Debate sobre “discriminação salarial” no futebol feminino já chegou ao Governo

Imposição de um tecto orçamental por parte da FPF gera descontentamento. Movimento Futebol sem Género conta com 132 jogadoras.

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LUSA/NUNO ANDRÉ FERREIRA

O impacto da pandemia de covid-19 tem sido transversal, mas, no caso do desporto feminino, está a funcionar como uma travagem a fundo num percurso de aceleração recente. Num universo que nos últimos anos tem batalhado contra a discriminação remuneratória, a imposição de um tecto salarial aos clubes portugueses está a reacender a indignação. Pela mão do PCP, o caso já chegou aos representantes do Governo.

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O impacto da pandemia de covid-19 tem sido transversal, mas, no caso do desporto feminino, está a funcionar como uma travagem a fundo num percurso de aceleração recente. Num universo que nos últimos anos tem batalhado contra a discriminação remuneratória, a imposição de um tecto salarial aos clubes portugueses está a reacender a indignação. Pela mão do PCP, o caso já chegou aos representantes do Governo.

O desconforto das futebolistas nacionais levou mesmo à criação de um movimento, intitulado Futebol Sem Género, que já tomou posição contra o limite salarial de 550 mil euros que a Federação Portuguesa de Futebol (FPF) definiu para os plantéis do principal escalão. Uma imposição que classificam como “discriminatória”.

Em causa está o comunicado oficial emitido a 29 de Maio, justificado pelas “circunstâncias excepcionais decorrentes da pandemia de covid-19”. No regulamento, é “estabelecido o limite máximo de 550 mil euros ilíquidos para a massa salarial das jogadoras inscritas na temporada 2020-21” na Liga BPI, sendo que se entende por massa salarial do plantel “a soma dos salários e/ou subsídios declarados no contrato de cada jogadora”.

“É perante esta determinação que, as aqui requerentes, se têm de opor veementemente, fazendo-o não apenas porque são interessadas, mas sobretudo porque tal medida é, avassaladoramente, violadora dos seus direitos individuais enquanto jogadoras de futebol, tuteladas pela Lei, mas, sobretudo, violadora dos direitos humanos protegidos ao nível nacional e internacional”, destaca uma nota assinada pelo movimento.

"Grave discriminação"

Foi também através de um documento formal, dirigido à ministra do Estado e da Presidência, Mariana Vieira da Silva, e ao secretário de Estado da Juventude e Desporto, João Paulo Rebelo, que o PCP solicitou uma intervenção do Governo sobre o tema.

“Tem o Governo conhecimento da discriminação descrita (...)? Que medidas irá tomar para resolver esta situação e situações futuras de discriminação no futebol e no desporto?”, questiona o partido, considerando ser “justificada a contestação por parte das jogadoras e muitos outros atletas” contra o que reputa de “grave discriminação”.

Entre as preocupações manifestadas pelas futebolistas, está a possível diminuição dos níveis de competitividade no país, na medida em que será mais difícil atrair jogadoras estrangeiras de qualidade. De resto, as portuguesas dizem sentir-se “injustiçadas” não só no que toca à massa salarial, mas também à “logística, condições de treino, viagens e tratamento médico”.

Cláudia Neto, que há dias se sagrou campeã da Alemanha pelo Wolfsburgo, Dolores Silva (Sp. Braga), Ana Borges e Nevena Damjanovic (Sporting), Sílvia Rebelo, Thembi Kgatlana e Darlene (Benfica) são algumas das 132 signatárias do documento, que acusam ainda a FPF de falhar “positiva e clamorosamente na promoção da igualdade de género”.

O campeonato feminino de futebol terá mais oito equipas na próxima época, passando de 12 para 20 clubes, de acordo com o que foi determinado pela federação. Uma medida que a prazo será parcialmente revertida e que visa mitigar o impacto provocado pela pandemia, mas que, com a imposição dos actuais limites salariais, desagrada a muitas das protagonistas.

“A determinação de um limite máximo para a massa salarial do futebol feminino, sob a capa da trágica situação de saúde pública que hoje vivemos, para além de eticamente censurável, é total e ostensivamente discriminatória”, defende o movimento Futebol sem Género, num direito de resposta enviado à FPF.

"Nivelar condições contratuais"​

O Sindicato dos Jogadores (SJPF) adiantou na quinta-feira que não foi contactado pelas futebolistas, mas que está “solidário e disponível” para as apoiar nas suas reivindicações.

“Para muitas das jogadoras, a reivindicação ainda é terem um contrato, que a maioria não tem”, disse Joaquim Evangelista à agência Lusa, explicando que, no que diz respeito ao futebol feminino em Portugal, ainda se está “na fase de assegurar direitos fundamentais”, como um “salário, gravidez, férias”.

O presidente do SJPF sublinhou, ainda, que o que está em questão “não é um tecto salarial, mas sim um limite orçamental”, que poderá ter sido pensado como “algo próximo dos tectos orçamentais que o fair-play financeiro da UEFA utiliza para equilibrar os competidores”, embora assuma que “não deixa de condicionar a gestão orçamental” dos clubes com maior capacidade financeira.

"A nossa visão para o futebol feminino nacional é diferente desta, mas muito mais abrangente. O principal objectivo, neste momento, deveria ser nivelar as condições mínimas contratuais e definir mecanismos de solidariedade entre clubes nacionais, de forma a mitigar os desequilíbrios”, apontou Evangelista.

Desse ponto de vista, Evangelista considerou que o limite orçamental até “poderia ter a vantagem de diminuir a décalage entre os grandes e os restantes clubes”. "O SJPF tem trabalhado numa proposta de acordo colectivo de trabalho que se adeque às exigências do futebol feminino nacional, à semelhança do que recentemente foi alcançado em Espanha e que versa sobre as medidas essenciais para proteger as relações laborais das jogadoras e evitar a precariedade que compromete a própria competição”, acrescentou.