Karmelo Bizkarra: “O jejum é a ferramenta de cura mais poderosa que conheço”
Em Zuhaizpe ninguém passa fome, nem mesmo os jejuantes. O médico espanhol fundou o centro de saúde em Navarra há 33 anos.
Chama-se Zuhaizpe – a palavra basca que significa “debaixo da árvore” — e é um espaço aberto no vale de Yerri, no sopé da serra de Andia, em Navarra. É um centro de saúde e, desde 1987, não só os espanhóis mas também os estrangeiros chegam ali, atrás de um nome, o do médico Karmelo Bizkarra, que utiliza o jejum como complemento ao tratamento de diversas doenças. “O jejum é a ferramenta de cura mais poderosa que conheço”, afirma. Por causa da pandemia, o centro esteve fechado e reabre neste domingo, no mês em que celebra 33 anos de existência.
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Chama-se Zuhaizpe – a palavra basca que significa “debaixo da árvore” — e é um espaço aberto no vale de Yerri, no sopé da serra de Andia, em Navarra. É um centro de saúde e, desde 1987, não só os espanhóis mas também os estrangeiros chegam ali, atrás de um nome, o do médico Karmelo Bizkarra, que utiliza o jejum como complemento ao tratamento de diversas doenças. “O jejum é a ferramenta de cura mais poderosa que conheço”, afirma. Por causa da pandemia, o centro esteve fechado e reabre neste domingo, no mês em que celebra 33 anos de existência.
Todas as razões são válidas para ir a Zuhaizpe: físicas, psicológicas e emocionais. “Cuidar-se para curar-se” é o lema de Karmelo Bizkarra, professor catedrático nas faculdades de Barcelona, Saragoça e Santiago de Compostela, em Espanha. O especialista defende que “a cura é um processo biológico, não é um acto médico. Não se compra na farmácia”. Bizkarra — que se formou em Medicina em Bilbao, cedo se interessou pelo higienismo, uma corrente que defende padrões sociais e comportamentais em nome da saúde; e pela medicina antroposófica, que não é reconhecida como científica —, ou seja, tem uma “visão integrativa” da saúde, em que alia à medicina convencional terapias consideradas complementares. Começou a aprofundar essa visão pouco depois de sair da Universidade do País Basco.
O médico cruzou-se com o conceito de jejum e decidiu aplicá-lo aos que o procuram em Zuhaizpe. Mesmo que a palavra “jejum” possa assustar os mais cépticos, parte das dúvidas fica esclarecida na primeira tarde, quando os doentes são recebidos por vários elementos da equipa de Karmelo Bizkarra, em Navarra. Antes de começar, é feita uma recolha exaustiva dos dados clínicos de cada um dos inscritos, a quem são explicados os sintomas de abstinência. Mesmo quem não vai jejuar, sabe que, ao longo de sete dias, não vai comer carne, peixe, ovos, sal e açúcar. Todos os produtos consumidos são biológicos e da estação.
No segundo dia, há uma consulta individual para aferir mais pormenores. Além desta, há consultas diárias de acompanhamento dos jejuantes e das pessoas que estão com outros regimes e existe sempre um clínico disponível — se quiser ter uma consulta com o fundador da casa, essa será mais cara. E ninguém passa fome em Zuhaizpe, nem mesmo os jejuantes. Karmelo Bizkarra alia o jejum ou a alimentação saudável ao contacto com a natureza e ao trabalho das emoções em dinâmicas de grupo. Porque, muitas vezes, as pessoas, “em vez de viverem as emoções que estão a sentir, compensam-nas com a comida e com a bebida”, justifica.
Observar o corpo
Embora Zuhaizpe convide a relaxar, ali pratica-se o “descanso activo”. Na parede da sala de refeições está afixado um horário com as actividades diárias — todas “voluntárias e todas recomendáveis” – e que passam por meditação, passeios pela natureza e o trabalho das quatro emoções básicas (medo, tristeza, raiva e alegria). As pessoas são ensinadas a cuidarem de si e a ouvirem o seu corpo, para deixarem de ser “pacientes e passarem a ser cientes”, explica a enfermeira Amparo Sánchez.
“Observar o corpo é muito importante”, alerta Karmelo Bizkarra, para quem ser médico não se resume a “ouvir o que o doente diz, mas principalmente, aquilo que não diz. É isso que os sintomas mostram: o que o doente não diz”. E acrescenta: “Para curar há que mover e remover todas as sombras (físicas e psicológicas) que a pessoa não quer ver em si.” Isso passa por incluir, na rotina diária do doente, aquilo a que chama as “cinco chaves da saúde”: contacto com a natureza, respiração consciente, gestão emocional, equilíbrio entre descanso e repouso e, claro, uma alimentação saudável. “Nem tudo o que ingerimos, digerimos”, justifica.
Em Zuhaizpe, mais do que uma semana de desintoxicação do corpo e de vivência das emoções, aprende-se a aplicar os ensinamentos de Bizkarra no dia-a-dia. “Mais importante do que aquilo que como é a forma como como. É preciso estar bem, tranquilo e em paz para comer. Se me zango, a digestão já não se faz bem”, sublinha o fundador do centro.
A cozinha é chefiada por Julio Arroyo Garcia, especialista em agricultura biodinâmica, que se baseia nas fases da lua. “Tudo o que acontece com a lua influencia os vegetais e, por isso, há dias próprios para cultivar certos alimentos”, defende o chef, para quem “a qualidade das matérias-primas utilizada para cozinhar é muito importante”. Apesar de não ser condimentada com sal ou açúcar, a comida é saborosa.
O cozinheiro salienta que “a comida tem de dar vida” e defende que “médicos e agricultores deviam trabalhar juntos porque os médicos cuidam dos micro seres e os agricultores dos macro seres.” Para Garcia, tudo está interligado. Além de ser o responsável pela cozinha, também dá formação a agricultores por toda a Espanha. Ao início, estranham, mas depois acabam por seguir os seus conselhos e mostram-se satisfeitos com os resultados dos seus cultivos, assegura.
Semanas sem comer?
“As pessoas alimentam-se de comida, água, ar e luz”, enumera Karmelo Bizkarra, acérrimo defensor do jejum, que considera como “a ferramenta de cura mais potente” que conhece e que pode ajudar nas mais diversas patologias, embora reconheça que nem todos os doentes podem ser sujeitos a este regime como, por exemplo, doentes com “cancros em fase avançada, problemas graves de coração e casos de insuficiência renal”. Por isso, em Zuhaizpe só faz jejum quem o médico autoriza.
“O jejum é recomendável, principalmente, após largas temporadas de excessos, porque ingerimos muitas substâncias que não nos nutrem.” Mas, o que significa fazer jejum? “É a abstinência de todo o tipo de alimento por um período definido de tempo, durante o qual o corpo ‘se alimenta’ de água e das suas próprias reservas.” No livro O poder curativo do jejum, o médico acrescenta: “O organismo tem sempre um depósito de reservas nutritivas” que lhe permite suportar a privação de comida “durante vários dias ou até semanas”. O jejum “é um tempo de limpeza interna”. É um momento em que o corpo “elimina os resíduos tóxicos acumulados”. “Quando uma pessoa jejua não gasta energia no processo de digestão e assimilação de nutrientes e essa energia é utilizada para os processos de eliminação e autocura”, aponta.
O médico adoptou esta prática em 1980 e sete anos depois integrou-a em Zuhaizpe, o centro que dirige com a mulher, a psicóloga Amalia Castro Menéndez, umas das especialistas que dinamizam as actividades psicocorporais. Recentemente, os dois estiveram na Comissão de Saúde do Parlamento de Navarra em defesa da regulamentação das terapias complementares. Para Karmelo Bizkarra, existe apenas uma medicina, “a que favorece a cura”. Por isso, o centro incorpora terapias naturais e complementares, seguindo as recomendações da Organização Mundial da Saúde, salvaguarda.
Anualmente, o centro abre as suas portas de Abril a Outubro, em ciclos semanais – de domingo a domingo. Este ano foi uma excepção por causa da covid-19. Semanalmente, recebe cerca de 40 pessoas. O preço varia entre 1074 e 1600 euros, valores que incluem consultas, acompanhamento médico, realização de actividades e refeições.