Florestas: Mudança de ministério (ainda) divide o sector
É “muito positivo” o balanço da mudança de tutela política das Florestas, do Ministério da Agricultura para o do Ambiente, garante o secretário de Estado João Catarino. Mas, volvidos sete meses sobre essa alteração orgânica, os operadores do sector ainda estão divididos. Enquanto CAP, CNA e AIMMP criticam a decisão, a Forestis só vê “vantagens”.
A legislatura já leva sete meses, mas a visão do Governo e de João Catarino, secretário de Estado da Conservação da Natureza, das Florestas e do Ordenamento do Território, sobre a transição da tutela das Florestas da Agricultura para o Ambiente ainda hoje não é pacífica.
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A legislatura já leva sete meses, mas a visão do Governo e de João Catarino, secretário de Estado da Conservação da Natureza, das Florestas e do Ordenamento do Território, sobre a transição da tutela das Florestas da Agricultura para o Ambiente ainda hoje não é pacífica.
O PÚBLICO ouviu quatro estruturas associativas com intervenção na área florestal sobre este tema e apenas a Forestis vê “vantagens” nesta mudança de paradigma. A Associação Florestal de Portugal, de acordo com o seu website, agrega 33 organizações de proprietários florestais com âmbito de actuação sub-regional, que representam e apoiam tecnicamente mais de 17.500 proprietários florestais.
Luís Braga da Cruz, presidente da estrutura, não hesita: “A minha opinião, na altura [da definição da nova orgânica do Governo quanto às florestas] foi favorável.” Para o presidente da Forestis, que já foi ministro da Economia e presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte, “a floresta só tem a ganhar em passar para o Ministério do Ambiente”. Diz-se, até, “surpreendido” por ter visto “tanta gente contra”, embora isso seja, acredita, “uma característica dos portugueses, que gostam pouco de mudar, de experimentar as virtudes da mudança e preferem ficar na mesma”.
“Na altura até fiz o exame de verificar quais eram as soluções similares em diferentes países europeus e a maioria dos países tem a floresta próxima do Ambiente e não da Agricultura”, revela o presidente da Forestis. Por isso considera que, em Portugal, “a medida é positiva”. “Até por uma razão”: “A floresta está muito desfocada das diferentes dimensões da floresta nacional. Aliás, basta ver a forma como era gerida a medida 8 [Protecção e Reabilitação de Povoamentos Florestais] do PDR para apoio à Floresta [Programa de Desenvolvimento Rural – PDR 2020].
“A floresta era claramente um parente pobre do PDR”, aponta o presidente da Forestis. “Era parente pobre e desequilibrado, porque se a gente for fazer a desagregação das ajudas à floresta por NUT 2 [Nomenclatura de Unidades Territoriais], chegamos à conclusão que o Alentejo tinha 53% das ajudas, quando a floresta não é só montado. E isso era o reflexo de alguns mecanismos de lobby que se estabelecem em Portugal e que tornam as ajudas públicas cativas das suas práticas.”
Ora, com esta mudança de tutela das florestas para o Ministério do Ambiente, “começou a ser feita alguma regionalização das ajudas, o que é sempre a primeira forma de nivelar este problema”, salienta Braga da Cruz. Até porque “as diferentes medidas e os avisos que são abertos às vezes são tão complexos que as soluções são desajustadas à natureza dos problemas dos diferentes territórios”. Fruto disso, “muitas vezes [os avisos de candidatura] ficam desertos e, como ficam desertos, sobra dinheiro. E depois há reprogramações e o dinheiro é desviado para os objectivos iniciais.”
Mas há, no seu entender, outra vantagem desta alteração de tutela das florestas, a possibilidade de os operadores do sector florestal, além de poderem candidatar-se a apoios do PDR 2020, poderem ir buscar verbas ao Fundo Ambiental. “Essa foi, na minha opinião, uma grande vantagem, em juntar os fundos do PDR ao Fundo Ambiental e ainda potenciado com o Fundo Florestal Permanente.” Assim, diz Braga da Cruz, “podem-se fazer combinações mais úteis para a floresta”.
“Complicómetro” nos projectos de investimento na floresta
Em sentido oposto à Forestis vão todas as restantes organizações com intervenção no sector florestal ouvidas pelo PÚBLICO. A CNA – Confederação Nacional da Agricultura, pela voz do dirigente João Dinis, lembra que “a passagem da Floresta do ex-Ministério da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural para o Ministério do Ambiente é, objectivamente, uma desvalorização e um esvaziamento das funções e competências do Ministério da Agricultura”.
E pior: “É mais um ‘complicómetro’ nos processos que já eram complicados, por exemplo os de investimento na floresta no âmbito do PDR 2020.” Desde logo porque, com esta orgânica, “os agricultores e os produtores florestais ficam sujeitos a maiores demoras na avaliação oficial dos seus processos e as indicações são mais difíceis de obter e até contraditórias por parte das tutelas – que coexistem, na prática – do Ministério do Ambiente e do Ministério da Agricultura”. Para o dirigente da CNA, “agrava-se, assim, a ‘via sacra’ dos produtores florestais”.
Todavia, “ainda é cedo para se quantificarem os resultados”, designadamente os “níveis de aproveitamento das disponibilidades financeiras dos vários dos programas florestais institucionais”. A CNA diz até que “ainda se está em plena fase da propaganda por parte do Governo”.
Já quanto ao novo Quadro Financeiro Plurianual (QCA 2021-2027 ) e à negociação que está em curso, João Dinis é cauteloso. “A preparação mais conveniente do próximo PDR, para o período de 2021-2027, deve recolher todos os contributos possíveis.” E, “nesse âmbito, o Ministério da Agricultura continua a ter um ‘crédito’ político e técnico a não desprezar agora”.
João Dinis tem uma certeza: “Os agricultores e produtores florestais e os seus representantes devem ser chamados a participar nessa importante tarefa.” Espera-se que, “da parte do Ministério do Ambiente e também do Ministério da Coesão Territorial, haja essa capacidade de diálogo democrático para se atingir bons resultados práticos”.
“Período muito exíguo para efectuar qualquer balanço”
A CAP – Confederação dos Agricultores de Portugal é crítica, mas cautelosa. Ao PÚBLICO, Eduardo Oliveira e Sousa considera, por um lado, que o período decorrido desde o início da legislatura até aqui, “mais a mais nas circunstâncias presentes, é muito exíguo para efectuar qualquer balanço da actuação do actual Governo neste domínio” das florestas. Critica, ainda assim, a falta de diálogo, afirmando que “não deixa de se registar que, em matéria de política florestal, o ministro do Ambiente não estabeleceu até ao momento nenhum processo consultivo ou sequer interacção com esta confederação”.
O PÚBLICO questionou a CAP sobre como está a ser feita a gestão das verbas do PDR 2020 para as florestas e se há boa articulação entre os dois ministérios, já que o Ministério da Agricultura continua a tutelar a gestão do PDR 2020. O presidente da CAP é cáustico. “A confederação não tem qualquer conhecimento de como se processa a articulação entre os dois ministérios na gestão do PDR 2020”, diz Oliveira e Sousa. Aliás, acrescenta: “Estamos extremamente preocupados com a muito baixa taxa de execução da Medida 8 [do PDR 2020 – Protecção e Reabilitação de Povoamentos Florestais] na globalidade”, uma vez que, “no último ano do período de referência do PDR 2020, não atinge sequer os 50% – é de apenas 47%”.
Qualifica, contudo, como “positiva” a abertura a 24 de Março de cinco concursos para candidaturas a projectos de investimento florestal.
“Indústria de base florestal: mais de 8 mil milhões de euros de exportações”
O presidente da AIMMP – Associação das Indústrias de Madeira e Mobiliário de Portugal não conhece “o suficiente para emitir uma opinião com consciência crítica” acerca da gestão que está a ser feita das verbas do PDR 2020 para as florestas e sobre se há boa articulação a este nível entre os ministérios da Agricultura e do Ambiente. Tem, contudo, “ideia de que a transição e a articulação não têm sido pacíficas”.
Já no que toca à transição da tutela das florestas da Agricultura para o Ambiente, Vítor Poças tem mais certezas. “Não percebemos muito bem a necessidade de mudar, designadamente porque a Secretaria de Estado anterior estava a fazer um bom trabalho, e consideramos que a proximidade da floresta à Agricultura parece-nos organicamente mais acertada”.
O presidente da AIMMP apresenta cinco razões para tal afirmação. Primeiro “porque, na prática, [as duas áreas] sempre andaram muito ligadas, segundo porque os proprietários são basicamente os mesmos, terceiro porque o negócio complementa-se na rentabilidade, quarto porque as rupturas com o passado são sempre complexas e, por último, porque não vemos que desta separação saia alguma vantagem que não fosse possível obter com a sua manutenção no Ministério da Agricultura”.
Em todo o caso, Vítor Poças dá o benefício da dúvida. “Também somos capazes de dizer que esta alteração não nos merece oposição, desde que funcione, isto é, o importante é a qualidade da governação e não quem a faz.”
A AIMMP deduz até que “este encosto ao Ministério do Ambiente pode trazer à floresta uma maior proximidade às questões mais relacionadas com a conservação da natureza e eventual potenciação dos fundos comunitários por estas vias”. Mas, para Vítor Poças “é preciso não esquecer que a indústria de base florestal em Portugal representa mais de 8 mil milhões de euros de exportações e sustenta dezenas de milhares de postos de trabalho, sendo o principal factor de valorização dos nossos recursos florestais”. E, “nestes sete meses, assistimos a um enorme afastamento por parte desta estrutura governativa e a um isolamento no mínimo estranho, só compreensível pelas razões da covid-19”.
“PEPAC não deve ignorar a relevância dos sistemas agro-florestais
A Aflosor é uma associação que agrega produtores agro-florestais da região de Ponte de Sor. Representa cerca 120 associados, cujas explorações estão situadas nos municípios de Ponte de Sor, Avis, Mora, Gavião, Alter do Chão e concelhos limítrofes.
Num comunicado a que o PÚBLICO teve acesso, pronuncia-se sobre a reforma da Política Agrícola Comum (PAC 2021-2027) e a “pressão da sociedade europeia no sentido do aumento da protecção dos valores ambientais, da garantia da segurança e qualidade alimentar”. Avisa, no entanto, que “as exigências colocadas ao sector agrícola, embora amplamente justificadas, não devem fazer perigar os actuais sistemas produtivos”, que são “vitais para a sustentabilidade dos territórios, da economia e da sociedade europeias”.
Nesse sentido, a associação defende “uma reforma de carácter conservador, no que se refere à arquitectura das ajudas, e pragmático, no que concerne aos sistemas produtivos a descriminar positivamente”. E deixa um aviso: “O Plano Estratégico da Política Agrícola Comum Português [PEPAC] não deverá ignorar a relevância que adquirirão os sistemas agro-florestais no contexto da futura PAC”, pelo que “será um erro perder uma oportunidade única para os robustecer e expandir, tornando-os elementos estruturantes do desenvolvimento rural e regional”.
A Aflosor dá o exemplo do distrito de Portalegre e do Alto Alentejo, cujos sistemas produtivos são “de elevado valor ecológico, muito extensivos, de frágil sustentabilidade, geradores de produtos de excelência, com destaque para a cortiça, o pinhão, as carnes e os queijos de alta qualidade, e ainda, embora com menor importância [para o sector florestal], para os produtos hortofrutícolas, os azeites e os vinhos diferenciados”.
A fileira da cortiça a nível nacional regista exportações anuais superiores a mil milhões de euros (2018) e Portugal é o líder mundial do sector da cortiça no que toca às exportações. O montado de sobro tem um contributo muito importante para a economia e a ecologia de vários países do Mediterrâneo, ocupando uma área mundial de 2.139.942 de hectares (Portugal: 736.775 hectares, 34%), sendo que a região do Alentejo concentra 84 por cento do montado de sobro no país.