Yulia queria normalizar corpos — mas as suas ilustrações podem significar seis anos de prisão
Desenhou vulvas, tampões, pêlos e acabou condenada por “distribuição de pornografia”. Yulia Tsvetkova, activista russa de 27 anos, pode enfrentar uma pena de seis anos de prisão por tentar acabar com o estigma criado à volta do corpo das mulheres. Depois de ter estado em prisão domiciliária, aguarda julgamento.
“Mulheres reais têm o período — e isso é ok”; “Mulheres reais têm pêlos — e isso é ok”; “Mulheres reais têm gordura corporal” e, adivinhem? Sim, isso também “é ok”. As frases acompanham ilustrações de mulheres com pêlos, a segurar tampões, semi ou totalmente nuas. E todas elas foram desenhadas por Yulia Tsvetkova, uma activista LGBTQ russa, e motivo para agora enfrentar a possibilidade de passar seis anos na prisão por “distribuição de pornografia”.
Yulia nasceu em Komsomolsk-on-Amur, uma cidade a cerca de 6 mil quilómetros de Moscovo. A jovem de 27 anos é conhecida pelo activismo, pelas ilustrações e pela carreira no teatro. Ao currículo, juntam-se as palestras e aulas de educação sexual que dá a jovens LGBT, apesar de estas serem proibidas nas escolas russas. A ousadia de quem luta contra o sistema faz com que as perseguições não sejam uma novidade.
Antes de ser condenada por distribuição de pornografia, já tinha sido multada ao abrigo da lei da “propaganda gay” que, desde 2013, descreve a homossexualidade como uma “relação sexual não tradicional” e proíbe os conteúdos que possam “promover a negação dos valores tradicionais da família”. O motivo para a condenação foi o mesmo: as ilustrações que partilhou na sua página do VK, uma rede social russa. Yulia recebeu também ameaças de morte de grupos homofóbicos.
Mas, sem se deixar intimidar, a activista criou um grupo no VK, Vagina Monologues, onde partilhava ilustrações que tentavam acabar com o estigma criado à volta do corpo da mulher. Por causa disso, no dia 22 de Novembro de 2019 foi colocada em prisão domiciliária sob a acusação de “distribuição de pornografia”. Foi também obrigada a sair do clube de teatro, que acabou por encerrar, também por ordem das autoridades.
Assim permaneceu até 19 de Março, dia em que lhe foi retirada a pulseira electrónica e em que escreveu: “A investigação tem grandes planos, mas talvez tenhamos tido uma pequena vitória hoje.”
A Amnistia Internacional considerou a sua detenção “absurda” e referiu que Yulia era uma “prisioneira de consciência”. A organização não-governamental garante que vai continuar a fazer campanha até que “todas as queixas contra Yulia sejam retiradas”. Através do site, é possível enviar um email para as autoridades russas, que exige a retirada das queixas — basta colocar o nome e email.
“Sou de uma pequena cidade russa, numa região remota. Tudo é censurado pela administração local”, referiu Yulia ao Art Newspaper. “Eu montei um teatro e um centro comunitário, e falei activamente nas redes sociais, por isso fui contra o censor. A perseguição de activistas, pessoas LGBTQ e feministas são uma política do Estado, acontecem por toda a Rússia.”
Apesar de a prisão domiciliária ter sido levantada, a activista terá ainda que ir a julgamento. As previsões não são as melhores: “Estou a tentar não perder esperança, mas, na Rússia, apenas 1% destes casos são absolvidos. O que significa que só tenho 1% de hipóteses de sair disto completamente livre. Uma previsão muito desmotivadora.”
O caso de Yulia já motivou o apoio de algumas figuras proeminentes no panorama russo. A escritora Lyudmila Petrushevskaya e o apresentador de televisão e antigo candidato presidencial, Ksenia Sobchak, já se manifestaram contra a detenção da activista. Também as Pussy Riot, banda russa conhecida pela oposição ao governo, denunciaram o caso de Yulia no Twitter. No Instagram, têm surgido imagens abstractas de vulvas, acompanhadas pela hashtag #forYulia.
“Tenho visto que a causa está a ganhar mais atenção e isso dá-me alento”, referiu a activista, citada no mesmo texto. “Vejo que muitas pessoas são agora pró-LGBTQ, pró-mulheres.” E não se abstém de comentar a ironia da situação: “O governo não nos silenciou. Tornou possível que se declarasse uma injustiça bem alto.”