Pedro Lima, o actor de teatro que cresceu na telenovela
Foi encontrado morto na praia do Abano, em Cascais. Era “um dos mais versáteis actores da sua geração”, diz a TVI. Comandante do porto de Cascais diz que enviou mensagens de despedida a dois amigos.
O actor Pedro Lima, conhecido por participar em várias novelas, foi encontrado morto este sábado na praia do Abano, no Guincho, em Cascais. Tinha 49 anos. A notícia foi avançada pela TVI 24 e confirmada ao PÚBLICO por fonte oficial da estação de televisão.
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O actor Pedro Lima, conhecido por participar em várias novelas, foi encontrado morto este sábado na praia do Abano, no Guincho, em Cascais. Tinha 49 anos. A notícia foi avançada pela TVI 24 e confirmada ao PÚBLICO por fonte oficial da estação de televisão.
O alerta para as autoridades foi dado pouco depois das 8h, indica a TVI num comunicado em que lamenta a “partida inesperada e brutal” num “dia chocante que abre uma tormenta de emoções e deixa um pesar enorme entre todos”.
“A TVI endereça à família, neste momento de dor imensa, sentidas condolências. O Pedro era um dos mais versáteis actores da sua geração. E um operário desta indústria, no cinema, no teatro e na televisão. Sempre disponível, sempre afável, sempre pronto para trabalhar”, diz a TVI, em comunicado.
O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, apresentou as condolências à família do “actor de quem todos gostávamos”, que deixou “sempre uma imagem de actor disponível e de colega generoso”. A Federação Portuguesa de Natação também lamentou a morte de Pedro Lima, que foi nadador olímpico em representação de Angola nos Jogos Seul 1988 e Barcelona 1992. "A televisão portuguesa perde demasiado cedo um emblemático protagonista, mas também uma presença que emanava simpatia e que milhões de portugueses conheciam e admiravam através dos ecrãs”, lê-se na nota de pesar da ministra da Cultura, Graça Fonseca, em que “lamenta profundamente” a morte do actor.
Pedro Lima “cuidava e afeiçoava-se de forma única às suas personagens”, recordou a TVI. “Foi assim que recebeu o regresso do Tristão, da série Espírito Indomável, lançada a partir da novela com o mesmo nome, e que é seu papel mais marcante neste trajecto intenso e longo na ficção nacional onde está desde a primeira hora. Neste momento dava corpo a Gonçalo Macedo na novela Amar Demais, cujas gravações foram recentemente retomadas”.
Nessa novela contracena com a actriz Fernanda Serrano, sua amiga, que no Instagram publicou a mensagem: “Tu eras o Amigo que me dava a mão. O que estava Sempre lá. Tinhas Sempre a palavra certa. Não te irei conseguir retribuir nunca a Amizade, o Carinho, o Exemplo! O meu Herói! O nosso Herói! Levaste o meu coração contigo! #meuamigoquerido”
No passado dia 3 de Junho, também na conta de Instagram, junto a uma foto em que aparecia de máscara, Pedro Lima escrevia: “Na mesma semana juntei à alegria de ser espectador a alegria de voltar a representar. Foram apenas duas cenas em que parecia que já não sabia nada mas que acabaram por sair bem e simples como eu gosto.”
Depois da alta competição, a carreira de manequim e actor
Numa entrevista à Rádio Renascença, em Abril de 2015, dizia que a telenovela foi “o território onde cresceu” como actor e contava que quando começou a trabalhar “teve a sorte” de o fazer com Armando Cortês, Ruy de Carvalho ou Eunice Muñoz. A actriz também já reagiu na sua conta oficial de Instagram: “Meu querido amigo Pedro ❤️ o meu maior abraço para a família e amigos.” Foi na peça A Casa do Lago, no Politeama, que contracenou com Eunice Muñoz e Ruy de Carvalho sob direcção de Filipe La Féria.
Pedro Lima, que nasceu a 20 de Abril de 1971 em Luanda, em Angola, e veio para Lisboa quando tinha um ano viver com a avó Bernadette, interrompeu o curso de Engenharia Mecânica no Instituto Superior Técnico e começou a sua carreira como modelo da Central Models, de Mi e Tó Romano. Trabalhou para criadores nacionais como José António Tenente, mas também marcas internacionais, como a Emporio Armani.
Começou a carreira de actor desafiado pelo actor e ex-manequim Ricardo Carriço. Teve uma breve figuração no Herman Enciclopédia, de Herman José, em 1997, entrou em Não Há Duas sem Três, comédia com Rita Ribeiro e José Raposo e apresentou o programa Magacine na RTP 2, sobre cinema.
“Foi quase há 30 anos que nos conhecemos quando te ias estrear como apresentador de um magazine. Lembro-me que me disseste que terias tanto para aprender porque vinhas do desporto mas que estavas disposto a isso. Estiveste sempre disposto a aprender, sem deslumbramentos, atento ao teu redor, sem sinais de competição, tão característicos neste nosso meio. Fizemos juntos uma campanha. Eras o galã, o óptimo colega, o pai incrível”, escreveu a apresentadora e actriz Catarina Furtado nas redes sociais.
“É uma grande perda. Era um actor muito rigoroso e delicado, que foi inesquecível sobretudo em Inverno, de Jon Fosse, nos Artistas Unidos e em Negócio Fechado, de David Mamet, no Teatro de Almada. Mas claro, o público conhecia-o sobretudo das telenovelas. Contudo o Pedro gostava mesmo de teatro e era assíduo espectador”, diz por sua vez ao PÚBLICO o crítico Augusto M. Seabra.
No teatro, Pedro Lima estreou-se em Balas Sobre a Broadway, de Woody Allen, no Teatro Municipal do Funchal, com encenação de Eduardo Gaspar, de acordo com a biografia publicada no site dos Artistas Unidos. Nesta companhia entrou nas criações colectivas Cada Dia a Cada Um a Liberdade e o Reino (2003), e Noruega-Lisboa-Noruega (2008), uma colagem de textos de autores portugueses e noruegueses.
O actor trabalhou ainda na Companhia de Teatro de Almada e no Teatro Aberto, mas também em produções de Filipe La Féria e do Teatro Villaret, e naquelas que levou a cena, através da Prati, numa parceria que estabeleceu com Raul Solnado, nos primeiros anos 2000 (A Memória da água, de Shelagh Stephenson e O Método Gronholm, do catalão Jordi Galcerán).
“Trabalhei com o Pedro em dois espectáculos, um na Assembleia da República e em Inverno, de Jon Fosse, e só tenho boas recordações dele. Muitíssimo bom trabalhador, dizia sempre ‘não tenho talento, tenho de trabalhar mais’, o que não era verdade”, disse Jorge Silva Melo, dos Artistas Unidos, à agência Lusa. Segundo o encenador, quer nos espectáculos em que trabalhou com o actor quer naqueles em que apenas foi espectador — recordou também Negócio Fechado, de David Mamet, a que assistiu no Teatro Municipal Joaquim Benite (Almada) — “o que impressionava era a minúcia com que trabalhava, o rigor” de Pedro Lima.
“Adorava o Pedro, fiquei muito chocado e a amaldiçoar-me porque não estive com ele recentemente, não o abracei. Em todos os espectáculos que fez teve o carinho e a amizade de todos os que trabalhavam com ele, é raro haver respeito total, era um homem realmente digno e honesto”, acrescentou Jorge Silva Melo.
“Um duplo golpe na comunidade teatral”
Também o director artístico do Teatro de Almada, Rodrigo Francisco, considerou que a morte de Pedro Lima é “um duplo golpe na comunidade teatral” do país. “Para além das suas qualidades na vida e no palco, o Pedro era também um indefectível espectador de teatro: amava acompanhar o trabalho dos seus colegas, e raramente perdia uma oportunidade para assistir aos espectáculos que vinham de fora. Como artista e desportista que era, gostava de emular-se com os melhores”, comentou Rodrigo Francisco à agência Lusa.
Nesta companhia, Pedro Lima interpretou, além do texto de Mamet, Kilimanjaro, de Hemingway, com encenação de Rodrigo Francisco, A tragédia optimista, de Vichnievski e O pelicano, de Strindberg (dirigido por Rogério Carvalho). “Em todos os elencos que integrou, ofereceu-nos a sua alegria, o seu rigor, a sua generosidade, o seu carinho e a sua ímpar capacidade de trabalho. Perdemos um de nós. O Pedro vai faltar-nos no palco e nas plateias”.
No Teatro Aberto, o actor fez Socos (2001) e Paisagens Americanas (2004), de Neil LaBute, e Agora a sério (2010), de Tom Stoppard. Trabalhou ainda com companhias como Escola das Mulheres, com quem fez Vânia, de Tchekhov, e em A Companhia de Teatro do Algarve, para quem interpretou Beckett (À espera de Godot). Um dos seus últimos trabalhos em palco foi Os Vizinhos de Cima, no Teatro Villaret, do autor catalão Francisco Gay i Puig, ao lado de Fernanda Serrano e Ana Brito e Cunha.
Augusto M. Seabra recorda que no intervalo de um espectáculo do Festival de Almada encontrou o actor, juntamente com Jorge Silva Melo, e perguntou-lhe o que estava a fazer ao que ele lhe respondeu que estava a fazer uma novela. “Só espero que não lhe façam o que aconteceu em O Beijo do Escorpião”, retorquiu o crítico. Nessa altura, conta, Pedro Lima respondeu-lhe que quando tem de se sustentar vários filhos é preciso trabalhar sempre e o que há para fazer são telenovelas. “Não tenho nada contra os artistas fazerem novelas e ganharem assim a sua vida. Eu estava a dizer-lhe que esperava que não lhe fizessem o mesmo que em O Beijo do Escorpião, em que o ‘mataram’ a meio da novela.’ E ele aí compreendeu”, recorda agora Augusto M. Seabra emocionado.
Ao longo dos anos Pedro Lima participou em inúmeras telenovelas e séries de televisão. Entre elas: A Grande Aposta (1997),onde interpretava papel de Pedro Romero, um domador de leões. Mas também em Terra Mãe (1998), Os Lobos (1998), Todo o Tempo do Mundo (1999), Olhos de Água (2001), Super Pai (2001), Anjo Selvagem (2002), O Último Beijo (2002), Ninguém Como Tu (2005), Fala-me de Amor (2006), Ilha dos Amores (2007), A Outra (2008), Sentimentos (2009), O Contrato (2009), A Única Mulher (2015), Massa Fresca (2016) ou A Herdeira (2018).
E também teve papéis no cinema, nomeadamente em O Contrato, de Nicolau Breyner, sobre o policial de Dinis Machado; A Uma Hora Incerta, de Carlos Saboga; no Second Life, de Miguel Gaudêncio e Alexandre Valente onde interpretava Luca (2009), no Quarta Divisão, de Joaquim Leitão (2013), em Eclipse em Portugal, de Edgar Alberto e Alexandre Valente (2014) e em O Homem Cordial, de Iberê Carvalho (2019).
A directora de casting Patrícia Vasconcelos, emocionada, lembra “o amigalhaço sempre sorridente, sempre com uma palavra amiga, que pessoa bonita”. Mas também realça o actor, que estava sempre a reciclar-se, a ir em busca de mais. “Este ofício de ser actor, esta arte de representar, requer esta curiosidade de ir descobrir novos caminhos para poder interpretar um personagem”, diz, e na sua opinião Pedro Lima tinha-a. “Há grandes actores, consagrados, com muito talento e com uma carreira feita que continuam a trabalhar o seu ofício.” Pedro Lima era um desses e “isso era extraordinário nele”, diz ao PÚBLICO.
“As palavras serão sempre curtas para homenagear um ser especial como o Pedro... desde o (meu) primeiro par de novela, que fizemos há 18 anos, aprendi e cresci sempre contigo, fomos família, foram mesmo muitas aventuras e desventuras que passámos e com esta desventura não contava eu. Sempre atento, sempre correcto, sempre ético, o Pedro estava sempre presente no momento certo... até hoje, até já, até sempre... o teu sorriso ficará para sempre a aquecer-nos o coração”, escreveu a actriz Joana Seixas no Instagram.
Segundo fonte da Autoridade Marítima Nacional tudo aponta para que o actor se tenha suicidado. O carro do actor, que tinha cinco filhos e era praticante de surf, foi encontrado com os seus pertences à entrada da praia do Abano, estacionado na falésia, enquanto o corpo acabaria por ser descoberto na linha de praia por uma lancha do Instituto de Socorros a Náufragos.
Em declarações prestadas à hora de almoço à comunicação social, o responsável pela capitania do porto de Cascais, Rui Teixeira, explicou que este antigo atleta de competição enviou duas mensagens de despedida a dois amigos esta manhã, pelas 6h58. Foram estes a alertar as autoridades. Seja como for, a morte irá agora ser investigada pela Polícia Judiciária, que esteve no local, juntamente com um psicólogo do Instituto Nacional de Emergência Médica.
Companheiro da ceramista e ex-manequim Anna Westerlund, com quem tinha quatro dos seus cinco filhos (sendo o seu primeiro filho fruto do relacionamento com Patrícia Piloto), o actor era adepto do Sporting. Na sua última entrevista, à revista Nova Gente, disse que planeava casar com a artista no ano que vem: “No próximo ano fazemos 20 anos de namoro e eu faço 50 anos, por isso era a altura ideal. Gostávamos de fazer uma festa com todos aqueles que são importantes na nossa vida. Assinar um papel podia ser já amanhã, não faz sentido”. Para acrescentar: “Todos os anos pensamos nisso, todos os anos falamos em casar, mas depois o tempo passa e adiamos ou porque nasce um filho, ou porque não há orçamento ou há algum trabalho importante que nos impede”.