I May Destroy You, Michaela Coel e o consentimento na HBO

A nova série da criadora de Chewing Gum é inspirada na vida da própria actriz, e mostra uma escritora a lidar com o que acontece depois de ter sido abusada sexualmente num bar e não se lembrar de nada.

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Michaela Coel é a criadora e protagonista de I May Destroy You HBO

Num bar londrino, um grupo de pessoas dança ao som de Flowers, do grupo Sweet Female Attitude, um clássico UK garage do ano 2000. Todos sabem a letra, saltam e divertem-se. Mas isto, que acontece no primeiro episódio de I May Destroy You, não é o momento de descontracção, diversão e celebração da vida que poderia parecer à partida.

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Num bar londrino, um grupo de pessoas dança ao som de Flowers, do grupo Sweet Female Attitude, um clássico UK garage do ano 2000. Todos sabem a letra, saltam e divertem-se. Mas isto, que acontece no primeiro episódio de I May Destroy You, não é o momento de descontracção, diversão e celebração da vida que poderia parecer à partida.

Arabella, a protagonista desta série, uma produção conjunta da BBC e da HBO cujo primeiro episódio se estreou esta segunda-feira na HBO Portugal, é uma escritora que fez sucesso com os seus pensamentos no Twitter e depois os transformou em livro. Está a ser pressionada para entregar um rascunho do segundo livro e, durante uma maratona de escrita madrugada fora na editora para a qual está a escrever, decide ir ter com amigos a um bar.

Depois disso, as memórias são difusas. Acorda, confusa, com uma ferida na cabeça e sem saber o que aconteceu naquela noite, naquele bar, naquele momento, à excepção de alguns flashes que lhe vêm à cabeça esporadicamente, com a cara de alguém que poderá ou não ter abusado sexualmente dela. Serão memórias reais? Será a sua imaginação? Com o tempo, Arabella acaba por perceber que alguém lhe pôs algum tipo de droga na bebida e que foi violada. Mas quem?

Estas questões, que provavelmente não serão resolvidas, estão na génese da série criada e protagonizada por Michaela Coel – um dos maiores talentos da televisão britânica, começou na poesia e no teatro e foi, em 2015, a responsável por Chewing Gum, comédia de desconforto sobre a exploração da sexualidade que está disponível na Netflix. Foi enquanto estava a fazer Chewing Gum, numa sessão de escrita de fora-de-horas que antecedeu a entrega do argumento de um episódio, que a própria Coel foi abusada sexualmente, quase nos mesmos moldes que Arabella, o que serviu de inspiração para esta nova série.

I May Destroy You, de 12 episódios, alguns deles co-realizados por Coel, é menos abertamente cómica do que Chewing Gum, mas continua a ter muita piada, da melhor forma possível numa série com um tema tão pesado. Mantém a exploração do desconforto, com cenas que começam tristes e acabam hilariantes, ou vice-versa, e é talvez um veículo melhor para a voz de Michaela Coel enquanto autora. Pelo meio, vai tratando de temas de racismo, sexismo e relações de poder entre as pessoas. Tudo de forma orgânica, sem didactismo, naturalmente. O consentimento que está no cerne desta história diz respeito a Arabella e aos seus amigos, mas também a uma certa geração, hoje no início da casa dos 30, que cresceu com a Internet.

Com Coel, óptima no papel principal, contracenam, encarnando os melhores amigos de Arabella, Weruche Opia (em destaque num excelente episódio regado a drogas passado em Itália) e Paapa Essiedu (um personal trainer que passa a vida no Grindr), também eles às voltas com os seus próprios problemas com o consentimento e as relações. E há uma óptima banda sonora, com nomes como Tierra Whack a ouvirem-se, e bem, no primeiro episódio.