Presidente de Pombal tirou pelouros a vereadores que agora lhe retiraram competências
O social-democrata Diogo Mateus mantém mandato, mas vê-se obrigado a negociar mais. Dois vereadores social-democratas foram decisivos na votação
Foram cinco contra quatro e, no final, perdeu o presidente que tinha sido eleito por maioria. A conclusão deste confuso alinhamento de posições na Câmara Municipal de Pombal foi a retirada de competências ao presidente social-democrata, Diogo Mateus, que foi proposta e votada pelos cinco vereadores sem pelouros do executivo, dois dos quais do PSD.
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Foram cinco contra quatro e, no final, perdeu o presidente que tinha sido eleito por maioria. A conclusão deste confuso alinhamento de posições na Câmara Municipal de Pombal foi a retirada de competências ao presidente social-democrata, Diogo Mateus, que foi proposta e votada pelos cinco vereadores sem pelouros do executivo, dois dos quais do PSD.
Na reunião que ocupou toda a manhã desta sexta-feira e se estendeu até ao início da tarde, os vereadores foram despachando o expediente, com maior ou menor atrito, até que, no último ponto, para o qual estava guardada a votação mais importante do dia, o tom subiu e o nível desceu. O desfecho estava de certa forma anunciado, tanto que a proposta de retirada de competências era subscrita por cinco dos nove membros do executivo. Na prática, o presidente mantém o mandato, mas vai ter que levar muito mais assuntos sobre questões de menor dimensão a reuniões de câmara. Um aspecto que “gera uma entropia” na gestão camarária, admitiu Diogo Mateus ao PÚBLICO, no final da reunião. “Mas não me tira o sono”, garantiu.
Pela retirada de competências a Mateus votaram os dois vereadores do PSD sem pelouros, Pedro Brilhante e Ana Gonçalves, dois vereadores do movimento Narciso Mota Pombal Humano (NMPH), o próprio Narciso Mota e Michael António, e a vereadora socialista Odete Alves. Os motivos apresentados foram a falta de confiança e a necessidade de ter mais transparência e mais fiscalização, num contexto em que o ambiente político local se tem degradado. Os quatros votos contra foram do presidente, dos dois vereadores social-democratas com pelouros, Ana Cabral e Pedro Murtinho, e do vereador Pedro Martins, eleito pelo NMPH.
A discussão sobre a proposta teve pouco a ver com o seu conteúdo e muito a ver com uma questão processual. Mas também serviu para ajustar contas, com acusações de parte a parte. O texto que propunha a retirada de competências tinha uma menção à reunião de 24 de Outubro de 2017, na qual foram atribuídas as tais competências ao presidente. Acontece que, na reunião seguinte, de 8 de Novembro de 2017, terá sido aprovada nova transferência de competências, corrigindo informações da deliberação anterior. “Os senhores quiseram propor a revogação de um acto já revogado”, exclamou Mateus, acusando a oposição de fazer “uma tremenda borrada”. Michael António ainda pediu para corrigir a informação na proposta, acrescentando a referência a 8 de Novembro, mas Mateus mostrou-se inamovível. Odete Alves lembrou que alterações a propostas na própria reunião tinham já sido feitas “dezenas de vezes” e lamentou que o presidente não o permitisse desta vez. “Nós vamos votar, fica a deliberação e é obrigado a cumpri-la. É o primeiro presidente de câmara do país a quem acontece isto”, apontou Pedro Brilhante. “E sem se defender... está a argumentar com aspectos processuais”, sublinhou.
Da maioria à minoria em cinco meses
Para compreender a actual relação de forças na câmara de Pombal é necessário fazer um exercício complexo. É também preciso recuar vários anos, quando Diogo Mateus era o número dois de Narciso Mota, que, por sua vez, faz parte da classe de autarcas-dinossauros que, em 2013, se viu afastada do poder por conta da lei de limitação de mandatos. Nesse ano, Mateus concorre e, previsivelmente, ganha, num município que pinta a câmara de laranja desde 1994, ano da primeira eleição de Narciso Mota.
Chegando a 2017, o ex-presidente mostra desejo de regressar, mas Diogo Mateus não se encolhe. Resultado: Mota desvincula-se do PSD (partido que manteve o apoio em Mateus) e candidata-se por uma lista independente. Embora não tenha chegado à presidência, elege-se a ele e a mais dois companheiros de lista para a vereação. Assim, Diogo Mateus consegue manter o poder, com cinco dos nove vereadores. O PS garante um lugar.
As contas começam a ser baralhadas em Outubro de 2019, quando Diogo Mateus retira a confiança e os pelouros a Pedro Brilhante. Para compensar a baixa, a manobra de recurso passou por ir buscar Pedro Martins, que tinha sido eleito pelo movimento Narciso Mota - Pombal Humano. Já em 2020, com a pandemia a ganhar terreno e a causar baixas no concelho, novo reboliço na câmara: em Março, Mateus retira os pelouros a Ana Gonçalves, vereadora que o acompanhava no executivo desde 2013. No entanto, desta vez, com opções reduzidas, não consegue ninguém para tapar o buraco na equipa, e perde a vantagem numérica na câmara. Uma jogada arriscada, que obrigava o presidente a encontrar consensos para fazer passar propostas e que agora se mostrou decisiva.
Num dos momentos mais acalorados da discussão da reunião desta sexta-feira, Michael António atirou ao presidente que “o almoço não lhe resolveu o problema”. A referência era à refeição que Diogo Mateus teve com Narciso Mota, na quinta-feira anterior, em que o presidente terá tentado virar o sentido de voto do movimento. Sem sucesso.
Apesar da aprovação, Michael António, que é também jurista, admite ao PÚBLICO que este pode não ter sido o último episódio da retirada de competências ao presidente. O vereador diz que, “por segurança jurídica”, a questão venha a regressar a nova reunião de câmara, já com menção específica à decisão de 8 de Novembro, “para que não haja uma eventual ‘vírgula’ que possa ser levada a Tribunal Administrativo”. “Se estivesse no lugar dos vereadores que tomaram essa decisão, era o que faria”, comentou o presidente ao PÚBLICO. Mas, nesta posição, sente que tem condições para continuar na presidência? “À frente da câmara? Com certeza”.