Cabo Delgado: tanto tempo “a população foi esquecida” que só podia causar “sofrimento”
Enquanto o Governo de Moçambique insiste na influência externa para a guerra civil, a Conferência Episcopal de Moçambique considera que a revolta dos jovens jihadistas está mais ligada ao esquecimento a que tem sido votada a província.
Medo, sofrimento, populações deslocadas, relatos de atrocidades, como decapitações, tortura e raptos, umas forças de defesa e segurança que em vez de trazerem alívio contribuem para agravar o quotidiano violento. O Governo moçambicano diz que a insurgência na província de Cabo Delgado, no Norte de Moçambique, é influência externa, do Al-Shabab somaliano, de imãs radicais da Tanzânia, de pregadores formados nas escolas corânicas radicais ligadas ao wahabismo. Os bispos católicos reunidos na Conferência Episcopal de Moçambique apontam causas mais próximas, nomeadamente o esquecimento a que as populações da região têm sido votadas por parte do poder central, que no extremo sul do país, em Maputo, se mantém alheado das dificuldades com que se vive a mais de 2500 km.
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Medo, sofrimento, populações deslocadas, relatos de atrocidades, como decapitações, tortura e raptos, umas forças de defesa e segurança que em vez de trazerem alívio contribuem para agravar o quotidiano violento. O Governo moçambicano diz que a insurgência na província de Cabo Delgado, no Norte de Moçambique, é influência externa, do Al-Shabab somaliano, de imãs radicais da Tanzânia, de pregadores formados nas escolas corânicas radicais ligadas ao wahabismo. Os bispos católicos reunidos na Conferência Episcopal de Moçambique apontam causas mais próximas, nomeadamente o esquecimento a que as populações da região têm sido votadas por parte do poder central, que no extremo sul do país, em Maputo, se mantém alheado das dificuldades com que se vive a mais de 2500 km.
“A causa de tanto sofrimento tem raízes profundas no tempo em que a população foi esquecida”, explica a mensagem divulgada esta quarta-feira. Para as “mortes, incêndios das aldeias, destruição de infra-estruturas económicas e sociais, populações assustadas e esfomeadas, famílias em fuga e literalmente confundidas e desorientadas sem saber onde buscar abrigo e protecção”, para todas essas “atrocidades” que há quase três anos se tornaram quotidianas, e já causaram mais de 700 mortos e mais de 200 mil deslocados, os bispos pedem uma resposta urgente. E não pelas armas.
“Precisa-se de uma resposta urgente a esta tragédia. É preciso intervir sobre as causas do conflito também através da promoção de projectos de desenvolvimento e da prestação de serviços essenciais, como os relacionados com a saúde e a educação”, afirmaram os bispos na conclusão da sua conferência, que se realizou de 9 a 13 de Junho no seminário de Santo Agostinho, na Matola, arredores de Maputo.
De acordo com Yussuf Adam, professor de História na Universidade Eduardo Mondlane, ao mesmo tempo que os bispos discutiam a situação actual em Moçambique, os jovens insurgentes continuavam os seus ataques em Cabo Delgado. Só no dia 12 houve três ataques, em Inguane, pela quinta vez, e nas aldeias de Nhacutuco e Quiterajo. “Um homem foi degolado e esquartejado” em Inguane, onde há relatos de várias mortes.
Raparigas foram raptadas, algumas posteriormente libertadas para levarem a mensagem de que as aldeias Nchinga e Awasse iriam ser atacadas, o que levou à fuga para o mato dos seus habitantes.
Exemplos do que tem vindo a acontecer regularmente em Cabo Delgado e que os mais altos representantes da Igreja Católica em Moçambique classificaram como “actos de verdadeira barbárie”.
“Os nossos corações estão cheios de tristeza por saber de tantas atrocidades que se praticam na vossa província”, refere a mensagem enviada a toda a população de Cabo Delgado.
Sem se referirem directamente à acção do Governo e à actuação no terreno das forças de defesa, não deixa de se depreender o tom crítico dos bispos na mensagem, elogiando a solidariedade demonstrada por muitos cidadãos moçambicanos que preencheram as lacunas deixadas pela inércia do poder central e local na resposta à crise humanitária criada pela guerra civil.
O “grande coração” de Moçambique que se exprime pela “solidariedade” de quem tem pouco e mesmo assim partilha: “Este acolhimento generoso por parte da população que, por vezes, não tem recursos suficientes para ela mesma, ensina-nos o que significa amor e solidariedade, chama atenção e nos impele a participar neste dever de ajudar”.
“Tempestade”
Uma crise humanitária agravada pela pandemia da covid-19 (que, até esta quarta-feira, se cifra em 638 casos e quatro mortos em Moçambique) e que se estende a todo o país, provocando uma “tempestade” socio-económica com consequências “drásticas”, referiu a Conferência Episcopal numa nota pastoral intitulada “viver a fé em tempos de pandemia”.
Para os bispos, o executivo do Presidente Filipe Nyusi declarou o estado de emergência sem as necessárias medidas de alívio económico para as empresas e as famílias mais desfavorecidas que enfrentam uma grave recessão, que irá “aumentar a pobreza, o desemprego, a fome, a instabilidade social, a criminalidade e o medo de perda de qualidade de vida”, sem ajuda do Estado.
Mesmo defendendo as medidas de confinamento social, os bispos não deixam de criticar ao governo a “pouca auscultação das forças da sociedade, nomeadamente as igrejas” antes e durante o estado de emergência. Além, também, da fraca divulgação das normas sanitárias para evitar o contágio, no meio de uma desinformação generalizada que aumenta o pânico e não contribui para sossegar os moçambicanos.