O direito dos avós ao convívio com os netos
Não deixa de ser lamentável que um avô, tipicamente no ocaso da vida, seja forçado a fazer valer em tribunal um direito elementar como o é conviver com os seus netos, mas assim sucede em cada vez maior número de situações.
Os nossos mais velhos vivem tempos particularmente difíceis. A covid-19 é especialmente perigosa para eles e muitos cidadãos seniores hesitam em sair de casa e contactar com outras pessoas, com natural receio de contágio. Assim, muitos têm estado privados do convívio com filhos e netos.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Os nossos mais velhos vivem tempos particularmente difíceis. A covid-19 é especialmente perigosa para eles e muitos cidadãos seniores hesitam em sair de casa e contactar com outras pessoas, com natural receio de contágio. Assim, muitos têm estado privados do convívio com filhos e netos.
Existem, porém, avós que, com ou sem pandemia, estão sempre impedidos de contactar com os netos. E tal sucede porque os seus próprios filhos, ou genros e noras, o proíbem.
Vivemos uma época em que os filhos aparecem cada vez mais tarde na vida, o que tem como consequência que muitas crianças já não nascem a tempo de conhecer os seus avós. Ou então a idade destes é já tão avançada que o convívio entre uns e outros é limitado, seja no tempo, seja na qualidade. Daí ser especialmente lamentável que, nalguns casos, esse convívio só não aconteça por razões meramente fúteis.
Conviver com os avós é especialmente importante na medida em que proporciona às crianças um sentimento de pertença a uma família mais alargada, fundamental no seu processo identitário. Por outro lado, existem memórias e vivências afetivas que apenas os avós são capazes de proporcionar, contribuindo para a integração numa história coletiva.
Guardo com especial carinho as memórias das minhas avós, que tive a grata fortuna de conhecer, e com quem convivi longamente durante a minha infância e, no caso de uma delas, até à idade adulta. Recordo, em especial, o amor sem fim e as histórias de tempos idos. Ficará tudo comigo, para sempre.
É claro que, em determinados casos, se justifica que um avô ou avó seja impedido de conviver com o neto, nomeadamente nos casos em que tal convívio é prejudicial para a criança. Serão situações de abuso, quer físico, quer psicológico, do qual nenhum benefício poderia resultar para a criança. No entanto, esses casos serão uma ínfima minoria do total. Na maior parte das situações, os impedimentos ao convívio entre avós e netos resultam de conflitos com os pais e a que as crianças são totalmente alheias.
E o que poderão, então, fazer estes avós ilicitamente impedidos de contactar e conviver com os netos?
A nossa lei (art. 1887º-A do Código Civil) prevê que os progenitores não poderão privar as crianças do convívio com os avós e outros ascendentes (bisavós, por exemplo). Este impedimento apenas poderá ocorrer em situações em que, de forma fundamentada, se verifique que esse convívio compromete o bem-estar da criança.
Um avô ou avó que, sem razão atendível, seja impedido de conviver com os netos, deverá recorrer ao tribunal de família e menores com o propósito de obter uma sentença que estipule um regime de contactos e visitas. Tal regime será em tudo similar àquele que é estabelecido no caso de pais separados ou divorciados, prevendo dias e horas de convívio entre uns e outros.
Não deixa de ser lamentável que um avô, tipicamente no ocaso da vida, seja forçado a fazer valer em tribunal um direito elementar como o é conviver com os seus netos, mas assim sucede em cada vez maior número de situações. Num país em que muitos idosos são recorrentemente abandonados pelos seus familiares em lares e hospitais, talvez não seja de espantar…
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico