Bolsonaro arrisca-se a ficar sem o apoio do seu guru e a culpa é de Caetano Veloso

Olavo de Carvalho ameaçou “derrubar” o Governo por sentir que não tem apoio do Presidente. O escritor tem de pagar uma indemnização milionária por calúnias ao cantor.

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Olavo de Carvalho é conhecido pela postura agressiva e rude que assume nos vídeos que publica no YouTube Reuters/JOSHUA ROBERTS

Há mais uma crise nas hostes “bolsonaristas”, desta vez a envolver o principal ideólogo do Governo e, para muitos, o artífice do despertar da extrema-direita brasileira nos últimos anos, o escritor e professor Olavo de Carvalho. O académico radicado nos EUA ameaçou derrubar o Governo de Jair Bolsonaro, que acusa de não o apoiar num processo por difamação movido pelo cantor Caetano Veloso.

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Há mais uma crise nas hostes “bolsonaristas”, desta vez a envolver o principal ideólogo do Governo e, para muitos, o artífice do despertar da extrema-direita brasileira nos últimos anos, o escritor e professor Olavo de Carvalho. O académico radicado nos EUA ameaçou derrubar o Governo de Jair Bolsonaro, que acusa de não o apoiar num processo por difamação movido pelo cantor Caetano Veloso.

Como é habitual nas crises políticas da era Bolsonaro, tudo começou na Internet. O YouTube conta com horas intermináveis de vídeos de Olavo de Carvalho, gravadas a partir da sua casa de Richmond, na Virgínia, onde o septuagenário discorre sobre o “marxismo cultural”, a “ideologia de género” e o “comunismo”, em geral, raízes de todos os males do Brasil, e nos quais a linguagem comum e ofensiva prospera.

Mas foi uma frase sobre Caetano Veloso publicada em 2017 no Facebook e no Twitter que gerou uma onda de choque até aos dias de hoje. “Caetano, prometo jamais chamar você de pedófilo. Em retribuição da gentileza, por favor, invente uma palavra para designar o homem de quarenta anos que come uma garotinha de treze”, escrevia então Carvalho, referindo-se à relação entre o cantor e a sua mulher, a actriz Paula Lavigne. A diferença de idades entre os dois – quando se conheceram, Lavigne era menor – motiva há vários anos comentários desse teor.

O cantor processou Olavo de Carvalho por danos morais, alegando que a mensagem do escritor teve larga repercussão nas redes sociais. Várias decisões judiciais vieram dar razão a Caetano Veloso e obrigar Carvalho a pagar uma indemnização de mais de 2,8 milhões de reais (476 mil euros), que aumenta por cada dia que o astrólogo tarda em cumprir a sentença.

Foi com esse pano de fundo que Carvalho apareceu num vídeo publicado a 7 de Junho onde disparou contra o Presidente que ajudou a eleger. “Continue inactivo, continue cobarde e eu derrubo essa merda desse seu Governo, Governo aconselhado por generais cobardes ou vendidos”, afirmou o escritor.

Olavo descreve-se como vítima de “um fenómeno inédito no mundo”. “Nunca houve um massacre jornalístico e judiciário desse tamanho contra uma pessoa. Nem contra líderes revolucionários nem contra narcotraficantes”, diz durante o vídeo. Embora não mencione directamente o processo de Caetano, o escritor queixa-se de não ter dinheiro para pagar multas a que foi condenado.

A influência de Olavo

É difícil discernir qual a real influência de Olavo de Carvalho junto do Governo, ou até do próprio Bolsonaro. A investigadora do Centro Brasileiro de Análise e Planeamento (Cebrap), Maria Hermínia Tavares, diz que o escritor tem uma posição forte junto dos filhos do Presidente, sobretudo o vereador carioca, Carlos Bolsonaro, responsável pelas redes socais do pai, e o deputado Eduardo Bolsonaro, que tem chamado a si a articulação internacional do Governo.

“Desde o começo do Governo que ele ataca, sobretudo os militares, foi atacando diversos membros do Governo de uma maneira descontrolada e grosseira”, observa a politóloga, que diz ao PÚBLICO ter ficado “bastante espantada” pela dureza dos ataques dirigidos a Bolsonaro. A certa altura, Carvalho dirige-se directamente ao Presidente: “E o que Bolsonaro fez para me defender? Bosta nenhuma. Aí vem com condecoraçãozinha. Enfia a condecoração no cu.”

A ameaça de derrubar o Governo é forte, especialmente tendo em conta que Olavo de Carvalho chegou a indicar ministros que ainda hoje pertencem ao Executivo, como o titular da Educação, Abraham Weintraub, ou o chefe da diplomacia, Ernesto Araújo. No entanto, Maria Hermínia Tavares vê a influência de Carvalho limitada a um segmento minoritário, mesmo entre a franja que continua a apoiar Bolsonaro.

“O Olavo de Carvalho tem penetração num grupo muito restrito de extrema-direita, que está no Facebook, no Twitter, tem visibilidade grande nas redes sociais”, explica a analista.

Para além disso, romper com o Governo pode ser uma jogada arriscada para o próprio académico que iria regressar às margens do debate político, como esteve nas últimas décadas. “Ele tenderá à irrelevância”, caso deixe de apoiar Bolsonaro, antevê Tavares. “Se ele for capaz de cálculo racional, não há nenhuma vantagem em brigar com o governo. Não existe uma extrema-direita hoje fora do Bolsonaro, existe direita, mas não extrema-direita”, nota a professora da Universidade de São Paulo (USP).

A politóloga vê na agressividade de Carvalho sobretudo uma forma de fazer pressão para obter mais reconhecimento por parte do Presidente e, fundamentalmente, ajuda para pagar a indemnização a Caetano Veloso. Vários empresários próximos de Bolsonaro negaram estar a tentar juntar dinheiro para apoiar o escritor.

Horas depois do vídeo, o ideólogo publicou uma nova mensagem, num tom mais cordial, em que garantiu manter-se ao lado de Bolsonaro. “Tudo indica que Olavo de Carvalho não se move apenas por ideias, mas por incentivos materiais”, diz Maria Hermínia Tavares.