Figas para voltar à vidinha
Os alunos perderam aprendizagens que já eram frágeis. A percentagem de percursos diretos de sucesso na escola pública em 2019 continuava a ser baixa e por tal as intervenções para o sucesso das aprendizagens eram prementes já antes da pandemia.
A 10 de dezembro de 2010 o jornal PÚBLICO noticiava que, por unanimidade, o Parlamento dava um ano ao Governo para arrancar com a remoção do amianto nos edifícios. O amianto liberta fibras microscópicas que se podem depositar nos pulmões provocando doenças potencialmente letais. A doença leva décadas a ser diagnosticada e por tal é difícil fazer a ligação com as telhas de amianto partidas na escola, cujos pós eram inspirados todos os dias. A responsabilidade não é de ninguém … é a vidinha.
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A 10 de dezembro de 2010 o jornal PÚBLICO noticiava que, por unanimidade, o Parlamento dava um ano ao Governo para arrancar com a remoção do amianto nos edifícios. O amianto liberta fibras microscópicas que se podem depositar nos pulmões provocando doenças potencialmente letais. A doença leva décadas a ser diagnosticada e por tal é difícil fazer a ligação com as telhas de amianto partidas na escola, cujos pós eram inspirados todos os dias. A responsabilidade não é de ninguém … é a vidinha.
Foi anunciado como medida de investimento nas escolas a remoção do amianto à qual se poderão juntar obras diversas de manutenção, que estão em estado deplorável. Estas obras não deveriam ser apresentadas como extraordinárias, deveriam ser parte integrante do orçamento do Estado, uma verba anual que permita que as escolas possam ser pintadas, as janelas, estores, casas de banho, e espaços exteriores arranjados, com sombras e equipamentos seguros. Falo de obras simples, do dia a dia da manutenção que garante a longevidade dos edifícios, e a qualidade da sua utilização. Precisamos de edifícios em bom estado que possam acolher os alunos com segurança e conforto, no momento de pandemia e sempre.
Como o regresso à escola presencial está previsto para setembro, estas obras deverão acontecer nos meses de julho e agosto. Mas em julho há exames presenciais do 11.º e 12.º anos em algumas das escolas, e o ano letivo deverá reabrir no início de setembro, com mais exames. Talvez regressemos à vidinha com amianto e sem obras ou talvez haja excesso de otimismo ao acreditarmos que a pandemia é um capítulo encerrado e que em setembro os 1,5 milhões de alunos irão regressar à normalidade anterior.
Uma segunda vaga é muito provável e a escola não vai poder funcionar com 25 alunos por turma em simultâneo 35 horas por semana. A escola a tempo inteiro pode ser um capítulo encerrado por vários anos, enquanto não existir uma vacina ou uma mutação favorável do vírus. Uma escola representa um enorme ajuntamento. A escola média recebe mais de 1000 alunos por dia, normalmente em simultâneo e com grande contacto de proximidade. As redes de transmissão são exponenciais. Um grupo de 20 alunos representa uma rede de contactos direta de 800 pessoas, uma escola de 1000 alunos representará uma rede com 40 000 pessoas. Por este motivo, escolas a funcionar no anterior modelo representam aumento na probabilidade de contágio.
Os planos de regresso e recuperação das aprendizagens têm de ser estruturados com visão a longo prazo. Não basta anunciar obras e agir como se tudo o resto fosse constante. De nada adianta colar um penso rápido e correr a dar explicações no verão. Os alunos perderam aprendizagens que já eram frágeis. A percentagem de percursos diretos de sucesso (alunos que não repetiram nenhum ano no ciclo e que tiveram positiva em ambos os exames do ano terminal) na escola pública em 2019 continuava a ser baixa (37% no secundário e 41% no ensino básico) e por tal as intervenções para o sucesso das aprendizagens eram prementes já antes da pandemia.
A instituição escola deverá aproveitar a experiência dos últimos meses para perceber que é possível mudar e reduzir a resistência a fazer diferente. Se há coisa que todos aprendemos é que existem outros modos de trabalhar, donde não devemos ter medo de arriscar. Planear os próximos anos letivos é garantir um equilíbrio entre estar na escola, na rua e em casa que permita que os alunos aprendam e cresçam mantendo o equilíbrio fisico e emocional. Podemos retirar o foco dos conteúdos, aprender é mais do que decorar um conjunto de minerais, ou reis ou fórmulas. Algumas estratégias possíveis e já testadas passam por melhorar o feedback aos alunos e assumir uma avaliação formativa, investir em tutorias bem desenhadas que possibilitem um efetivo apoio aos estudantes, organizar sessões individuais de trabalho logo que as falhas de aprendizagem se tornam visíveis e promover visitas de estudo e campos de férias interdisciplinares e ricos em conteúdos e atividades.
Do mesmo modo que pusemos o ensino a distância a funcionar em meia dúzia de dias, talvez seja desta que somos capazes de organizar uma escola dinâmica em que várias estratégias coabitam e se alternam. A necessidade aguça o engenho e o entusiasmo de fazer parte da solução cresce.
Fazer figas para voltar à vidinha “como era dantes” é perder a oportunidade de abrir as mãos e melhorar.
A autora escreve de acordo com o novo acordo ortográfico