Idosos eram quem menos se protegia no início do estado de emergência
Estudo avaliou percepções do risco e comportamentos de protecção de mais de 1600 residentes em Portugal num dos período da pandemia de covid-19.
Qual a percepção e comportamentos de risco da população portuguesa durante a pandemia de covid-19? Para o saber, cientistas do Laboratório de Neuropsicofisiologia da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto realizaram um questionário a mais de 1600 residentes em Portugal dos 18 aos 85 anos e de diferentes regiões geográficas do país no primeiro período do estado de emergência. Resultado: a prática de comportamentos de protecção diminuía com a idade, sobretudo nas pessoas com mais de 70 anos. Os idosos também tinham uma percepção menor do risco.
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Qual a percepção e comportamentos de risco da população portuguesa durante a pandemia de covid-19? Para o saber, cientistas do Laboratório de Neuropsicofisiologia da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto realizaram um questionário a mais de 1600 residentes em Portugal dos 18 aos 85 anos e de diferentes regiões geográficas do país no primeiro período do estado de emergência. Resultado: a prática de comportamentos de protecção diminuía com a idade, sobretudo nas pessoas com mais de 70 anos. Os idosos também tinham uma percepção menor do risco.
“O nosso objectivo era fazer um levantamento dos comportamentos de protecção que as pessoas estavam a adoptar numa fase em que era crítico que o fizessem”, afirma ao PÚBLICO Rita Pasion, uma das investigadoras que realizaram o estudo. Pretendia-se também perceber as percepções de risco de comportamentos desaconselhados pelas autoridades sanitárias, bem como explorar o papel de variáveis psicológicas (que se pensa que variam com a idade), como a ansiedade, o medo da morte e o isolamento social.
Fez-se então um questionário online para se avaliarem todas essas questões na primeira semana do primeiro período do estado de emergência, em vigor entre 22 de Março a 2 de Abril. Por exemplo, as pessoas tinham de responder sobre a frequência com que realizavam certos comportamentos de protecção, como a frequência com que tinham lavado as mãos e saíam para comprar bens essenciais. Também se questionaram as percepções de risco, como a probabilidade de a pessoa tem de ficar infectada.
“O que encontrámos principalmente, e que nos preocupa um bocadinho, é que as pessoas com uma idade mais avançada, nomeadamente a partir dos 70 anos, tinham menos comportamentos de protecção e menos percepções de risco”, resume Rita Pasion. Isto é, essas pessoas não se protegiam o suficiente e achavam que a situação não era tão perigosa quanto parecia. “Isto é crítico porque coincide precisamente com o grupo de risco, que são as pessoas com mais de 70 anos e com problemas de saúde”, destaca.
Olhemos para a percepção do risco de se ficar infectado: essa percepção nas pessoas do grupo entre os 30 e os 60 anos situava-se perto dos 40%, mas nos jovens e nos idosos esse valor era de cerca de 20%. Portanto, no início, a equipa ainda se questionou se os idosos teriam mais necessidade de ir mais vezes à mercearia ou à farmácia do que os jovens. Mas, ao longo do estudo, percebeu-se que os idosos não tinham só uma necessidade de se sair mais à rua como tinham menos comportamentos de protecção do que os mais jovens, como a lavagem das mãos ou o acto de tapar a boca quando se tosse. Concluindo, a questão não era se os idosos tinham mais necessidade de ir à mercearia ou à farmácia do que os jovens, mas a percepção do risco e dos comportamentos de protecção eram ambas mais baixas nos idosos e isso tinham mais impacto neles do que nos jovens.
E qual a explicação neuropsicológica para esses resultados? “Sabemos que há alterações do cérebro com a idade, nomeadamente em áreas de tomada de decisão como o córtex pré-frontal que vai tendo um declínio com a idade, e isso pode ajudar a explicar o que está por trás destes resultados”, responde a investigadora. Por enquanto, a equipa não avaliou esta questão, mas no futuro pretende estudar o impacto neuropsicológico da covid-19 nas pessoas.
Ausência de pressão social
Quanto ao trabalho agora divulgado, viu-se ainda que variáveis como a escolaridade e a exposição a informação adequada ao público-alvo podiam ter um papel essencial na adopção de comportamentos de protecção nos idosos, destaca-se num comunicado sobre o trabalho. Por isso, podia ser mais difícil que compreendessem a mensagem da comunicação social ou termos mais técnicos.
Também se verificou que os elevados níveis de ansiedade e de medo da morte aumentavam a frequência de comportamentos de protecção. Por fim, concluiu-se ainda: “O isolamento social reduzia a frequência de comportamentos de protecção tanto nos grupos mais jovens como nos grupos mais idosos, o que é possivelmente explicado pela ausência da pressão social envolvida na adesão às normas sociais.”
Rita Pasion explica que se fez este estudo para se ter mais informação sobre variáveis que explicam uma falta de adesão às medidas que foram tomadas. “Até haver uma vacina, vamos estar em modo preventivo, ou seja, todas as medidas que se tomam para mitigar o fenómeno são preventivas e estão muito dependentes de como a população reagir”, nota. Como a idade avançada sobressaiu neste estudo, os idosos pertencem a um grupo de risco e têm um nível de escolaridade mais baixo, um dos contributos poderá ser definir uma estratégia de comunicação adequada para essa faixa etária. No comunicado, a equipa reforça também que espera fornecer provas científicas sobre factores envolvidos no comportamento de risco nos grupos mais vulneráveis à covid-19, assim como dar informação fundamental para profissionais de saúde.
A equipa já submeteu um artigo científico com estes resultados a uma revista científica da área da psicologia. Em futuros trabalhos, caso obtenha financiamento, pretende então medir o impacto da covid-19 ao nível das alterações neuropsicológicas, bem como fazer um registo das variações dos perfis cognitivos que podem levar as pessoas a procurar mais os hospitais.
Outras equipas também têm avaliado os comportamentos de protecção e os níveis de preocupação das pessoas durante a pandemia. Para fazer essa análise, dois investigadores da Universidade do Estado da Georgia (Estados Unidos) realizaram um questionário online entre 23 e 31 de Março a 146 pessoas dos 18 anos 35 anos e a 156 pessoas dos 65 aos 81 anos. Todos os participantes eram residentes nos Estados Unidos.
No questionário pretendia-se saber qual a sua percepção da gravidade do risco da covid-19 e se tinham adoptado comportamentos para conseguirem reduzir os riscos de infecção, como lavar as mãos com mais frequência, usar máscara e evitar espaços públicos e o convívio com outras pessoas.
Verificou-se que a maioria dos participantes estava, pelo menos, “moderadamente preocupada” com a covid-19 e só um idoso “não tinha de todo qualquer preocupação”. Mais de 80% dos participantes disseram que começaram a lavar as mãos com mais frequência, a ter mais cuidado com a limpeza, a não apertar as mãos e a evitar espaços públicos. Já mais de 60% das pessoas referiram não ter convivido mais com outras.
Em comparação com todos os outros participantes, os homens mais velhos estavam menos preocupados com a covid-19 e tinham adoptado menos mudanças nos seus comportamentos, como o uso da máscara e o toque na cara. Portanto, como se preocupam menos, os homens mais velhos podem ter maior risco de contrair covid-19, refere-se num comunicado sobre o trabalho publicado na revista científica Journals of Gerontology. Sarah Barber, uma das autoras do estudo, considera que é importante ajudar este grupo a perceber correctamente quais os riscos que estão a correr.