Telestudo e teletrabalho: novo modo de vida?
Apesar das enormes incertezas de vária ordem que permanecem, sente-se um vento novo que sopra e que esperemos que leve a economia por caminhos inovadores.
A necessidade do confinamento, na maioria dos países, levou a um desenvolvimento maciço do regime de teletrabalho e a diferentes reações perante este fenómeno. Para alguns tornou-se tão somente uma ferramenta necessária em tempos de emergência, para outros um novo paraíso libertador dos constrangimentos quotidianos.
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A necessidade do confinamento, na maioria dos países, levou a um desenvolvimento maciço do regime de teletrabalho e a diferentes reações perante este fenómeno. Para alguns tornou-se tão somente uma ferramenta necessária em tempos de emergência, para outros um novo paraíso libertador dos constrangimentos quotidianos.
A verdade é que o deflagrar da pandemia levou muitos quadros e profissionais liberais a concretizarem o velho sonho de se instalarem no campo, em regiões afastadas dos grandes centros urbanos, mas com boas condições para trabalhar em ambiente rural.
As residências secundárias tornaram-se novos portos de abrigo, com a organização do trabalho à distância, com maior ou menor disciplina de horários no trabalho individual e nas interações com as equipas da empresa ou do escritório, através do uso de funcionalidades como o Zoom e o Teams.
No entanto, para outros, principalmente para os que têm filhos em idade escolar, a realidade tornou-se mais complicada, com o teletrabalho e a necessidade de acompanhamento e gestão simultânea das aulas, criando-se uma clara desigualdade.
É evidente que a atenção e as preocupações dispersas por diferentes situações não podem deixar de afetar a qualidade e a produtividade do trabalho desenvolvido e a atenção a dedicar ao enquadramento dos filhos. Quantas crianças terão possibilidade de acompanhar a telescola? Quantos têm computador? Quantos pais podem acompanhá-los? Miséria.
Se numa residência grande, com espaços vastos, esta organização das coisas ainda pode ser temporariamente gerível, numa pequena casa situada em meio suburbano tudo se torna mais difícil e faz aflorar com crueza o problema do agravamento das desigualdades sociais e culturais, associado à crise da covid-19 e ao confinamento.
Também a natureza da atividade desenvolvida por cada um influencia o modo como vive e se adapta ao teletrabalho, com clara vantagem para os dirigentes e quadros seniores em final de carreira e com maiores dificuldades para trabalhadores jovens, com filhos em casa e maior pressão do trabalho e dos objetivos que lhes são impostos para terem sucesso na carreira, o que cria ainda outro tipo de desigualdades.
Por outro lado, com a avalanche de teletrabalho começa a notar-se nas empresas e noutras organizações uma excessiva formalização e até burocratização do trabalho, implícita no modo como ele é executado, com consequências negativas sobre a criatividade, a inovação e a saudável emulação entre os seus elementos, sendo que o afastamento físico cria o risco de o laço social e profissional entre os colaboradores, os dirigentes e o resto da organização se distender de forma a que os objetivos a alcançar se diluam num individualismo levado ao extremo.
A progressiva cessação do confinamento levou a que a maior parte das pessoas, saturadas com as intermináveis teleconferências inerentes à fase aguda da crise (a “hibernação” das empresas e organizações), tenha encarado com renovado prazer o reencontro físico com os colegas e com as equipas, o regresso à liberdade de realização do ser humano enquanto ente eminentemente social.
Claro que importa salvaguardar as cautelas e as barreiras de proteção que, até existir uma vacina ou um tratamento absolutamente eficaz para a covid-19, se terão de manter.
No setor dos serviços, hoje dominante, será possível, na sociedade pós-covid-19, surgir uma alteração estrutural e duradoura dos hábitos laborais, provavelmente através da combinação de um ou dois dias de teletrabalho semanal com trabalho presencial nos restantes dias.
Ora, esta combinação de formas tradicionais de trabalho e de novas formas de o fazer, incluindo horários desfasados, deverá permitir uma melhor vivência das grandes cidades e ter efeitos virtuosos decisivos sobre a redução das deslocações pendulares entre a residência e o local de trabalho, para os que habitam nas cidades e vilas das zonas metropolitanas, bem como aliviar a pressão sobre os transportes públicos, com consequências positivas em termos de ambiente e de redução da pegada carbónica.
A adaptação aos diferentes contextos de diferentes ramos de atividade é uma das condições essenciais, do lado da oferta, para o sucesso de um rápido relançamento da economia.
Apesar das enormes incertezas de vária ordem que permanecem, sente-se um vento novo que sopra e que esperemos que leve a economia por caminhos inovadores (na saúde, robotização racionalizada, tecnologias amigas do ambiente, revolução no automóvel e na aeronáutica), com a indispensável componente social que permita uma verdadeira igualdade de oportunidades.
A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico