Repensar a solução aeroportuária para a Região de Lisboa
A localização de um aeroporto complementar na BA6 (Montijo) é uma opção errada em termos de interesse nacional e é chegada a altura de mudar de rumo.
A pandemia da covid-19 teve sobre o transporte aéreo um efeito arrasador jamais visto. As imagens de aeroportos desertos, com centenas de aviões estacionados, chegam-nos de todo o mundo. O impacto desta paralisação do transporte aéreo reflecte-se em inúmeras actividades, directa ou indirectamente dele dependentes, entre as quais a gestão e operação dos aeroportos. Não veremos o transporte aéreo recuperar a pujança pré-crise em menos de três ou quatro anos, talvez mais. Tempo que deve ser usado para reflectir, reequacionar e corrigir a trajectória, designadamente no que se refere à futura solução aeroportuária para Lisboa, agora sem a sempre invocada urgência.
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A pandemia da covid-19 teve sobre o transporte aéreo um efeito arrasador jamais visto. As imagens de aeroportos desertos, com centenas de aviões estacionados, chegam-nos de todo o mundo. O impacto desta paralisação do transporte aéreo reflecte-se em inúmeras actividades, directa ou indirectamente dele dependentes, entre as quais a gestão e operação dos aeroportos. Não veremos o transporte aéreo recuperar a pujança pré-crise em menos de três ou quatro anos, talvez mais. Tempo que deve ser usado para reflectir, reequacionar e corrigir a trajectória, designadamente no que se refere à futura solução aeroportuária para Lisboa, agora sem a sempre invocada urgência.
Vem à mente e a propósito, a analogia que tenho defendido no planeamento de recursos hídricos. Considero que as cheias devem ser estudadas em períodos de secas e, de forma análoga, estudadas as secas em períodos de cheias, princípio básico para a criação de cenários e soluções de intervenção não condicionados pelas pressões do momento.
Citando Milton Friedman, prémio Nobel da Economia: “Somente uma crise produz mudanças reais. Quando essa crise ocorre, as ações tomadas dependem das ideias que estão por aí.” As ideias, bem fundamentadas por análises e estudos credíveis, estão por aí há bastante tempo, bastando aproveitá-las.
É tempo de “parar, escutar e olhar”, como se lê nos avisos das passagens de nível sem guarda. Parar, escutar e olhar, para assim se reanalisar, sem ideias feitas, todo o historial de um processo complexo e exaustivamente estudado que culminou na anterior decisão para a relocalização do aeroporto internacional de Lisboa.
Creio estarem agora criadas as condições para reavaliar recentes decisões tomadas sob pressão e, por uma vez, pensar a solução aeroportuária para Lisboa numa perspectiva estratégica, tendo na devida conta o posicionamento do País e do seu maior aeroporto no contexto ibérico e internacional, bem como o interesse público, no seu sentido mais lato.
A complexidade do problema impõe que a decisão seja suportada por uma análise, que, dando o necessário relevo ao binómio custo-benefício, não deixe de contemplar, de forma rigorosa, outras áreas relevantes, como a técnica, financeira, ambiental, de ordenamento do território, bem como a da competitividade e do desenvolvimento económico e social.
A localização de um aeroporto complementar na BA6 (Montijo) é uma opção errada em termos de interesse nacional e é chegada a altura de mudar de rumo.
É imperioso que essa mudança de rumo inclua a desativação progressiva do aeroporto da Portela, por forma a ir mitigando o seu impacto, reconhecidamente negativo, designadamente sobre a cidade e a região de Lisboa e os seus habitantes.
Este aspeto tem sido uma preocupação ao longo dos anos, bem evidenciada pela criação, em 1969, do Gabinete do Novo Aeroporto de Lisboa (GNAL), gabinete que teve esse objetivo como determinante da sua atividade. Salienta-se que não existe nenhum grande aeroporto internacional na Europa ocidental localizado dentro de uma cidade.
A boa notícia é que nem sequer são necessários mais estudos morosos ou caros. Em suma, não é preciso inventar nada. Existe um projeto elaborado pela ANA, datado de 2010, com Declaração de Impacto Ambiental (DIA) aprovada e ainda em vigor, com localização em terrenos do Estado (Campo de Tiro de Alcochete – CTA). É um projeto que permite todos os ajustamentos que forem necessários, além de prever uma construção faseada ajustável às necessidades reais, impostas pela evolução da procura e com potencial de expansão até uma capacidade significativamente superior aos cem movimentos de aviões por hora.
A análise dos estudos que suportaram esse projeto permitirá, estamos certos, potenciar uma decisão sem os condicionamentos que conduziram à opção pela solução Portela+Montijo, solução que eterniza a permanência de um aeroporto no centro da cidade de Lisboa, com os efeitos bem conhecidos em termos de ruído, poluição e respectivas consequências para a saúde das populações, além dos riscos de segurança que comporta o sistemático sobrevoo da cidade, a baixa altitude, nas fases de chegada e partida.
A solução dual, sendo o aeroporto no Montijo o aeroporto complementar é, como temos afirmado de forma consistente e fundamentada, uma solução sem futuro e com grandes impactos, não só para as populações vizinhas, que serão afetadas pelo ruído e poluição, mas também para a avifauna e para a segurança devido ao risco elevado de colisão de aeronaves com aves. Não é a urgência nem o menor custo que a justificam.
A localização do Novo Aeroporto de Lisboa (NAL) no Campo de Tiro de Alcochete (CTA), permite a construção das infraestruturas de terra e ar por fases (crescimento flexível), ajustadas às necessidades demonstráveis pela evolução da procura. Ou seja, é uma solução baseada no “ir fazendo” em vez de “fazer tudo de uma vez”, permitindo diferir investimentos ao longo do tempo. Possibilita igualmente, de forma progressiva e tecnicamente sustentada, a desativação do aeroporto da Portela.
Trata-se de uma solução que, na primeira fase, terá apenas uma pista com comprimento adequado para permitir, sem quaisquer restrições, a operação de todos os tipos de aviões e instalações de terra e ar mínimas, ajustadas às necessidades dessa fase, e no final (quarta fase) terá duas pistas paralelas e com operação independente, garantindo uma capacidade de 100 movimentos/hora, capacidade aliás expansível, uma vez que foi prevista área adicional que pode acomodar mais duas pistas paralelas. É uma solução para o futuro que dá resposta às exigências impostas por um aeroporto internacional que sirva a região e o País.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico