Um planeta, um oceano: rumo ao desenvolvimento sustentável
A emergência climática, a destruição da biodiversidade, as novas formas de poluição, a acidificação dos mares, o aumento de zonas desoxigenadas, são desafios globais que exigem soluções partilhadas.
Celebra-se hoje o Dia Mundial dos Oceanos. Por outro lado, assinala-se este ano o 25.º aniversário da Comissão Mundial Independente para os Oceanos (CMIO), iniciativa pioneira de governação multilateral do oceano para o século XXI, presidida por Mário Soares e coordenada por Mário Ruivo. E, se não fosse a covid-19, ter-se-ia realizado em Lisboa, por estes dias, a Segunda Conferência do Oceano das Nações Unidas, organizada por Portugal e o Quénia. A pandemia obrigou a adiá-la, mas não a cancelá-la. Realizar-se-á logo que seja possível. Entretanto, têm lugar iniciativas e eventos digitais, que mantêm vivo um dos grandes objetivos da Agenda do Desenvolvimento Sustentável, que é ter oceanos saudáveis e produtivos.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Celebra-se hoje o Dia Mundial dos Oceanos. Por outro lado, assinala-se este ano o 25.º aniversário da Comissão Mundial Independente para os Oceanos (CMIO), iniciativa pioneira de governação multilateral do oceano para o século XXI, presidida por Mário Soares e coordenada por Mário Ruivo. E, se não fosse a covid-19, ter-se-ia realizado em Lisboa, por estes dias, a Segunda Conferência do Oceano das Nações Unidas, organizada por Portugal e o Quénia. A pandemia obrigou a adiá-la, mas não a cancelá-la. Realizar-se-á logo que seja possível. Entretanto, têm lugar iniciativas e eventos digitais, que mantêm vivo um dos grandes objetivos da Agenda do Desenvolvimento Sustentável, que é ter oceanos saudáveis e produtivos.
No quarto de século que decorreu desde a fundação da CMIO, muito mudou na relação de Portugal com o mar. O facto mais notório foi a apresentação do projeto de extensão da plataforma continental, cuja avaliação está em curso. A extensão conduzirá a um considerável alargamento dos espaços marítimos sob jurisdição nacional e, portanto, a acrescidas responsabilidades nas questões ligadas à conservação, defesa e governação do oceano.
Outros processos marcaram a evolução portuguesa neste período. No plano interno, as mudanças institucionais que clarificaram e qualificaram competências políticas e administrativas; a atenção à economia azul e o estabelecimento de clusters do mar; o lançamento do Perfil Nacional em Ciências do Mar e a expansão do sistema de investigação e desenvolvimento; a integração nas políticas públicas da dimensão de conservação do espaço marinho; o investimento em literacia oceânica, com o programa Escola Azul. No plano externo, o acolhimento da sede de organizações como o EurOcean ou a Agência Europeia da Segurança Marítima; e, sobretudo, o posicionamento como um país-líder da agenda mundial dos oceanos, o que levou a que fôssemos um dos cofacilitadores da Primeira Conferência das Nações Unidas sobre o Oceano e sejamos coorganizadores da Segunda.
Muito mudou, também, na abordagem global desta temática. E dois aspetos sobressaem. Um é a elaboração de novos tratados na governação internacional, como a convenção sobre biodiversidade marinha para além das jurisdições nacionais, de que Portugal é um dos principais impulsionadores. O outro aspeto é o papel central da investigação científica e da consciência ambiental.
A emergência climática, a destruição da biodiversidade, as novas formas de poluição, a acidificação dos mares, o aumento de zonas desoxigenadas são desafios globais que exigem soluções partilhadas. Só a abordagem multilateral permitirá preservar o património comum que é o oceano; e só a cooperação internacional permitirá apoiar os pequenos países insulares e os Estados costeiros mais frágeis e vulneráveis face às ameaças ambientais. A chave está, pois, em reconhecer que esta é uma tarefa coletiva, porque o mar atravessa fronteiras, e requer o empenhamento de todos. É a conclusão lógica dos trabalhos de entidades como a CMIO ou a Comissão Oceanográfica Intergovernamental; e é o que mostram os programas internacionais que já lograram progressos em pontos tão críticos como o incremento das áreas marinhas protegidas, a melhoria das tendências populacionais de algumas espécies marinhas, como os cetáceos, a diminuição dos derrames de crude no mar, a melhoria da qualidade das águas costeiras e a redução de poluentes orgânicos persistentes. Quando compreendemos que temos de cooperar para assegurar uma governação global, equilibrada e baseada no conhecimento, conseguimos progressos concretos.
É cada vez mais necessário basear as decisões no conhecimento. E isso significa combater a desinformação e as falsas notícias, assim como denunciar a chamada pós-verdade. A mentira e a ignorância destroem o nosso modo de vida, precisamos de mais ciência.
Em Portugal, o investimento forte na ciência e na melhoria do conhecimento dos fundos oceânicos permitiu avançar com uma proposta de extensão da plataforma continental jurídica e cientificamente sustentada. Foram também as provas científicas sobre a ameaça das alterações climáticas que nortearam a escolha política de rumar à neutralidade carbónica, até 2050.
No quadro internacional, a ciência oceânica tem revelado a complexa teia de relações existentes entre a atmosfera, o oceano e o clima, indicando potenciais soluções para alguns dos problemas mais prementes que enfrentamos. Por exemplo, o restauro de ecossistemas marinhos e costeiros, como as pradarias marinhas, os sapais e os mangais, contribui para vários fins: para o combate às alterações climáticas, fixando carbono; para a proteção da biodiversidade e de espécies ameaçadas, dependentes desses habitats; para a resiliência de recursos pesqueiros, porque eles funcionam como berçários para espécies com valor comercial; e para gerar modelos de negócio inovadores, alicerçados em tecnologias de ponta e focados na sustentabilidade, criando, assim, uma nova era de economia azul sustentável. O uso de energias renováveis, em conjugação com tecnologias de dessalinização, mitiga o drama da falta de água potável, que, num contexto de aquecimento global, afetará muitas comunidades a médio prazo. E, não menos importante, o melhor conhecimento disponível demonstra, também, quão urgente é realizar reformas na agricultura, nas florestas, nas cidades, nos transportes, na habitação, na gestão dos plásticos e na energia que utilizamos na vida urbana, pois muitas das ameaças e riscos para o oceano são produzidas a montante.
Foi a consciência deste complexo de inter-relações e da necessidade de compreendê-las bem que levou ao lançamento da Década das Nações Unidas da Ciência do Oceano para o Desenvolvimento Sustentável, 2021-2030. E traduz-se no lema escolhido para este Dia Mundial dos Oceanos: “Inovação para um Oceano Sustentável.” A inovação não é apenas um elo entre o conhecimento científico, o crescimento económico e a geração de emprego. É um ingrediente essencial da transformação social em curso.
Inovação e sustentabilidade, conhecimento e governação. O pleno aproveitamento da enorme riqueza representada pelo oceano implica conhecê-lo, através da investigação. Implica cuidar dele, como património comum e bem público essencial da humanidade, combatendo a poluição, restaurando os ecossistemas, preservando a biodiversidade. Implica aproveitar os recursos de forma sustentável, olhando para o médio e o longo prazo, impedindo a sobre-exploração que os destrói. Implica inovar, fazendo assentar a economia azul em modelos de negócio amigos do ambiente. Implica pôr em prática modelos cooperativos de governação, envolvendo Estados e organizações internacionais, que promovam a segurança e livre circulação dos mares e o acesso equitativo aos recursos e oportunidades.
O Dia Mundial dos Oceanos convida-nos a pensar coletivamente em todos estes desafios; e interpela-nos a agir coletivamente para vencê-los.
Os autores escrevem segundo o novo Acordo Ortográfico