Os rankings do nosso descontentamento
Vale a pena, em plena pandemia, dizer que estas listas não honram o trabalho feito nas escolas. As melhores escolas do país — não hesito em afirmá-lo — foram aquelas que, em bairros problemáticos, mantiveram todos os alunos ligados, foram aquelas em que a proteção contra a violência e negligência nunca falhou, foram aquelas em que a proximidade potenciou aprendizagem.
Os últimos meses, em que o vocabulário da educação se alterou, passando a incluir palavras como distanciamento, síncrono, Zoom ou a fazer renascer outras como telescola, foram pontuados — e ainda bem — por preocupações em notícia ou comentário com aquele que é o principal papel da escola: promover a mobilidade social através do conhecimento e da cultura. Esta terrível crise acelerou desigualdades, apesar do esforço de todos. Os vulneráveis ficaram ainda mais vulneráveis.
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Os últimos meses, em que o vocabulário da educação se alterou, passando a incluir palavras como distanciamento, síncrono, Zoom ou a fazer renascer outras como telescola, foram pontuados — e ainda bem — por preocupações em notícia ou comentário com aquele que é o principal papel da escola: promover a mobilidade social através do conhecimento e da cultura. Esta terrível crise acelerou desigualdades, apesar do esforço de todos. Os vulneráveis ficaram ainda mais vulneráveis.
Foram meses de trabalho intenso. Os professores reinventaram-se para tentar não perder os alunos. As escolas reconfiguraram-se para garantir refeições, terapias, acolhimento aos mais desprotegidos. Os municípios foram parceiros da inclusão. O Ministério da Educação trabalhou em conjunto com as escolas, disponibilizando orientações, recursos, estabelecendo parcerias nesta corrida injusta em que a aprendizagem se viu mais comprometida.
Todos comentámos as principais dificuldades e conquistas e abrimos os olhos para aspetos fundamentais do sistema educativo: a proximidade, a proteção, o apoio, a relação estabelecida.
Todos desafiados: decisores, professores, técnicos, famílias e alunos. Como escreveu aqui no PÚBLICO Rui Pena Pires, o confinamento criou desigualdades cumulativas que nem passam pela cabeça de muitos. Foi um esforço enorme numa resposta de emergência, de esforços convergentes.
O ano letivo chegou ao fim, com a consciência do que ficou para trás, o que se constitui guião orientador para as decisões para o próximo ano.
Muitos falaram da mudança irreversível na escola. E qual podia ser a pior forma de terminar este ano, travando mudança e descentrando do que interessa? Com os rankings.
Tal como no Ethan de Steinbeck, invertem-se prioridades.
Já não vale muito a pena repisar a sua inutilidade. Não mostram a qualidade das ofertas educativas, refletindo mais o contexto do que o mérito. Não mostram o trabalho efetivo das escolas em que lutar contra o abandono e a exclusão é um trabalho muito mais árduo e frutífero do que a conquista da centésima no exame, resumida à verificação de que a explicação extraescolar funcionou. Não revelam que os alunos migrantes aprenderam o alfabeto romano e hoje falam português e chegam longe numa corrida desigual. Uma lista seriada em que se fazem reportagens com o top 20 sem se comentar a variabilidade aleatória do meio da tabela.
Mas vale a pena, em plena pandemia, dizer que estas listas não honram o trabalho feito nas escolas. As melhores escolas do país — não hesito em afirmá-lo — foram aquelas que, em bairros problemáticos, mantiveram todos os alunos ligados, foram aquelas em que a proteção contra a violência e negligência nunca falhou, foram aquelas em que a proximidade potenciou aprendizagem, foram aquelas em a comunidade no seu todo colaborou para o sucesso. E são-no todos os anos.
Nas últimas semanas, valorizou-se a importância da relação, mostrou-se que a dependência face aos encarregados de educação é penalizadora, deram-se os exemplos de boa cooperação entre famílias e professores como chave para o sucesso, mostrou-se a urgência das competências digitais, a necessidade de recuperar e apoiar. O debate público fê-lo e estimula-nos enquanto decisores a fazer mais.
Sejamos objetivos: estes rankings, sacralizados pelos que entendem que os resultados escolares servem para alimentar estudos, nada dizem sobre o que foi considerado essencial nestes meses. Não aferem competências digitais, não revelam a promoção da autonomia no estudo, penalizam o trabalho diferenciado e inclusivo, anulam o trabalho das comunidades mais vulneráveis. Pelo contrário, favorecem a lógica individualista e competitiva, inimiga da solidariedade que estes tempos requerem.
Temos sido muitos os que louvamos os professores pela sua capacidade de adaptação e resiliência. Mereciam um final do ano letivo com o aplauso que lhes damos, não com os rankings que empurram a escola para ser sobre taxas, desumanizando-se e penalizando os que a humanizam, e não sobre cultura e desenvolvimento.