Ao princípio era o Estado
O que realmente me espanta é ver a Iniciativa Liberal defender que o Estado tem poder para decidir se o sofrimento de um doente é ou não insuportável. Pelos vistos até para os liberais o Estado é o alfa e o ómega.
1. A pandemia da covid-19 levou o Governo a tomar medidas sem precedentes em democracia. Durante 45 dias vivemos em estado de emergência e, desde então, foi declarada situação de calamidade. Os direitos individuais, como a livre circulação ou a liberdade de religião, foram fortemente restringidos. Muitas das medidas tomadas eram de legalidade questionável, mas a verdade é que a urgência em controlar a pandemia e salvar o máximo de vidas possível levou a uma quase unanimidade na aceitação das mesmas.
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1. A pandemia da covid-19 levou o Governo a tomar medidas sem precedentes em democracia. Durante 45 dias vivemos em estado de emergência e, desde então, foi declarada situação de calamidade. Os direitos individuais, como a livre circulação ou a liberdade de religião, foram fortemente restringidos. Muitas das medidas tomadas eram de legalidade questionável, mas a verdade é que a urgência em controlar a pandemia e salvar o máximo de vidas possível levou a uma quase unanimidade na aceitação das mesmas.
Desde Março que houve um esforço nacional na defesa da Vida. Todos nós abdicamos de parte da nossa liberdade para o bem comum. Este esforço trouxe consigo uma crise económica e social gravíssima. Mas foi o preço que decidimos pagar para defender todas as Vidas.
A maior parte das medidas tomadas pelo Governo, e apoiadas pela maior parte dos partidos, tinham como objectivo conter a pandemia. Mas também foram tomadas medidas especificas para defender os grupos de risco. Durante o estado de emergência, idosos e doentes viram os seus direitos fortemente restringidos, para sua própria salvaguarda. Os que viviam em lares ou estavam internados em hospitais ficaram lá confinados, proibidos de qualquer contacto com o mundo exterior. Os que viviam em suas casas foram obrigados a especiais deveres de confinamento. O poder do Estado foi usado para garantir que a vida dos mais frágeis fosse salvaguardada, inclusivamente contra a sua própria vontade.
Durante os últimos três meses ninguém pareceu duvidar que o Estado tinha o dever de defender a vida de todos os cidadãos. Que esse dever lhe dava inclusivamente o poder de lhes restringir a liberdade, com uso de força coerciva se necessário, para que não corressem riscos.
2. Não deixa de espantar ver as mesmas pessoas que consideraram que os idosos e doentes deviam ser obrigados pelo Estado a confinar-se, vir defender, ainda em plena pandemia, a eutanásia. Pelos vistos as pessoas mais frágeis não podem sair de casa para salvaguardar a sua vida, a não ser para ser mortas pelo Estado a seu pedido, nesse caso já não há qualquer problema. Ir à missa não pode ser, que há o risco de apanhar um vírus que eventualmente leva à morte, ir ao hospital receber uma injecção, já não tem mal. Qual é a diferença? É simples, no primeiro caso o Estado não deixa, no segundo já está autorizado.
Isto só vem provar aquilo que os opositores da morte a pedido têm afirmado desde o princípio: o que está em discussão não é a liberdade individual. Se fosse assim bastaria descriminalizar o homicídio a pedido da vítima. O que está em discussão realmente é saber em que circunstâncias o Estado pode permitir que uma pessoa em sofrimento seja morta.
Por isso são necessários dois médicos e uma comissão para autorizar a eutanásia: porque quem decide se a pessoa está ou não em sofrimento tal que possa ser morta é o Estado, não é o indivíduo. Este só pede.
A legalização da morte a pedido não aumenta o poder de decisão do doente, como os seus defensores argumentam. Apenas aumenta o poder do Estado, a quem cabe a decisão. O doente pode pedir, mas não decide. O doente pode considerar o seu sofrimento intolerável, mas quem decide se realmente o é são aqueles que o Estado nomeia.
3. Não me espanta ver o Bloco de Esquerda, o PEV, o PAN, e parte do PS e PSD a defender o aumento do poder do Estado sobre a vida dos cidadãos. Espanta-me o timing, espanta-me que seja feito enquanto ainda atravessamos esta pandemia, que veio mais uma vez demonstrar a fragilidade da nossa sociedade na protecção aos mais fracos e reforça a necessidade do Estado para superar essa fragilidade. Mas sobretudo, o que realmente me espanta é ver a Iniciativa Liberal defender que o Estado tem poder para decidir se o sofrimento de um doente é ou não insuportável. Pelos vistos até para os liberais o Estado é o alfa e o ómega.
Para os defensores da eutanásia não há qualquer problema em que os idosos e doente morram. Só precisam é de ser devidamente autorizados pelo Estado.