
Porque por estes dias, os primeiros após o encerramento do mais estranho ano letivo, são disponibilizados os rankings dos resultados das escolas, é importante também lembrar que, como refere François Dubuet, “a escola mais justa não é somente aquela que anula, o mais justamente possível, a reprodução das desigualdades sociais e promove o verdadeiro mérito, é sobretudo aquela que garante o nível de ensino mais elevado ao maior número de alunos e, sobretudo, aos alunos mais fracos”.
No atual contexto de pandemia, todos percebemos que os rankings agora publicados apenas têm em conta dados que estão desajustados. Por mais que as escolas se esforcem, num tempo como este, é impossível dar respostas diferenciadas a alunos que não dispõem de recursos. É difícil garantir que princípios fundamentais de justiça social, como igualdade e equidade, possam ser praticados. Os rankings há muito que são questionados por muitos e por várias razões, mas este ano, atendendo às circunstâncias tão extraordinárias que a todos afetam, não passam de fogo-fátuo.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico