“Mais custos e menos dinheiro”: a nova realidade das produtoras de cinema
Entre equipamentos de protecção, desinfecção dos espaços, mais gastos em salários e alugueres devido ao aumento do tempo de rodagens, os custos extra do sector chegam a ascender a 30%. O Instituto de Cinema e do Audiovisual vai destinar-lhes parte do seu saldo de gerência, 8,5 milhões de euros.
“Pela primeira vez na vida, não sei como vou pagar o filme – e já fiz mais de 50 filmes.” A afirmação é de Rodrigo Areias, da produtora O Bando à Parte, que contou ao PÚBLICO as dificuldades que vem atravessando no regresso da actividade. O cenário de agravamento dos custos parece estender-se a várias produtoras nacionais. Para o mitigar, o Instituto do Cinema e do Audiovisual (ICA) vai poder recorrer a 8,5 milhões de euros de saldo de gerência para compensar os profissionais prejudicados pela covid-19, segundo anunciou esta quinta-feira o secretário de Estado do Cinema, Audiovisual e Media, Nuno Artur Silva, à Agência Lusa.
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“Pela primeira vez na vida, não sei como vou pagar o filme – e já fiz mais de 50 filmes.” A afirmação é de Rodrigo Areias, da produtora O Bando à Parte, que contou ao PÚBLICO as dificuldades que vem atravessando no regresso da actividade. O cenário de agravamento dos custos parece estender-se a várias produtoras nacionais. Para o mitigar, o Instituto do Cinema e do Audiovisual (ICA) vai poder recorrer a 8,5 milhões de euros de saldo de gerência para compensar os profissionais prejudicados pela covid-19, segundo anunciou esta quinta-feira o secretário de Estado do Cinema, Audiovisual e Media, Nuno Artur Silva, à Agência Lusa.
Rodrigo Areias admite estar com dificuldades na rodagem de um filme de Edgar Pêra, mas pensa ter arranjado uma possível solução: “[Haverá] uma redoma à volta do hotel, [vamos] garantir que ninguém entra ou sai, com transportes de manhã e à noite, de e para o hotel, de e para o local de filmagens, para minimizar o risco. É a única proposta que tenho para fazer às pessoas com quem trabalho.” Durante o mês de Agosto, vão trabalhar mais dias — e mais horas por dia —, para conseguirem concretizar o projecto do cineasta português.
Com esta situação vem também um aumento de custos “brutal”. Segundo o produtor, são “implicações financeiras de mais cem mil euros”. Um dos investidores — uma empresa americana — retirou o financiamento e a produtora tem agora “mais custos e menos dinheiro”. No entanto, a decisão de avançar tinha de ser tomada, defende Rodrigo Areias, uma vez que “há dezenas de profissionais que não teriam fonte de rendimento”. “Se a empresa pode estar parada um ano, a vida das pessoas não pode.”
O aumento dos custos de produção tem várias vertentes. Luís Urbano, da produtora O Som e A Fúria, fez uma estimativa e concluiu que se fizesse em 2020 filmes que fez no passado teria “aproximadamente 30% de custo extra face ao valor total”. Estão em causa muitas despesas com equipamentos de protecção, desinfecção e reserva de espaços complementares obrigatórios à luz dos planos de contingência que o Estado determinou para o sector. E há ainda a questão do aumento dos tempos de trabalho, “o que significa acréscimos nos salários e nos alugueres que poderão ir dos três
mil aos oito mil euros diários”, esclarece.
A somar a estes transtornos, há também a imponderabilidade da actual situação epidemiológica, acrescenta Pedro Borges, da Midas Filmes, lembrando que se um dos actores principais de uma produção adoece “tudo tem de ser adiado”. “Há outros países europeus onde estão a ser estudadas modalidades de seguro”, diz; de acordo com os produtores ouvidos pelo PÚBLICO, porém, esta opção é cada vez menos possível em Portugal, daí a reivindicação de apoios directos do Estado.
O anúncio de que parte do saldo de gerência do ICA virá em auxílio do cinema português corresponde pelo menos parcialmente aos apelos do sector. Mas durante meses, lamenta Filipa Reis, da produtora Uma Pedra no Sapato, os filmes, as produtoras e os trabalhadores foram “deixados ao abandono”. É uma área importante para a recuperação económica, argumenta, uma vez que “os artistas não trabalham sozinhos”: “Não só o cinema, mas a cultura como um todo, emprega milhares de pessoas, que são muitas vezes artistas, mas também são técnicos, electricistas, carpinteiros, costureiras, produtores.”
O Ministério da Cultura não respondeu às questões do PÚBLICO sobre a situação financeira das produtoras, mas, de acordo com as declarações de Nuno Artur Silva à Lusa, o ICA vai poder dispor de 8,5 milhões de euros do seu saldo de gerência – que de acordo com o mais recente relatório de gestão disponível, o de 2018, ascendia a 17,5 milhões de euros – para apoios transversais que podem ir da escrita de argumentos à produção, dos festivais à exibição independente.
A medida, comentou o secretário de Estado, “está em linha com aquilo que está a ser feito no Programa de Estabilização Económica e Social para as outras áreas da cultura”. “A partir de agora, o ICA desenvolverá todo o processo, no sentido de marcar reuniões com produtores, para perceber quais os que tiveram filmagens paradas. Vai haver um grupo de trabalho que analisará os projectos interrompidos e a [sua] viabilidade”, acrescentou.
O que falta em dinheiro sobra em incerteza
Problemas de tesouraria à parte, muitas produtoras vivem na total incerteza quanto à retoma da actividade. Filipa Reis estava em Inglaterra a rodar o próximo filme de Marco Martins, com uma equipa que incluía actores como Nuno Lopes ou Beatriz Batarda. A 15 de Março, “o Estado português lançou um alerta a pedir aos portugueses para regressarem”. “Nessa segunda-feira [16 de Março] interrompi a rodagem, terça foi dia de arrumar e a equipa chegou [a Portugal] na quarta-feira; à meia-noite, foi decretado estado de emergência”, conta.
O filme continua parado, visto ser “uma co-produção maioritariamente portuguesa, com França e Inglaterra”. Os co-produtores ingleses e franceses já conseguiram financiamento extra, mas por cá ainda se aguardam respostas.
Mas para a Uma Pedra no Sapato não foi apenas um filme que ficou parado. A rodagem de um documentário do realizador Takashi Sugimoto, filmado entre a Índia e Portugal, acabou por ser cancelada “por ser muito arriscado”. Outros projectos continuam adiados, talvez para 2021, sem certezas absolutas.
Também na O Som e A Fúria, toda a produção que ia arrancar ficou congelada sine die. A produtora conseguiu manter o processo criativo e o que tinha em pós-produção, mas só isso. Um dos seus filmes envolvia ir ao Brasil, o que de momento é uma situação complicada, visto ser dos países mais afectados pela covid-19.
Um filme francês que a O Som e A Fúria vai co-produzir, contou ao PÚBLICO Luís Urbano, terá inclusive de ser reescrito. É um filme que reproduz a Lisboa do turismo que temos vindo a conhecer, “elemento que deixou de existir”. Mas há projectos que não são possíveis de reescrever, diz o produtor.
Também a Midas Filmes se viu afectada. A produtora está a acabar uma produção audiovisual, “uma série de 11 filmes que está em pós-produção”, mas dois deles ainda terão de ser filmados, necessariamente de forma diferente. Estava ainda previsto iniciar-se a rodagem de uma longa-metragem a 15 de Junho, entretanto adiada para Agosto, mas sem certeza de ser sequer rodada em 2020, dada a incerteza da evolução da pandemia. “Outra era para Outubro e vai começar em Janeiro.” com Lusa