“Temos de assumir que a escola terminou em Março”

Para muitas crianças, o 3.º período foi um tempo perdido, denuncia o psicólogo, juntando-se às vozes que olham para a forma como este como tendo agravado as desigualdades.

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Teresa Pacheco Miranda

O ano lectivo terminou em Março, para algumas crianças que não conseguiram acompanhar o ensino à distância, alerta o psicólogo Eduardo Sá, admitindo que possa estar a fazer uma “leitura demasiado positiva” do 3.º período.

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O ano lectivo terminou em Março, para algumas crianças que não conseguiram acompanhar o ensino à distância, alerta o psicólogo Eduardo Sá, admitindo que possa estar a fazer uma “leitura demasiado positiva” do 3.º período.

“Acho que se nós tivermos humildade e bom senso e se pensarmos em todas as crianças, por mais que isso nos doa no coração, temos de assumir que a escola de certa forma terminou em Março, ao contrário daquilo que queríamos”, diz em entrevista à Lusa.

Durante todo o 3.º período, que termina nesta sexta-feira, o ensino esteve afastado do espaço físico das escolas e fez-se exclusivamente à distância, depois de o Governo ter suspendido as actividades lectivas presenciais, em 16 de Março, devido à pandemia da covid-19.

Ao longo dos últimos três meses, várias vozes alertaram para o aprofundar das desigualdades entre alunos, no âmbito do ensino à distância, já que muitas famílias não tinham condições para assegurar a continuidade das actividades online, e Eduardo Sá acompanha essa preocupação.

“A mim e a todos nós preocupa-nos o modo como esta quarentena, que se deu de um dia para o outro, ajudou a acentuar muitas diferenças sociais entre muitas crianças e preocupa-nos o facto de haver muitas crianças em Portugal que não têm acesso às novas tecnologias, que não têm acesso a rede de Internet que lhes permita ter a escola dentro de casa”, observa.

Além do acesso aos meios tecnológicos, o modelo de ensino remoto tornou o sucesso escolar dos alunos ainda mais dependente de outros factores, como o contexto familiar e o ambiente doméstico, continua o professor universitário, acrescentando que a própria disponibilidade dos pais para acompanhar o estudo das crianças se tornou determinante.

“No entanto, nós queremos que a escola seja, de facto, o grande motor de igualdade de oportunidades”, declara. É neste sentido que o psicólogo recomenda que se pense sobre o 3.º período de forma “muito benevolente”, com a consciência de que para muitas crianças e jovens foi um período, de certa forma, perdido.

“Temos que assumir que o desafio a que o Ministério da Educação se colocou é um desafio seríssimo, porque foi um vendaval, um cataclismo, aquilo com que teve de lidar, mas pensando em todas as crianças e pensando nos conteúdos novos, nas oportunidades paritárias que nós queremos perante esses conteúdos, acho que temos de ter a humildade de assumir que este 3.º período não pode contar de maneira nenhuma como contaria de outra forma”, defende.

O próximo desafio, e o mais urgente, é preparar o próximo ano lectivo, em que vai ser necessário recuperar as aprendizagens que ficaram para trás, depois de uma interrupção que, nos casos mais problemáticos, foi de seis meses.

“São seis meses. Na vida de uma criança é muito tempo e na relação com a aprendizagem é mais tempo ainda e, portanto, a escola não pode pegar nas crianças como se não se tivesse passado quase nada”, alerta.

O psicólogo considera que o tempo perdido pode ser recuperado, mas avisa que o 1.º período do próximo ano lectivo terá de ser gerido com bom senso e envolvendo a colaboração de toda a comunidade educativa, de forma a esbater as diferenças acentuadas com que as crianças vão regressar à escola.

“Se nós não o fizermos, temos consequências tão mais acentuadas a partir do próximo ano lectivo que, de repente, a escola vai-se constipar de uma forma grave e nós não podemos, de maneira nenhuma, permitir que isso aconteça”, ilustra.

Relativamente ao regresso da escola em Setembro e a imprevisibilidade da situação epidemiológica, que não permite dar uma resposta clara, Eduardo Sá defende a importância de a tutela preparar diferentes cenários, avisando que o ensino digital não substitui a escola e a relação presencial entre as crianças e os professores.

Essa relação faz parte daquilo que o psicólogo considera ser uma “escola amiga da criança”, aquela que “se tenta adaptar mais às crianças do que as abriga a fazê-lo em relação a ela” e que torna a infância mais desafiadora e mais estimulante.

Escola Amiga da Criança” é também o nome de uma iniciativa lançada em 2018, resultado da colaboração entre Eduardo Sá, a Confederação Nacional das Associações de Pais (Confap) e a LeYa, com o objectivo de distinguir escolas por iniciativas em diferentes áreas que promovam a felicidade dos alunos no espaço escolar.

“Uma espécie de ranking informal que tome em consideração tudo aquilo que muitas vezes os rankings não consideram, a relação dos pais com a escola, a forma como uns e outros conseguem colaborar e comunicar”, explica. Este ano, a iniciativa lançou, para a sua terceira edição, uma nova categoria chamada “Escola Amiga em Casa”, dedicada ao trabalho desenvolvido pelas escolas durante a quarentena.

Eduardo Sá ainda não espreitou as candidaturas, que podem ser submetidas até ao final deste mês, mas acredita que, apesar das dificuldades, muitos professores encontraram soluções “absolutamente incríveis” para que o ensino não se encerrasse no espaço físico da escola.