Vírus no ensino superior
A intenção cada vez mais evidente de generalizar o ensino à distância no ensino superior no próximo ano letivo constitui uma ameaça à sobrevivência dos cursos e instituições.
A atual crise sanitária tem-se revelado um contexto propício à propagação de vírus agressivos para a saúde do ensino e da aprendizagem nas universidades e politécnicos. Há quem pretenda aproveitar a rápida e adequada resposta dos docentes e das instituições à emergência pandémica que se declarou em março para instalar, de forma perene, algo que erradamente se designa de ensino à distância, em que se aumenta exponencialmente o número de alunos por turma, se eliminam unidades curriculares e se diminuem as horas de contacto entre estudantes e professores.
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A atual crise sanitária tem-se revelado um contexto propício à propagação de vírus agressivos para a saúde do ensino e da aprendizagem nas universidades e politécnicos. Há quem pretenda aproveitar a rápida e adequada resposta dos docentes e das instituições à emergência pandémica que se declarou em março para instalar, de forma perene, algo que erradamente se designa de ensino à distância, em que se aumenta exponencialmente o número de alunos por turma, se eliminam unidades curriculares e se diminuem as horas de contacto entre estudantes e professores.
Como tantos de nós têm vindo a afirmar, o que se vem fazendo é um “ensino de emergência” numa lógica de profissionalismo voluntarista que procura responder a uma crise de saúde pública. O verdadeiro ensino à distância é algo de diferente, sendo que a intenção cada vez mais evidente de o generalizar no Ensino Superior no próximo ano letivo constitui uma ameaça à sobrevivência dos cursos e instituições.
O elevado grau de virulência do vírus que presentemente ameaça o Ensino Superior é bem notório nas intenções já anunciadas por alguns dirigentes de universidades e politécnicos. Veja-se a tentativa de duplicar ou triplicar o número de alunos por turma até atingir 300 participantes numa sessão Zoom. Atente-se na opção por atividades letivas maioritariamente à distância (num caso refere-se 30% de aulas presenciais para 70% à distância), subvertendo repentinamente estratégias de ensino longamente pensadas e testadas pelos professores e um quadro legal e normativo que apenas reconhece uma universidade em Portugal a funcionar segundo um modelo de ensino virtual – a Universidade Aberta. De resto, o modelo pedagógico desta universidade apresenta especificidades significativas, face às restantes, na organização do trabalho docente e nos apoios humanos e materiais a ele inerentes.
Palestras gravadas e tutoriais em vídeo estão disponíveis online sem necessidade de pagamento de propinas, mas ainda que possam ser recursos para enriquecer as estratégias de ensino dos professores não substituem a interação presencial. A educação emana, precisamente, do encontro entre pessoas que expõem e debatem ideias e procedimentos, que concretizam experiências e atividades práticas. As relações que se estabelecem entre estudantes e professores são um elemento crucial dos processos de ensino-aprendizagem e fundamentais para prevenir o abandono precoce do sistema educativo, procurando atenuar oportunidades socialmente desiguais de sucesso no decurso dos percursos académicos.
Inversamente, como foi possível observar durante este semestre, o “ensino de emergência” acentua as desigualdades existentes entre os estudantes nas suas casas, famílias e comunidades, as quais têm como face mais visível o acesso díspar a computadores e à própria internet. Sabemos também que o ensino à distância enfrenta, recorrentemente, a questão premente do abandono dos estudantes durante os seus percursos de aprendizagem. Eliminar a possibilidade do encontro entre professores e a diversidade de alunos que frequentam os cursos e as instituições é uma opção que arrisca contribuir para o aumento do número dos que desistem de frequentar as universidades e os politécnicos. E tal é particularmente preocupante num país como Portugal, onde os níveis de escolarização superior são ainda baixos por comparação com o que se verifica em geral nos países europeus.
A atual propagação deste vírus no Ensino Superior ameaça os estudantes e os seus percursos de aprendizagem, retirando-lhes a oportunidade de usufruir da experiência de viver nos campi e de interagir presencialmente com outros estudantes e com os professores. Por isso, existem já movimentações de grupos de estudantes que rejeitam o ensino à distância como modo de funcionamento instantaneamente implementado em instituições de Ensino Superior sem experiência prévia nesse regime. Mas a propagação deste vírus ameaça também os docentes, deixando muitos deles desempregados e outros tantos sem condições adequadas para trabalhar em educação e ciência.
Se o Ensino Superior tem colaborado significativamente no combate à crise pandémica, é preciso garantir para o mesmo as condições de saúde necessárias para, com o apoio de mais e melhor educação e ciência, ultrapassarmos a crise económica e social que se avizinha.
A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico