SNS e o prémio da Champions
Se uma nova vaga do vírus aparecer no Outono, vai o país dar-se ao luxo de voltar a “fechar” os hospitais? Como lidar com a covid-19 e aguentar o SNS?
Não há coisa mais deprimente no sistema político português que o ar basbaque dos nossos responsáveis a lidarem com o tema futebol, nomeadamente com “desígnios nacionais” como a realização da fase final da Liga dos Campeões em Lisboa.
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Não há coisa mais deprimente no sistema político português que o ar basbaque dos nossos responsáveis a lidarem com o tema futebol, nomeadamente com “desígnios nacionais” como a realização da fase final da Liga dos Campeões em Lisboa.
A cerimónia pomposa no Palácio de Belém, com Presidente da República, primeiro-ministro, presidente da Câmara de Lisboa e presidente da Federação Portuguesa de futebol não deixou de ser um acto com travo terceiro-mundista.
Outra pérola foi o Presidente a relatar a excitação do primeiro-ministro a comunicar-lhe a notícia. É verdade que vivemos tempos bipolares (vírus, confinamento, medo, pânico, desconfinamento, desconfinamento à bruta, início da fase “quero lá saber” em alguns sectores, mais casos em Lisboa), e em tempos bipolares é preciso alguma paciência.
Obviamente que se reconhece a importância de, nesta conjuntura em que o sector vital do turismo está afogado numa crise, se realizar em Portugal uma prova desportiva como esta. É bom, traz gente, “normaliza” qualquer coisa num Verão que parece perdido em termos de turismo externo. Mas daí a classificar o feito como “irrepetível, é uma vez na vida”, como o fez um sobreexcitado Marcelo, ou uma espécie de “prémio ao SNS”, como disse António Costa, é ir um bocadinho para fora de pé.
A realização da Champions é também um “prémio merecido para profissionais do Serviço Nacional de Saúde”. A sério? Os médicos e enfermeiros que dão o tudo por tudo na crise da covid-19 – e que já davam num Serviço Nacional de Saúde sobrelotado e subfinanciado – dispensam como “prémios” que um organismo internacional escolha Portugal para a realização de uma grande prova futebolística.
O que a pandemia veio ensinar é que o SNS tem escassos recursos e que para gerir a crise da covid-19 teve de adiar uma quantidade gigante de exames de diagnóstico, nomeadamente de cancro, que podem significar a prazo a vida ou a morte de cada doente. Se uma nova vaga do vírus aparecer no Outono – e a presente vaga ainda não acabou, como provam os números, particularmente de Lisboa –, vai o país dar-se ao luxo de voltar a “fechar” os hospitais? Como lidar com a covid-19 (que deverá ficar pelo menos ano e meio entre nós, fazendo contas optimistas à descoberta de uma vacina) e aguentar o SNS? Ora, o “prémio” para os profissionais de saúde e para os portugueses no seu todo é arranjar forma de dar resposta a estas questões. Para já, não se está a ver como, apesar das melhorias orçamentais.
Uma Champions é uma Champions é uma Champions. É preciso ter noção, se de mais nada, do ridículo.