Chaz: neste bairro de Seattle, a polícia não entra (e o racismo também não)

Desde inícios de Junho que manifestantes ocupam seis quarteirões de Seattle, em protesto contra a segregação racial nos EUA. A Chaz, ou Chop, quer ser um exemplo prático da vida em comunidade (e em harmonia) sem a presença de polícia. Paolo Tosolini esteve lá e mostra, através de fotografias 360º, como se vive no seu interior.

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Chama-se zona autónoma do Capitólio, mais conhecida por Chaz (sigla de Capitol Hill Autonomous Zone) ou, mais recentemente, protesto de ocupação (ou Chop, sigla de Capitol Hill Organized Protest), designação agora adoptada pela organização do movimento Black Lives Matter no local. O nome parece não ser consensual entre os manifestantes que ocupam, oficialmente desde o dia 8 de Junho, seis quarteirões da cidade de Seattle, em protesto contra a segregação racial nos Estados Unidos. O que, sim, parece ter tido a concordância de todos os envolvidos foi a criação de uma zona livre de policiamento, onde reinam o comunitarismo e as acções de protesto não violento – algo que parece incomodar o presidente Donald Trump, ao ponto de ameaçar desmantelar a iniciativa com recurso a intervenção militar. A solução foi prontamente repelida pela mayor de Seattle, Jenny Durkan,​ que considera “fundamental” para qualquer cidadão norte-americano o direito de “questionar e desafiar a autoridade e o Governo”.

Junto às grades de uma das entradas da Chaz (ou Chop)​, há cartazes onde pode ler-se “Empathy Now” ou “Abolish the Police”. Ou mesmo “You are now leaving USA”. Numa tentativa de mostrar ao mundo um exemplo prático da vida em comunidade (e em harmonia) sem a presença de força policial, milhares de manifestantes montaram acampamento no interior da zona delimitada, onde se desenvolvem, há mais de uma semana, actividades que vão desde aulas de ioga, meditação e pintura, fóruns de discussão e até concertos. O tema central de toda a acção é, invariavelmente, a luta anti-racismo.

O italiano Paolo Tosolini esteve no local no domingo, 14 de Junho, e realizou as fotografias 360º que partilha, agora, com o P3. “A atmosfera era extremamente pacífica, colaborativa”, descreve por e-mail. “Mais parecia uma feira de arte, com música, famílias em passeio. Havia muitas pessoas a tirar fotografias aos memoriais [das vítimas de violência policial] e aos cartazes que relembram os motivos que levaram à ocupação.” O fotógrafo não testemunhou nenhum episódio de violência. “Vi muitas bancadas de donativos de comida e de outros bens, que tinham como alvo os que mais precisam.” Paolo descreve Chaz como “um movimento autogerido que tem o potencial de empurrar o preconceito racial na direcção certa.”

A área ocupada contém, ainda, um jardim, um posto médico, uma zona para fumadores e uma área denominada No Cop Co-op, onde os manifestantes podem obter artigos de mercearia e comida a custo zero. “People over property”, pode ler-se numa das bancadas de distribuição. Há também ofertas de gelados, cachorros quentes e, mais importante, de máscaras de protecção contra a covid-19 – presença constante nas imagens de Tosolini – e de t-shirts com a inscrição Black Lives Matter.

O ambiente festivaleiro é criticado dentro e fora da área ocupada. Há já quem considere Chaz uma “atracção turística”. “Já estive em muitos festivais por todo o mundo e aquilo que vejo é algo muito parecido”, disse o artista e manifestante Adam One à CNN, a 16 de Junho. “Aqui há amor e generosidade, auto-policiamento, boas vibrações e arco-íris”, completa. Mas nem sempre a área atrai pessoas bem-intencionadas. A CNN dá conta que, no sábado, apareceu “uma personalidade do Twitter, conservadora” com uma atitude desafiadora, o que deu origem a uma “resposta inflamada” por parte da multidão, que Donald Trump apelida de “terroristas internos”.

Há também, no seio da organização do movimento, que não tem um líder, quem alerte para a necessidade de manter o foco no que realmente está em causa, ou seja, na luta anti-racista e na exigência da diminuição do financiamento público das forças policiais do país. A revindicação surge, também, no seguimento dos confrontos entre manifestantes e polícia nas manifestações que exigiam justiça pela morte de George Floyd e que precederam a formação da Chaz. A polícia, que utilizou gás pimenta, cães e granadas de atordoamento para dispersar os manifestantes, foi desmobilizada e a esquadra local foi, entretanto, também ocupada pelos últimos, numa atitude simbólica de repúdio contra o uso de força excessiva.

Todas as fotografias 360º deste artigo são da autoria de Paolo Tosolini.