A solidão altera a forma como o cérebro representa os laços entre as pessoas

Investigação analisou padrões de actividade cerebral de 43 residentes nos Estados Unidos enquanto pensavam em si, nos amigos, nos conhecidos e nas celebridades.

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Pessoas mais solitárias podem acabar por representar no cérebro o maior distanciamento que têm das outras pessoas Daniel Rocha

As ligações a outras pessoas são uma parte essencial do nosso bem-estar. E como é que o cérebro representa as nossas conexões sociais ou a falta delas? Esta é uma questão ainda com poucas respostas. Para encontrar explicações para ela, duas cientistas do Departamento de Psicologia da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, analisaram a actividade cerebral de 43 pessoas. Agora, num artigo científico publicado na revista Journal of Neuroscience anunciam as principais conclusões e destacam em comunicado: a solidão altera a forma como o cérebro representa os laços entre as pessoas. 

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As ligações a outras pessoas são uma parte essencial do nosso bem-estar. E como é que o cérebro representa as nossas conexões sociais ou a falta delas? Esta é uma questão ainda com poucas respostas. Para encontrar explicações para ela, duas cientistas do Departamento de Psicologia da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, analisaram a actividade cerebral de 43 pessoas. Agora, num artigo científico publicado na revista Journal of Neuroscience anunciam as principais conclusões e destacam em comunicado: a solidão altera a forma como o cérebro representa os laços entre as pessoas. 

“Sentir-se próximo de outras pessoas promove o bem-estar, já o facto de se sentir desconectado delas pode comprometer a saúde mental e física”, introduzem as duas autoras, Andrea Courtney e Meghan Meyer, no artigo científico. Logo depois acrescentam que a forma como o cérebro representa a proximidade das relações entre as pessoas ainda é pouco clara.

Para a tornar mais límpida, as cientistas usaram a ressonância magnética funcional (fMRI, na sigla em inglês) para analisar a actividade cerebral de 43 estudantes e membros de uma comunidade nos Estados Unidos enquanto estas pensavam em si, nos seus amigos, em pessoas conhecidas ou em celebridades, como Kim Kardashian, Barack Obama, Justin Bieber e Mark Zuckerberg. Estabeleceram-se assim diferentes categorias: uma para quando a pessoa pensava sobre si; outra sobre a sua rede social (amigos e conhecidos); e uma ainda para as celebridades.

Observou-se então que pensar sobre si e outras pessoas em cada uma de diferentes categorias correspondia a diferentes padrões de actividade cerebral. Quanto mais próxima era a relação do participante com a pessoa em que estava a pensar, mais esse padrão de actividade se assemelhava ao padrão observado de quando a pessoa pensava em si própria. Esses padrões foram observados ao longo de um conjunto de regiões do cérebro, incluindo o córtex pré-frontal medial – uma região cerebral que preserva um mapa estruturado dos círculos sociais de uma pessoa com base na sua proximidade às pessoas.

Contudo, estes padrões eram diferentes nos participantes mais solitários. Quando as pessoas mais solitárias pensavam em si, os padrões de actividade no córtex pré-frontal medial eram mais diferentes dos padrões de quando pensavam noutras pessoas – comparando com as pessoas menos solitárias. As cientistas sugerem assim que as pessoas mais solitárias “têm uma representação neuronal ‘mais solitária’ dos seus relacionamentos” e que a solidão está associada a alterações no mapeamento que representa as ligações sociais.

Andrea Courtney adianta ainda ao PÚBLICO que as pessoas mais solitárias mostraram menos diferenças entre as várias categorias: “Para as pessoas solitárias, os amigos chegados e os conhecidos suscitam padrões mais semelhantes, assim como os conhecidos e as celebridades.” Ainda há muito a investigar, mas a cientista refere que pode existir uma relação entre a representação cerebral da proximidade entre as pessoas, o facto de se sentirem elas próprias desligadas dos outros e o seu investimento nas relações sociais. “As pessoas que representam uma grande distância entre si e os outros, como as pessoas mais solitárias, podem minar os seus esforços sociais, contactando com os outros com menos frequência.”

Como constelações de estrelas

Para se perceber os resultados do trabalho, Meghan Meyer compara as representações do cérebro a constelações de estrelas no céu. Por um lado, os indivíduos mais solitários têm a constelação que representa o pensamento sobre si muito separada da constelação do pensamento sobre as outras pessoas – há assim um grande distanciamento entre si e os outros. Já as constelações que correspondem ao pensamento de amigos, conhecidos e celebridades estão quase sobrepostas. Por outro lado, nas pessoas menos solitárias, a constelação sobre si está praticamente sobreposta à de pessoas que lhes são mais próximas. As constelações que correspondem aos conhecidos e celebridades estão bem mais separadas, ao contrário do que acontece nos indivíduos mais solitários.

Andrea Courtney avisa também que continuará a estudar as ligações sociais para explorar a forma como a solidão modela a representação que se tem dessas ligações entre as pessoas. A cientista ressalva que há alguns estudos com resultados semelhantes aos do trabalho agora anunciado. Por exemplo, em 2017, foi publicada na revista científica Nature Human Behavior uma investigação que mostrou que o cérebro rastreia espontaneamente o distanciamento social.

E o distanciamento social suscitado pela pandemia de covid-19 também pode ter efeitos negativos. Na última edição da revista The Lancet Child & Adolescent Health, uma equipa de neurocientistas avisa que a redução do “contacto cara a cara” entre os adolescentes e os seus amigos durante a pandemia poderá ter consequências prejudiciais a longo prazo, porque a interacção entre pares é essencial na adolescência. Mesmo assim, as redes sociais podem aliviar alguns dos efeitos negativos deste distanciamento social.