Dia 65: por que se gabam os avós de que com eles “não há birras”?
Uma mãe/avó e uma filha/mãe falam de educação. De birras e mal-entendidos, de raivas e perplexidades, mas também dos momentos bons. Para avós e mães, e não só.
Mãe,
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Mãe,
Está na altura de falarmos de uma das situações mais traumáticas para uma mãe ou para um pai. Veja se me acompanha. Uma mãe toca à campainha da casa dos avós, onde deixou os filhos — seja por que razão for. A porta abre-se, e a mãe precipita-se para as crianças, a morrer de saudades. Como sempre, a cabeça não vem vazia: “Será que se portaram bem, será que os meus pais ficaram muito cansados? Será que agora vai ser uma birra para ir embora? Tenho jantar? Amanhã é dia de ginástica, e não comprei os calções”, etc., etc. e etc.
Nisto, passado o entusiasmo do primeiro abraço, a criança atira-se para o chão, agarrada às pernas da mãe, e começa numa birra infindável. O motivo pouco importa. A reação da mãe depende do dia que teve até aí, ou desata logo a barafustar e zanga-se com o filho ou, com mais paciência, pega na criança cansada e procura acalmá-la. E é aqui, neste preciso momento, que se dá a tragédia. Diz a avó/avô: “Ah, comigo não fez nem uma cena destas” ou “Curioso... cá nunca faz birras”. Ou, melhor ainda: “Ele só faz isto quando tu chegas”.
(Silêncio)
A mãe que, note-se, já está a tentar gerir o melhor que pode não só a birra como a vergonha da birra acontecer “com público”, respira fundo e sabe lá Deus como se controla para não responder com um: “E o que é que quer que eu faça? Que não volte!?!?”.
Por isso agora pergunto-lhe qual é exatamente esta necessidade de verbalizar esta pequena frase — apesar de saberem o quanto vai irritar, apesar de já a terem repetido mil vezes e no fundo (espero) terem consciência de que é normal uma criança fazer mais birras com a própria mãe até porque... surpresa!.. já estiveram no nosso lugar e também se irritavam com estas “bocas” quando eram os vossos pais a dizer o mesmo!! Explique-me, please.
Beijinhos!
Querida Ana,
Agora queres explicações para tudo!? :)
Pronto.
Se bem compreendi, o que queres é perceber porque é que verbalizamos a frase, já que não pões em causa a sua veracidade, o que já é bom. É que é mesmo verdade: eles fazem muito menos birras quando estão connosco.
Mas podíamos estar calados. Pois podíamos.
Para não o fazermos temos a explicação mais boazinha, que 99% dos avós vão jurar que é aquela que justifica o comentário. E a explicação boazinha é que imaginamos que vos estamos a dar uma boa notícia: podem ficar descansadas porque os vossos filhos são crianças bem-educadas, que se portam muito bem em casa dos avós, e isso é mérito vosso. Supostamente devia aliviar-vos. Não vinham preocupados que os vossos queridos filhos nos pudessem ter deixado exaustos e fartos deles? Não é muito melhor saberem que são uns anjos quando vocês não estão?
Temos depois a explicação menos benigna: os avós não resistem a concorrer um bocadinho (ou muito) com os pais, dando-lhes a entender que os seus “métodos” educativos funcionam melhor e que têm mais jeito para evitar birras. Afinal, pensam, os resultados estão à vista. Podem também querer passar subtilmente uma crítica aos pais, qualquer coisa como se não fosses tão paciente, ou pelo contrário, se tivesses mais paciência (como eu), as coisas corriam melhor. O que, convenhamos, é tudo o que uma mãe depois de um dia de trabalho, e já moída de culpa, não precisa. E é verdade, as avós sabem-no porque passaram pelo mesmo enquanto mães, mas não resistem.
E aqui dividem-se, de novo, em dois grupos: as que de seguida têm remorsos, envergonham-se, e emendam a mão; e aquelas que levam esta competição a um nível maligno, e persistem. Essas, ganhariam muito em saber que a razão dos miúdos fazerem mais birras com os pais do que com as outras pessoas é, exatamente, porque valorizam muito mais o amor dos pais do que o delas. É pelo amor dos pais que vale a pena espernear, é pela atenção da mãe que vale a pena esmurrar o irmão no momento exato em que ela acaba de chegar a casa, é pelo amor do pai que vale a pena gritar. E é também com os pais que se sentem mais livres de explodir, estão finalmente em casa nos seus braços, podem desabafar.
Mães, consolem-se com essa certeza, e deixem-nos a convicção de que os nossos queridos netinhos são anjos, que só a má influência dos pais desestabiliza :)
No Birras de Mãe, uma avó/ mãe (e também sogra) e uma mãe/filha, logo de quatro filhos, separadas pela quarentena, vão diariamente escrever-se, para falar dos medos, irritações, perplexidade, raivas, mal-entendidos, mas também da sensação de perfeita comunhão que — ocasionalmente! — as invade. Na esperança de que quem as leia, mãe ou avó, sinta que é de si que falam. Facebook e Instagram