“Se os doentes adoptassem um regime de jejum, que custa zero, iríamos poupar milhões ao Serviço Nacional de Saúde”
A autora de O Poder do Jejum Intermitente defende que este faz bem porque permite “viver sem doenças”. Ou seja, não serve apenas para perder peso, mas também para envelhecer de maneira saudável.
Depois de se licenciar em Ciências Farmacêuticas, a curiosidade de Alexandra Vasconcelos levou-a a descobrir as terapias complementares, naturais e biológicas. Por isso, continuou a estudar e centrou-se na área da medicina integrativa e na nutrição. Foi assim que o jejum entrou na sua vida e na vida dos clientes que acompanha. O Poder do Jejum Intermitente, lançado nesta terça-feira pela editora Planeta, explica, recorrendo sempre a estudos científicos, a importância do jejum, além de ser um guia prático a que a autora acrescentou algumas receitas.
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Depois de se licenciar em Ciências Farmacêuticas, a curiosidade de Alexandra Vasconcelos levou-a a descobrir as terapias complementares, naturais e biológicas. Por isso, continuou a estudar e centrou-se na área da medicina integrativa e na nutrição. Foi assim que o jejum entrou na sua vida e na vida dos clientes que acompanha. O Poder do Jejum Intermitente, lançado nesta terça-feira pela editora Planeta, explica, recorrendo sempre a estudos científicos, a importância do jejum, além de ser um guia prático a que a autora acrescentou algumas receitas.
Alexandra Vasconcelos, que lembra que o jejum é uma prática milenar que ainda hoje as grandes religiões — do judaísmo ao islamismo, passando pelo catolicismo — praticam, defende que este pode ser feito no dia-a-dia. Ou seja, em vez de a pessoa comer várias vezes ao dia, pode fazê-lo de forma cada vez mais espaçada. Para um iniciante, o jejum pode começar por ser de 12 horas, sem comer, o que vai fazer com que o açúcar no sangue baixe drasticamente, ao mesmo tempo que baixa a insulina. “É importante conhecer todas as alterações metabólicas que acontecem no nosso corpo” e “perceber que a maioria delas são benéficas”, defende no livro.
A autora de O Segredo para se Manter Jovem e Saudável e Jovem e Saudável em 21 Dias, ambos editados pela Manuscrito, defende que o jejum faz bem a saúde porque permite “viver sem doenças”. Ou seja, não serve apenas para perder peso, mas também para envelhecer de maneira saudável, diz. “Comer muito e mal não é bom para a nossa saúde”, argumenta. Se mais pessoas fizessem jejum, em última instância, o Serviço Nacional de Saúde também sairia beneficiado, considera.
Porquê fazer jejum intermitente?
A primeira causa, que é a causa nobre do jejum, é manter a saúde, inverter doenças e conseguir aumentar a longevidade. O jejum também reduz a inflamação, o stress e ajuda na perda de peso. Mas, essencialmente, é para manter a saúde, manter qualidade de vida e livrarmo-nos destas doenças modernas, que têm aparecido nos últimos anos. O jejum é uma prática milenar, como se sabe, e é adaptado à nossa genética. Acho que isto diz tudo. A partir do momento que há uma prática que respeita o nosso ADN, obviamente que as pessoas vão viver mais saudáveis e não vão ter as doenças que têm aparecido ultimamente, que são fruto da forma como vivemos e nos alimentamos.
Quem começa com um jejum de 12 horas deve ir até ao de 48 horas?
Não. Mas o jejum de 12 horas é insuficiente. Nós começamos por propor 12 horas a quem está muito dependentes do açúcar e, para o metabolismo se ir ajustando. Agora, o esquema mais adoptado e que é mais fácil de cumprir é o das 16h/8h. Ou seja, diariamente, as pessoas comem durante um período de oito horas e fazem jejum 16. Este é um esquema fácil de cumprir e que tem resultados muito rápidos. Por exemplo, nas pessoas com doenças auto-imunes ou em algumas situações de saúde, pontualmente, faço um jejum maior. As 24 horas são fáceis. Por exemplo, almoça bem num domingo e depois só volta a almoçar na segunda-feira. Normalmente, temos um almoço com a família, mais pesado, e há muitas pessoas que dizem “jantar ao domingo, às vezes nem me apetece”. Então, não jante. Faz um caldo de ossos, por exemplo, que não interrompe o jejum e só volta a almoçar no dia seguinte. Estas 24 horas de jejum permite-nos fazer aquilo que chamamos de autofagia e que foi alvo do Nobel em 2016 — atribuído ao japonês Yoshinori Ohsumi —, que percebeu as grandes vantagens dos mecanismos de autofagia, que são os mecanismos onde se processa uma limpeza dos restos que ficam na célula e que estão muito associados a doenças. É importante manter o jejum diário.
Mas começando por um jejum de 12 horas, quais são os efeitos?
O primeiro impacto é na baixa do açúcar. Porque o grande problema das doenças modernas — falo naquelas que apareceram nos últimos cento e tal anos — é a síndrome de resistência à insulina. Refiro-me à diabetes, síndrome cardiovascular, ao cancro, às doenças auto-imunes. Isto está muito relacionado com a forma como comemos, especialmente com o excesso de açúcar que vai espoletar um síndrome de resistência à insulina e que é, sem dúvida, a principal causa destas doenças. No jejum, o que acontece ao nosso corpo é uma alteração e uma reprogramação metabólica, porque o corpo deixa de ser uma máquina de consumir açúcar para ser uma máquina que consome gordura.
Não é perigoso dizer que o jejum cura? Não é mais cauteloso dizer que “pode ajudar a melhorar” uma doença, em vez de dizer no livro que a pessoa “pode deixar” de ter diabetes, por exemplo?
É verdade, a pessoa deixa de ter diabetes. Diabetes do tipo 2 é uma doença nutricional. Invertemos a doença através do jejum. Isso é um facto. Há muitos livros, há milhares de estudos que mostram como o jejum consegue inverter a diabetes do tipo 2. Além de que, na prática com os meus doentes, e em conjunto com um médico, introduzimos jejuns e uma restrição alimentar durante o período em que as pessoas se alimentam, adoptamos um regime low carb/cetogénico e não há dúvida nenhuma de que as pessoas conseguem deixar o hipoglicemiante [medicamento]. Nesse sentido, podemos dizer que o jejum consegue inverter uma série de doenças. Não só a diabetes mas também a doença auto-imune é muito beneficiada com o jejum.
Em relação ao cancro, devido à diversidade de cancros que existem, a sua localização no corpo e as fases em que pode estar, por que é que aconselha o jejum, quando os oncologistas aconselham que se coma?
Nós sabemos devido a muitos estudos, que a célula cancerígena tem um handicap: só consegue energia através do metabolismo do açúcar. Não consegue utilizar a gordura como fonte de energia, portanto, para sobreviver, precisa de açúcar. Se eu fizer jejum ou se restringir o açúcar em dietas cetogénicas — que consistem em reduzir o açúcar ao máximo e aumentar o consumo de gordura —, as células sãs conseguem fazer esta alteração do metabolismo, e deixar de usar o açúcar para passar a usar a gordura, enquanto as cancerígenas ficam fragilizadas. E, por isso, nós utilizamos dietas cetogénicas e jejum em doentes com cancro. Agora, o grande problema do cancro chama-se caquexia [perda de peso]. Quando os médicos oncologistas dizem que o doente não pode perder peso, sabemos que não pode perder peso porque altera a concentração da quimioterapia, por exemplo. No entanto, fazendo jejum e fazendo uma dieta cetogénica, a pessoa não tem forçosamente de perder peso. Isto é importante: não tem de perder peso a fazer jejum.
Que evidências científicas existem para dizer que o jejum cura quando ainda é um tema polémico junto da comunidade médica?
Existe muita literatura, muitos livros e é o regime que está melhor estudado. Não existe, praticamente, nenhum estudo que diga que o jejum faz mal. O único problema, infelizmente, e isso é um grande objectivo do meu livro, talvez o maior objectivo, é poder sensibilizar as pessoas da área da saúde, poder sensibilizar os médicos e fazer com que vão, pelo menos, procurar artigos científicos credíveis. Já há muitos médicos que nos mandam doentes e que nos pedem para ajudarmos a fazer o acompanhamento através da medicina integrativa porque, no fundo, a medicina tradicional trata o sintoma mas não trata o terreno. O terreno é o corpo da pessoa. Se tem uma amigdalite ou uma infecção bacteriana, a pessoa tem de fazer antibiótico, tratar o sintoma, mas tem de corrigir o terreno. E o jejum, não há dúvida nenhuma de que é uma ferramenta poderosa, barata, fácil, lógica e que respeita a nossa individualidade genética, que permite manter o terreno saudável. Se os doentes adoptassem um regime de jejum, que custa zero, iríamos poupar milhões ao Serviço Nacional de Saúde.
Ao aconselhar o jejum, não se está a transmitir que, na hora das refeições, a pessoa pode comer o que quiser?
A informação é muita e as pessoas sabem que não podem comer gorduras más, fritos, carne em excesso, açúcar, comida de plástico. Já escrevi muito sobre alimentação saudável, este é o meu terceiro livro, estou a trabalhar na área da medicina integrativa há 15 anos e tenho a certeza de que nunca fomentaria isso. No livro há um capítulo em que falo do que é que as pessoas podem comer durante a janela em que se alimentam e também tem receitas. Apesar de ser um livro sobre o jejum, é muito importante sabermos o que podemos comer e o mais importante de tudo é a saída do jejum. Porque se eu estive 16 horas sem comer, obviamente que não posso comer açúcar, hidratos de carbono refinados, se não vou deitar tudo a perder. Não faz sentido. Muitas pessoas chegam ao fim do dia com vontade de comer doces e têm uma grande dependência emocional de comida. Isso é a primeira coisa, é a libertação da comida. Infelizmente, aquilo que aprendemos nos últimos anos, que é comer de três em três horas, deixou-nos focados na comida — “tenho de ir comer, não consigo pensar, tenho de ir comer”. Portanto, isto está um bocadinho enraizado e é muito fácil que, nas primeiras vezes em que se faz jejum, apareçam alguns sinais mais desconfortáveis, mas rapidamente a pessoas começa a sentir os benefícios.
Faz sentido sugerir suplementação a pessoas saudáveis? Uma alimentação integral e completa não é preferível à toma de suplementos, como aconselha?
Seria possível e seria muito mais indicado, concordo. O problema é que os alimentos já não têm os nutrientes, já não têm a concentração nutricional que nós precisamos. Se vai comer uns brócolos já não tem selénio suficiente – a maioria dos legumes já não tem a densidade nutricional porque são cultivados fora da estação, recorrendo a fertilizantes, pesticidas. Tudo o que digo não sou eu que digo, são os estudos. Percebemos que os défices micro nutricionais, dados pela Organização Mundial de Saúde, são imensos e que é muito fácil que, através da alimentação, não consigamos repor os défices nutricionais que temos.
Basta ler o livro para começar a fazer jejum ou é preferível falar com um especialista antes, com quem?
Para fazer jejum não é preciso falar com ninguém. A pessoa pode fazer jejum sozinha. Se se sentir mal, vai à cozinha e come qualquer coisa. Antigamente, e estou-me a referir há milhões de anos, o jejum era feito por todas as pessoas, não havia religião que não incluísse o jejum, ainda hoje existem povos que o fazem e só se deixou de fazer desde há cento e tal anos, quando a indústria da alimentação nos meteu na cabeça que tínhamos de comer muito. E, por isso, é que aparecem cada vez mais doenças. Para fazer jejum não é preciso ir a lado nenhum. Depois sim, se quiser fazer análises é importante ir ao médico e perceber como a pessoa está. Por isso, nem precisam do livro, este é um apoio.
Qual é o procedimento para quem quiser parar de fazer jejum? Há um aumento de peso, a longo prazo, visto que o corpo se habituou a “acumular” para depois “gastar"?
Não. A pessoa quer parar, vai à cozinha e come, vai ao restaurante e come, não tem procedimento absolutamente nenhum. Quem quer parar, pára. O que vai acontecer é que a pessoa vai sentir-se com pouca energia, com menos vitalidade e começa a perceber os benefícios que o jejum lhe trouxe.
Texto editado por Bárbara Wong