A covid-19 provocou mortes colaterais? Investigadores dizem que sim, mas não sabem as causas
Equipa da Escola Nacional de Saúde Pública afirma que nas últimas seis semanas foram registadas mais 800 mortes do que o esperado, mais de metade dessas provocadas por outras causas que não a covid-19. Na última semana, os óbitos desceram para o valor esperado para esta altura do ano.
Uma equipa da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP) analisou o número de mortes registadas entre 3 de Maio e 13 de Junho de 2020 — as primeiras seis semanas de desconfinamento — e descobriu, com base nos registos de mortalidade diária dos últimos seis anos, que se registaram 11.124 mortes em Portugal, mais 807 do que seria de esperar neste período. Desse total, cerca de 474 mortes foram provocadas por outras causas que não a covid-19. Os investigadores admitem que a subida pode estar associada a casos de doença crónica grave cujo diagnóstico e tratamento foram adiados devido à pandemia.
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Uma equipa da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP) analisou o número de mortes registadas entre 3 de Maio e 13 de Junho de 2020 — as primeiras seis semanas de desconfinamento — e descobriu, com base nos registos de mortalidade diária dos últimos seis anos, que se registaram 11.124 mortes em Portugal, mais 807 do que seria de esperar neste período. Desse total, cerca de 474 mortes foram provocadas por outras causas que não a covid-19. Os investigadores admitem que a subida pode estar associada a casos de doença crónica grave cujo diagnóstico e tratamento foram adiados devido à pandemia.
Com base na mortalidade registada pelo Sistema de Informação de Certificado de Óbito (SICO), a equipa do Barómetro Covid-19 tem vindo a olhar para o número de mortes desde que o primeiro óbito foi registado em Portugal, em Março, e a compará-lo com os valores dos últimos anos. Numa nova actualização, divulgada esta quinta-feira, os investigadores olharam não só para a mortalidade “em excesso” (fazendo a comparação com os últimos seis anos), mas também para as “mortes colaterais”.
Nas seis semanas em análise, morreram em Portugal 11.124 pessoas, mais 807 (mais 8%) do que os 10.317 óbitos que seriam de esperar neste período. No entanto, apenas 195 destes 807 óbitos são considerados “excesso de mortalidade” porque "ultrapassam o limite da média dos últimos seis anos”, revelam os investigadores.
Durante esse mês e meio, observaram-se 474 mortes (4%) por covid-19 e 10.650 (96%) por outras causas naturais, ou seja, mortes resultantes de uma doença ou um mau funcionamento interno do corpo. Mesmo que a covid-19 não tivesse causado nenhuma morte em Portugal, os investigadores dizem que ter-se-iam registado 333 vítimas acima do que seria de esperar, mas avisam que este valor não pode ser considerado como excesso de mortalidade, porque “não atinge o limite da média dos últimos seis anos mais dois desvios padrão” – ou seja, está dentro dos limites da variabilidade anual dos óbitos em Portugal. “O excesso de mortalidade só se verifica quando se contabilizam os 474 óbitos por covid-19”, conclui a equipa.
O aumento do número de mortes verificado pelos autores do estudo é confirmado por outros modelos de análise, nomeadamente o modelo ARIMA, que analisa a mortalidade global por causas naturais e não naturais (acidentes e homicídios, por exemplo). “Com este modelo estima-se que, entre 3 de Maio e 13 Junho, houve mais 518 (mais 4,3%) mortes do que previsto”, avançam.
Mortes colaterais causadas pela epidemia
Mas há outro dado importante nestas contas: os investigadores descobriram que das 807 mortes “em excesso”, mais de metade foram provocadas por outras causas naturais que não a covid-19. Os investigadores afirmam que gostariam de saber mais sobre as causas destes óbitos, mas admitem que os dados disponibilizados pelo Ministério da Saúde “não permitem fazer análises por grupos diagnósticos mais detalhados”.
Alexandre Abrantes, um dos autores do estudo, explica ao PÚBLICO que a equipa já fez o pedido destes dados à tutela para os conseguir analisar. “Estes dados acabam por ser disponibilizados, mas demora tempo e agora com a covid-19 presumo que as pessoas na Direcção-Geral da Saúde estejam a tratar dos vivos e não dos mortos”, diz o autor, que também é professor da Escola Nacional de Saúde Pública.
Ainda assim, os investigadores afastam a possibilidade de estas mortes terem sido causadas pela covid-19 e não terem sido classificadas como tal. “Em Portugal, e durante este período, vigorou uma política de testagem muito ampla, incluindo testes a pessoas que morreram em casa e a aceitação de um diagnóstico clínico de covid-19 relativamente abrangente, mesmo sem confirmação laboratorial”, justifica a equipa.
As autoridades de saúde estão a contabilizar as mortes por covid-19 mesmo que esse não seja “o evento terminal”: sempre que no certificado de óbito conste que a vítima tinha a doença, a morte entra para o total de óbitos relacionados com a epidemia.
Os investigadores também não estão convencidos de que este aumento da mortalidade possa estar associado a casos de doentes não covid-19 que “não procuraram os serviços de saúde atempadamente” ou que “não foram adequadamente atendidos”. “Parece pouco provável porque, nessa altura, já que os serviços de urgência, incluindo as unidades de cuidados intensivos, estavam bem abaixo do nível de saturação e já se verificavam alguns sinais de retoma da actividade assistencial como consultas, exames ou cirurgias”, avança a equipa da ENSP.
Então o que pode explicar estas mortes? Os autores do estudo dizem que é “possível" que esta subida esteja associada a casos de doença crónica grave cujo diagnóstico e posterior tratamento tenham ter sido adiados devido à pandemia de covid-19 porque os doentes “evitaram procurar os serviços” ou porque “as listas de espera adiaram os diagnósticos e tratamentos para além do prazo em que poderiam ter sido efectivos”.
Mas há boas notícias
Da última vez que esta equipa se debruçou sobre esta questão, há quase dois meses, descobriu que entre 16 de Março — dia em que foi contabilizada a primeira morte por covid-19 em Portugal — e 14 de Abril, se registaram mais 1255 óbitos do que o previsto. Desta vez, e no mesmo espaço de tempo (seis semana), foram registadas menos 448 mortes, sinal de que os números da pandemia podem estar a abrandar.
Além disso, na última semana em análise (de 7 a 13 de Junho), os óbitos desceram para o valor esperado para esta altura do ano. “A boa notícia nestes dados é que nos últimos dez dias voltamos a ver valores normais para esta época do ano. A covid-19 já não está a acrescentar ao número de óbitos e a mortalidade colateral parece estar a diminuir”, conclui o docente.
Portugal registou esta quinta-feira mais uma morte relacionada com a covid-19 e mais 417 infectados, a maioria na região de Lisboa e Vale do Tejo. No total, desde o início da epidemia, foram registadas 1524 mortes relacionadas com a covid-19 e de 38.089 casos de infecção.