Quem é racista ponha o dedo no ar
Ou passamos a olhar para dentro e decidimos a tempo o Portugal que queremos ou a breve prazo estaremos a reviver pesadelos antigos. Aqui e no resto da Europa.
Feita assim, a provocação, em jeito de ordem, teria pouca adesão. Em mesas de café, em discussões nas redes sociais, em debates no Parlamento, poucos são, hoje, os que assumem ser racistas. Muitos, por uma postura politicamente correta. Outros, porque acreditam não o ser, embora o sejam. Tantos, enfim, porque não o são realmente. O que é, afinal, ser racista?
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Feita assim, a provocação, em jeito de ordem, teria pouca adesão. Em mesas de café, em discussões nas redes sociais, em debates no Parlamento, poucos são, hoje, os que assumem ser racistas. Muitos, por uma postura politicamente correta. Outros, porque acreditam não o ser, embora o sejam. Tantos, enfim, porque não o são realmente. O que é, afinal, ser racista?
A definição do dicionário Houaiss resume ser um “conjunto de teorias e crenças que estabelecem uma hierarquia entre as raças, entre as etnias”. Uma “doutrina ou sistema político fundado sobre o direito de uma raça (considerada pura ou superior) dominar outras”. “Preconceito estremado contra indivíduos pertencentes a uma raça ou etnia diferente, geralmente considerada inferior.” E ainda “atitude de hostilidade em relação a determinada categoria de pessoas”.
A História de Portugal está profundamente marcada por dois blocos de cinco séculos, onde em cada um deles experimentámos posições diferentes enquanto invasores e invadidos. No primeiro, que teve início em 711 – ainda antes da fundação do Reino –, vivemos numa Península ocupada pelos árabes, que acabámos por expulsar primeiro em 1249, e em definitivo da Ibéria em 1492, com a ajuda dos Reis Católicos de Aragão. No segundo, que começou com a conquista de Ceuta em 1415, expandimos largamente o nosso território, tendo terminado no fim da Guerra Colonial, em 1974.
Curiosamente, a visão que temos sobre estes grandes marcos do passado não é consensual. Se no caso da invasão árabe a nossa tradição judaico-cristã nos ajuda a decidir que a expulsão é uma vitória e que a justiça foi reposta, já no caso do Ultramar guardamos um sentimento de tristeza, como se os países que invadimos fossem, de facto, nossos, como se a guerra que travámos devesse ter sido ganha, como se as obras que deixámos compensassem séculos de exploração e opressão.
O racismo em Portugal é profundamente marcado pela colonização. Os portugueses viveram sempre em clara superioridade face aos africanos das colónias, aos brasileiros, aos timorenses, aos chineses de Macau, aos indianos de Goa, mesmo após a abolição da escravatura no século XIX. Construímos escolas e hospitais, mas roubámos séculos de liberdade e de riquezas naturais. E quando deixámos tudo para trás, nunca perdoámos que nos tirassem do sonho.
O racismo ficou desde cedo polarizado. E num processo de guerra interna que assolou muitos dos países por nós ocupados, recebemos durante décadas centenas de milhares de imigrantes africanos que escolheram Portugal para o início de uma nova vida. E com menos escolaridade – nunca efetivamente fomentada pelo colonizador –, menos capacidade financeira, começaram a alastrar-se os bairros étnicos, as desigualdades sociais, os sentimentos racistas. E hoje, com imigrantes a chegarem também de outras geografias, como do Sudoeste Asiático, o padrão discriminatório mantém-se e acentua-se.
São claros e repetidos os argumentos de quem não vê nem compreende a origem do problema. Repetem-se os bons exemplos de integração entre a comunidade negra, de progressão nas carreiras, de chegada a cargos de topo, tal como Obama o conseguiu nos EUA. Mas continua a não ser uma árvore a fazer uma floresta nem uma gota a formar um oceano. E nem o facto de termos um amigo negro, que exibimos tantas vezes como uma flor na lapela, faz de nós pessoas mais tolerantes e justas.
Olhamos para os EUA e as opiniões dividem-se cada vez mais. Uma fratura que já teve expressão nas eleições que elegeram Trump, que é hoje visível no Brasil de Bolsonaro, na França de Le Pen, no Portugal de Ventura. E ou passamos a olhar para dentro e decidimos a tempo o Portugal que queremos ou, a breve prazo, estaremos a reviver pesadelos antigos, em que o poder se faz pela força e a ilusão da superioridade nos cegará, outra vez, por várias décadas. Aqui e no resto da Europa.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico