O que é o Juneteenth e porque ganhou (ainda mais) importância em 2020?

Apesar de não ser feriado nacional, é celebrado como tal em 45 estados e um distrito. Assinala a Proclamação da Emancipação no Texas, em 1865, e, em 2020, ganhou particular importância numa altura em que o movimento anti-racista ganha força nos EUA.

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Duas crianças participam numa marcha pela igualdade entre brancos e negros, em Boston, Massachusetts BRIAN SNYDER/REUTERS

Esta sexta-feira, assinala-se o Juneteenth (Décimo Nono de Junho), ou Dia da Emancipação, uma data que ganhou particular importância em 2020, na sequência dos protestos nos Estados Unidos contra o racismo e a violência policial, depois do assassínio do afro-americano George Floyd às mãos da polícia de Mineápolis.

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Esta sexta-feira, assinala-se o Juneteenth (Décimo Nono de Junho), ou Dia da Emancipação, uma data que ganhou particular importância em 2020, na sequência dos protestos nos Estados Unidos contra o racismo e a violência policial, depois do assassínio do afro-americano George Floyd às mãos da polícia de Mineápolis.

O Presidente dos EUA, Donald Trump, escolheu-a ao anunciar o regresso aos comíciosdisse que ia tornar o Juneteenth “famoso”, ao marcar um comício para Tulsa, no Oklahoma. Foi obrigado a mudar a data devido à polémica.

Recue-se até à década de 1860, quando ocorreu a Guerra Civil americana (1861-1865). Depois de o Presidente Abraham Lincoln, em Setembro de 1862, ter emitido a Proclamação da Emancipação, o Congresso norte-americano aprovou a 13.ª Emenda à Constituição, no dia 31 de Janeiro de 1865, a declarar o fim da escravatura. No entanto, a declaração só seria ratificada pelo Senado no dia 6 de Dezembro do mesmo ano.

Alguns meses antes, no dia 19 de Junho de 1865, o general Gordon Grainger chegou a Galveston, no Texas, acompanhado por mais de duas mil tropas da União e leu a Proclamação da Emancipação, emitida por Abraham Lincoln dois anos e meio antes: “Informamos o povo do Texas que, de acordo com a proclamação do Executivo dos Estados Unidos, todos os escravos são livres.”

A declaração do general Gordon Grainger, ao anunciar formalmente que a Proclamação da Emancipação entrava em vigor no Texas, o último estado confederado a acatar a decisão de Abraham Linclon declarar todos os escravos livres, é, por isso, vista como o momento em que a escravatura nos EUA chegou ao fim, quando mais de três milhões e meio de escravos foram libertados.

Um ano depois, assinalou-se, pela primeira vez, o Juneteenth no Texas, num dia marcado por celebrações familiares, com desfiles, piqueniques, concertos e orações. Homens, mulheres e crianças vestiram as suas melhoras roupas para celebrar o fim da escravatura. Segundo o historiador C.R. Gibbs, frango frito, pão de milho, verduras e refrigerante de morango faziam parte da ementa.

“A cor vermelha do refrigerante simbolizava o sangue derramado durante a escravatura”, afirmou o historiador ao Washington Post. “A celebração foi feita com um propósito – não apenas para que as pessoas se juntassem aos festejos, mas para aprenderem sobre o seu passado”, acrescentou.

À medida que antigos escravos se mudavam para outros estados, a tradição de celebrar o Juneteenth foi levada para outras cidades.

Com o passar dos anos, os descendentes de escravos começaram a juntar-se às celebrações, e muitas pessoas passaram a viajar propositadamente para Galveston para assinalar a data. Outras comunidades começaram a desenvolver as suas próprias tradições e, hoje em dia, variam consoante os estados. Desfiles, concursos e piqueniques são habitualmente acompanhados por leituras em público, discursos e concertos. 

O Juneteenth, no entanto, não acabou com as desigualdades entre brancos e negros nos EUA, devido às leis de Jim Crow que impuseram medidas de segregação nos EUA que duraram várias décadas. Até 1960, a Proclamação da Emancipação continuou a ser celebrada, mas ganhou força com o início do Movimento dos Direitos Civis nos Estados Unidos, na década de 1960.

O Juneteenth tornou-se um feriado estadual no Texas em 1980. Desde então, outros 45 estados e o distrito de Columbia reconhecem o feriado que, contudo, ainda não é um feriado nacional, uma vez que Hawai, Dakota do Norte e Dakota do Sul ainda não o classificaram dessa forma. Esta sexta-feira, uma petição que pede que o Juneteenth seja considerado feriado nacional, iniciada por uma mulher de 93 anos do Texas, já contava com mais de 450 mil assinaturas. Impulsionadas pela contestação anti-racista no país, empresas como a Nike ou Twitter, entre muitas outras, deram folga aos seus trabalhadores, à semelhança do que fizeram governadores de vários estados, como Nova Iorque ou Virgínia, com os funcionários públicos.

Não esquecer Tulsa 

Este ano, a celebração ganhou um simbolismo ainda maior, numa altura em que nos EUA – e no resto do mundo – o debate sobre racismo e passado escravocrata ganha cada vez mais espaço, impulsionado por movimentos como o Black Lives Matter.

Apesar das restrições devido à pandemia de covid-19, que levaram a que muitos eventos para assinalar o Juneteenth fossem cancelados ou alterados, milhões de pessoas celebram, esta sexta-feira, o fim da escravatura nos EUA e exigem igualdade entre brancos e negros. Um dos momentos mais aguardados é o discurso de Al Sharpton, em Tulsa, no Oklahoma, um dia antes de Donald Trump realizar o seu primeiro comício das presidenciais de Novembro na mesma cidade.

O plano inicial do Presidente dos EUA, contudo, era realizar o comício esta sexta-feira. Apesar de esta ser uma celebração com 154 anos e uma data tão importante para milhões de pessoas, Trump chegou mesmo a dizer que iria tornar o Juneteenth “muito famoso”, porque, até então, segundo o próprio, ninguém tinha ouvido falar da data.

O sítio escolhido por Trump também gerou imediata condenação. Em 1921, Tulsa foi palco de um dos maiores episódios de violência racista nos EUA, quando uma multidão de brancos atacou grupos de afro-americanos na cidade do estado de Oklahoma, causando a morte de centenas de pessoas.

Em 2021, assinalam-se cem anos do massacre e, ainda hoje, o número real de mortos é incerto. Nos dias seguintes ao massacre, as autoridades tentaram esconder a verdadeira dimensão do acontecimento, falando na morte de poucas dezenas de pessoas. Hoje, muitos historiadores falam em cerca de 300 mortos, no entanto, o número poderá ser superior.

Sucedem-se as histórias de corpos empilhados, transportados para fora da cidade, queimados ou atirados ao rio. À medida que se aproxima o centenário do massacre de Tusla, os arqueólogos continuam a investigar e, no final do passado, chegaram mesmo a encontrar duas possíveis valas comuns.

Devido à covid-19, as escavações tiveram de ser adiadas, mas é expectável que, em breve, os arqueólogos cheguem a mais conclusões quanto à dimensão do massacre de Tulsa. “Quando os arqueólogos retomarem o seu trabalho, os habitantes de Tulsa poderão aprender mais sobre o episódio sangrento que assombra os sonhos da cidade há quase um século”, escreve Brent Staples, membro do conselho editorial do New York Times.