Há uma hormona que é um factor de risco para a sepsia

Hormona que parece diminuir o apetite tem sido estudada como possível tratamento para a obesidade. Contudo, é preciso ter cuidado, porque também leva a que menos neutrófilos (glóbulos brancos) sejam recrutados para locais de infecção.

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Glóbulos brancos são guardiões das infecções Joana Carvalho

Os glóbulos brancos são autênticos guardiões das infecções. Conseguem manter de fora das fortalezas do nosso corpo bactérias que causam infecções. Mas há sempre algo que tenta forçar as entradas vigiadas pelos glóbulos brancos. Desta vez, um grupo internacional de cientistas liderado por uma equipa do Instituto Gulbenkian de Ciência (IGC), em Oeiras, verificou em ratinhos que uma hormona chamada “GDF15” faz com que sejam recrutados menos neutrófilos (glóbulos brancos) para locais de infecção, o que leva o organismo a ter mais dificuldade em controlar essa infecção. A partir dos resultados de um artigo publicado na revista científica Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS), a equipa refere que essa hormona é um factor de risco no desenvolvimento da sepsia (do grego sepsis), uma infecção generalizada causada pela presença de microorganismos patogénicos. 

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Os glóbulos brancos são autênticos guardiões das infecções. Conseguem manter de fora das fortalezas do nosso corpo bactérias que causam infecções. Mas há sempre algo que tenta forçar as entradas vigiadas pelos glóbulos brancos. Desta vez, um grupo internacional de cientistas liderado por uma equipa do Instituto Gulbenkian de Ciência (IGC), em Oeiras, verificou em ratinhos que uma hormona chamada “GDF15” faz com que sejam recrutados menos neutrófilos (glóbulos brancos) para locais de infecção, o que leva o organismo a ter mais dificuldade em controlar essa infecção. A partir dos resultados de um artigo publicado na revista científica Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS), a equipa refere que essa hormona é um factor de risco no desenvolvimento da sepsia (do grego sepsis), uma infecção generalizada causada pela presença de microorganismos patogénicos. 

Identificada há 20 anos, a hormona GDF15 (factor de crescimento e diferenciação 15) agrava as características da caquexia (perda de massa muscular e massa gorda) que ocorre nas fases avançadas do cancro. Se não houver doenças, essa hormona também parece ser mais produzida durante a gravidez e pode ser responsável por náuseas e vómitos característicos das fases iniciais da gravidez. Ao ser responsável pelas náuseas, pode estar a impedir que a mãe ingira certas substâncias tóxicas que possam ser prejudiciais para o feto que está em desenvolvimento.

Portanto, um dos efeitos desta hormona pode ser a diminuição do apetite, o que teria implicações no tratamento da obesidade. Nos últimos anos, este possível efeito tem sido explorado por diferentes empresas farmacêuticas para que a hormona possa ser usada como terapia adjuvante da obesidade e já estão planeados ensaios clínicos.

O trabalho publicado agora na PNAS focou-se nas infecções. “Esta é uma parte que tem sido pouco ou nada explorada, o que é irónico porque esta hormona foi identificada há pouco mais de 20 anos precisamente em macrófagos, que são células centrais do sistema imunitário e são um factor inibidor da produção de várias citoquinas [moléculas que fazem a sinalização no sistema imunitário do nosso corpo, o que pode resultar na falência dos órgãos e na morte]”, assinala Luís Moita, cientista do IGC e coordenador deste trabalho, que teve como primeira autora Isa Santos, investigadora no IGC e médica no Hospital de São Bernardo do Centro Hospitalar de Setúbal. O estudo também inclui investigadores de instituições de França, da Alemanha e da Coreia do Sul.

A equipa tentou perceber se a GDF15 tinha alguma relação com a sepsia, porque tanto a sepsia como as fases avançadas do cancro partilham características como a atrofia muscular, que é uma das componentes essenciais da caquexia. Por sua vez, a caquexia está dependente da GDF15. “Isso levou-nos a perguntar se esta hormona também poderia desempenhar um papel importante na sepsis e se podia favorecer a sua evolução no sentido positivo ou negativo”, aponta Luís Moita.

Começou então por se medirem os níveis de GDF15 em amostras de sangue de 40 doentes com sepsia em tratamento em unidades de terapia intensiva num hospital francês. Depois, compararam-se esses níveis com os de 130 pessoas saudáveis e 33 doentes com diagnóstico de apendicite aguda. Verificou-se que os doentes com sepsia tinham níveis mais elevados de GDF15 em comparação com os outros grupos. Além disso, esses níveis mais altos correlacionavam-se com a mortalidade, pois os doentes com esses valores constantes tinham maior probabilidade de morrer do que doentes com valores mais baixos.

“Quando chegámos a essa fase, aquilo que importava perceber era se estes valores estavam muito elevados e se isso era uma forma de lidar com a própria doença – ou seja, era um mecanismo do nosso organismo para tentar lidar com a doença – ou se tinham alguma coisa a ver com a evolução negativa da doença que pudesse levar à mortalidade”, recorda o cientista. Por isso, fizeram-se experiências em ratinhos sem o gene que codifica a GDF15. Viu-se então que esses ratinhos sobreviviam melhor a uma infecção bacteriana abdominal que imita a sepsia em doentes humanos, o que sugeria que a hormona desempenha um papel causador de sepsia, refere-se num comunicado de imprensa do IGC sobre o trabalho.

Mas o que fazia aumentar a sobrevivência nos ratinhos sem GDF15? Verificou-se que esses ratinhos eram capazes de recrutar para o abdómen substancialmente mais glóbulos brancos, nomeadamente neutrófilos, que controlam melhor a infecção no local e impedem que se alastrasse rapidamente para o resto do organismo.

Portanto, sobretudo numa fase inicial (em que é importante controlar a infecção no local) a hormona faz com que substancialmente menos neutrófilos sejam recrutados, levando a que o organismo tenha mais dificuldade em controlar a infecção. Esta pode espalhar-se mais depressa e não dá tempo ao organismo para que a controle. Afinal, a primeira forma de se lidar com a infecção é controlá-la localmente.

As portas terapêuticas que abre

Concluiu-se assim que esta hormona é um factor de risco para desenvolver a sepsia e pode ser um marcador de prognóstico dessa infecção. “Descobrimos um efeito crítico da GDF15 na infecção, o que é importante porque esta hormona aumenta em muitas doenças comuns, como obesidade, doenças pulmonares e cardiovasculares”, refere no comunicado Luís Moita.

Este trabalho abre portas para se perceber porque é que esta hormona é um factor de risco. “Sabemos que é um mecanismo causal, mas não sabemos os elementos que justificam o aumento do risco de mortalidade [nos doentes]”, considera o investigador. Como esta hormona pode aumentar o risco de infecção, este estudo também pode funcionar como um alerta para futuras intervenções terapêuticas, como as que estão a ser pensadas para a obesidade. “Numa altura em que muitos grupos e empresas farmacêuticas estão a considerar a administração de GDF15 como uma possível terapia complementar na obesidade, é importante ter em conta que esta estratégica terapêutica pode aumentar o risco de infecção grave, incluindo sepsis”, avisa Luís Moita. 

Quanto às portas terapêuticas que se podem abrir com estes resultados, o investigador refere que levantam a possibilidade para a inibição da acção da GDF15 através de um anticorpo monoclonal bloqueador (que é específico para esta hormona e que poderia bloquear a sua acção) e se possa assim criar um tratamento complementar da sepsia. Desta forma, isso pode contribuir para se controlarem infecções locais graves e impedir que se tornem sistémicas e fatais. Afinal, é crucial encontrar estratégias terapêuticas que combatam a sepsia (também designada por septiciemia). Estima-se que em 2017 a sepsia tenha afectado 49 milhões de pessoas e que, em resultado disso, 11 milhões tenham morrido, de acordo com a revista The Lancet.

Agora, a equipa pretende desenvolver ferramentas genéticas mais específicas e poderosas para se estudar melhor as relações inflamatórias com base nesta hormona, tal como a relação entre o processo inflamatório, esta hormona e a obesidade. “Esperamos num futuro mais ou menos próximo estar em posição de testar essas hipóteses”, estima Luís Moita.