A depressão mata sempre

Quando não mata de uma falésia mata a alma, mata as conquistas, mata as relações. Quando a depressão não mata de uma falésia mata de forma igualmente dolorosa: que pior morte é estar morto enquanto se está vivo.

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"É função de todos nós vencer o medo de perguntar o que se passa" Gabriel/Unsplash

A notícia da morte do actor Pedro Lima terá, presumo, ecoado em todos nós seja de que forma for: a uns mais profundamente e a outros, menos chegados, terá ocorrido apenas a expressão “que estranho… parecia tudo tão bem”. Se até os seus amigos e colegas chegados parecem surpreendidos…

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A notícia da morte do actor Pedro Lima terá, presumo, ecoado em todos nós seja de que forma for: a uns mais profundamente e a outros, menos chegados, terá ocorrido apenas a expressão “que estranho… parecia tudo tão bem”. Se até os seus amigos e colegas chegados parecem surpreendidos…

Foi isso que levou que a minha irmã, desde o outro lado do oceano, tenha recorrido ao grupo de WhatsApp dos irmãos para me perguntar, directamente e em forma de lista, quais os sinais e sintomas de depressão. Depois de o fazer recebo a resposta “mas isso é tão genérico”. E daí nasceu não só uma discussão interessante como a certeza de que esta é a crónica que preciso de escrever.

Não, os sintomas da depressão não são genéricos, os sintomas da depressão são bem concretos, bem dolorosos e levam-nos a um lugar bem escuro. O problema é que os sintomas de depressão passaram a ser entendidos como “isso é normal”, “é uma fase”, “precisas de descansar”, “tens de arranjar tempo para ti” e por aí fora num sem fim de soluções mágicas que todos os outros parecem ter para se apressar a retirar-nos de estados que (os) incomodam.

É então que aprendemos, porque estar triste é ser fraco, ter vontade de ficar na cama é ser desistente, porque chorar é perda de tempo, aprendemos a disfarçar, a não ligar, a engolir e sufocar, em silêncio, mas de sorriso na cara.

Como posso aceitar que me continuem a chegar à consulta adultos que, num ato de impulsividade procuraram ajuda, mas que repitam durante toda a sessão “sei que é um disparate, que tenho tudo para ser feliz, que há outros bem piores”. Não. Não, não e não. Mil vezes não. Se o que sinto me sufoca, se o que sinto me estrangula, se acordar é pesado e o futuro não faz sentido então não, não há ninguém pior do que eu e que raios de conversa essa da comparação de quanto pior é pior.

É função de todos nós vencer o medo de perguntar o que se passa, deixar cair a hesitação de olhar com olhos de quem se preocupa, passar a ser detectives competentes de sinais de que o sorriso do outro esconde uma dor dilacerante, sonhar em conjunto para ver até onde o outro está a conseguir ver o seu horizonte, ultrapassar a pequenez de pensamento de que pedir ajuda é sinal de fraqueza. O trio mais conhecido da psicologia, os pensamentos, sentimentos e comportamentos, envolvem-se numa dança frenética e descendente quando estamos deprimidos: retiram-nos o ânimo, a motivação, o interesse pelo que antes nos movia, distorcem a forma como nos vemos, tornam o futuro escuro e enevoado.

A terapia contribui para essa restruturação: identificar e romper padrões de pensamentos negativos acerca de nós, do mundo e do futuro. A terapia muda a música e convida a uma dança diferente e ascendente.

A depressão mata sempre. Quando não mata de uma falésia mata a alma, mata as conquistas, mata as relações. Quando a depressão não mata de uma falésia mata de forma igualmente dolorosa: que pior morte é estar morto enquanto se está vivo.