Mação e Pedrógão: unidos pela tragédia, separados pela estratégia
Mação tem cadastro desde a década de 1980 e era “um excelente aluno das boas práticas florestais”, o que não tem impedido que o fogo entre no concelho. Três anos após os últimos incêndios, prepara um plano integrado de gestão profissionalizada da floresta com os proprietários, associações e os municípios vizinhos. Igualmente dizimado pelo fogo, Pedrógão Grande desconhece a propriedade de muitas parcelas, ainda não removeu toda a madeira queimada em 2017 e arranca lentamente para a criação de faixas de gestão de combustível. Retrato de dois concelhos marcados pela interioridade e o minifúndio.
Pela Estrada Nacional 2, que liga Mação à Sertã e segue depois em direcção a Pedrógão, são menos de 70 quilómetros entre as duas vilas, mas sai-se de um concelho e entra-se no outro e é quase como quem muda da água para o vinho. Ou do vinho para a água.
Quem percorre as vias rodoviárias principais e secundárias e até alguns caminhos de Mação (distrito de Santarém) e de Pedrógão Grande (distrito de Leiria) e fala nas ruas, na beira da estrada ou na sede de associações com habitantes, pequenos empresários, proprietários florestais e elementos das forças vivas locais, é assaltado por um sentimento óbvio: as assinaláveis similitudes entre os dois concelhos e as diferenças abissais entre as duas realidades do interior de Portugal.
Em ambos os territórios domina a desertificação e o despovoamento. Mação contava 6.388 habitantes em 2018, menos 1.063 do que em 2010, e Pedrógão registava 3.454 em 2018, menos 511 que em 2010, segundo o portal Pordata.
Em ambos é visível o envelhecimento populacional (por cada 100 jovens, há 491 idosos em Mação e 284 em Pedrógão) e a idade e fragilidade de muitas construções – e alguma destruição, até pelo fogo –, assim como é notória a escassa vida social, comercial e económica em pleno dia, também devido às limitações de circulação impostas pela pandemia.
Em ambos reina o minifúndio. Há 40 mil hectares de propriedade florestal e 80 mil prédios rústicos diferentes, todos cadastrados, em Mação. Em Pedrógão Grande, que está longe de conhecer os donos de todas as parcelas, chega a haver “uma propriedade com 10 metros quadrados de área com uma árvore plantada no meio que não é do mesmo proprietário”, relata ao PÚBLICO a jovem empresária florestal Rita Carvalho.
Ao longo de ambos os municípios prevalece o eucalipto sobre o pinheiro ou outras espécies arbóreas florestais. E há demasiadas réstias, físicas e emocionais, dos traumáticos incêndios de Junho de 2017 e de outros igualmente devastadores na região (2003, por exemplo). Dezenas, centenas, milhares de árvores permanecem de pé, apesar de queimadas, a algumas só restando o tronco negro e frágil à espera que um vendaval as tombe.
Na famigerada Estrada Nacional 236, que faz a ligação de Castanheira de Pera para Figueiró dos Vinhos, ali ao pé de Pedrógão, onde pereceram – entre encarceramentos, atropelamentos e acidentes – 47 pessoas em escassas centenas de metros, está quase tudo à flor da pele. Ainda é visível, três anos depois, o alcatrão escurecido, um sobreiro enegrecido despido de cortiça em cujo tronco um carro embateu e derreteu, e também zero ou quase nenhuma limpeza das bermas junto aos rails, nos quais jazem amarrados, de onde em onde, ramos de flores artificiais descoloradas pelo tempo.
Em ambos os concelhos, ultrapassadas as limitações de confinamento decorrentes do estado de emergência associado à pandemia da covid-19, começaram por estes dias as limpezas, obrigatórias, das faixas de gestão de combustível até 10 metros junto às vias rodoviárias. Estão a ser asseguradas por bombeiros sapadores em Mação e por empresas privadas contratadas pela autarquia em Pedrógão Grande. O PÚBLICO acompanhou no terreno três dessas acções, uma em Mação e duas em Pedrógão.
Mação prepara estratégia colectiva multi-fundos para a floresta
Chegámos a Mação. A torre sineira toca às nove e meia em ponto e convoca-nos para a sede da Aflomação – Associação Florestal do Concelho de Mação, mesmo em frente à igreja matriz. Pelas dez, há-de chegar António Louro, vice-presidente da autarquia com os pelouros da floresta e da prevenção de incêndios.
A Câmara é liderada pelo social-democrata Vasco Estrela, mas há décadas que é pelas mãos deste engenheiro de produção animal que passa todo o pensamento estratégico para a floresta da região.
Há no concelho “uma antiga e assumida preocupação municipal com o planeamento, o ordenamento e o mapeamento do território”, diz ao PÚBLICO António Louro. “Mação tem várias características comuns a todos os municípios aqui à volta, que é o minifúndio. Aqui é dramático. O concelho tem cerca de 40 mil hectares, dividido em 80 mil prédios rústicos. E, ao contrário do resto do país ao norte do Tejo, nós temos cadastro desde final da década de 1980.”
Entretanto, conta Louro, “a floresta, que era uma das riquezas mais importantes, começa a arder nessa altura. Na década de 1980 começam os grandes fogos.” Em termos de área, “o pinheiro-bravo e o eucalipto devem estar muito perto, mas, em importância económica, o eucalipto domina, porque os pinheiros com valor comercial desapareceram”.
Nos anos de 1980/90, “tentou-se instalar um sistema de vigilância com carrinhas no território, que se contratava todos os anos, com kits e equipamento de água em cima, ou seja, na prática, fazíamos aquilo que o país faz hoje com os sapadores”, diz o autarca.
O município investiu numa rede de comunicações rádio. Também “fez um grande investimento na melhoria dos caminhos, porque era fundamental para a acessibilidade à floresta”. E porque “uma das grandes preocupações para o combate era a água, criou-se uma rede de pontos de água na floresta para abastecer as viaturas”. Foram criadas seis ZIF (zonas de intervenção florestal) de gestão total, que envolvem “entre 3500 a 4000 proprietários e co-proprietários”. “Fizemos um conjunto de políticas que foram pioneiras em termos nacionais”, garante o autarca. “Criámos uma ferramenta de monitorização dos grandes fogos que foi estendida ao distrito e o país até já começa a ter uma ferramenta similar.” Em suma: “No final dos anos 1990, Mação era um excelente aluno das boas práticas florestais – acessibilidades, vigilância, diminuição do tempo de chegada ao incêndio, melhoria das comunicações.” No entanto, “nunca fizemos uma coisa: ir para o terreno e implementar uma nova forma de gestão”, aponta António Louro.
E é aqui que, por iniciativa do ex-ministro da Agricultura Luís Capoulas Santos, é proposto “um modelo de intervenção diferenciado para intervir nestes territórios”. “O que está em curso, com o apoio do novo secretário de Estado das Florestas e agora no ministério do Ambiente, é fazer nestes cinco concelhos – Mação, Sertã, Vila de Rei, Oleiros e Proença-a-Nova – uma intervenção integrada em termos territoriais”.
Estão envolvidos representantes dos ministérios da Agricultura, da Economia, do Ambiente e do Planeamento. Ao nível local, estão representadas as associações de produtores florestais, vários municípios, a Associação de Produtores de Pequenos Ruminantes e uma associação de apicultura, o INCF – Instituto de Conservação da Natureza e a Direção-Geral do Território.
E entendem-se, todas estas entidades?, questionamos. António Louro admite algum espanto, mas diz que sim, porque “as entidades acabam por comungar, quer da preocupação, quer da necessidade de promover uma alteração substancial”.
Já houve “várias reuniões preparatórias e, como as coisas começam a estar mais claras, estamos na fase de iniciar o contacto efectivo com os proprietários, agora que começa a estar claro o bolo de ajudas disponíveis”. “Vai haver uma possibilidade de utilização de multi-fundos, quer com candidaturas ao PDR [Programa de Desenvolvimento Rural] nas medidas que estão abertas para todos e que ainda têm dotação financeira disponível, quer com uma candidatura específica ao Fundo Florestal Permanente e ao Fundo Ambiental”, adianta António Louro.
“A única solução para fazer uma gestão como deve ser”
Ainda “não há um orçamento fechado”, mas há “um recado” que António Louro diz ser “muito importante passar”: “O país tem de se consciencializar de que aquilo que precisa de fazer para ter alguma sustentabilidade no território vai custar bastante dinheiro. Vai ser oneroso, sob pena de, se isso não acontecer, não ser possível parar este ciclo dos grandes incêndios.”
Para o vice-presidente da autarquia de Mação, este modelo da gestão conjunta é o caminho, porque “centrar o problema no combate aos incêndios é gastar recursos imensos e voltar sempre ao mesmo”. Dito de outra forma: “É como por a Juventus a contratar os ‘ronaldos’ deste mundo e depois perder aos 20-0.”
Carlos Marques concorda com o plano proposto pela autarquia para a gestão profissionalizada da floresta. É de Mação, onde tem 50 hectares de floresta, entre a que é sua e a que herdou do pai. É engenheiro mecânico de formação, está reformado, trabalhou 36 anos na Siderurgia Nacional, vivia em Lisboa, cidade onde residem os dois filhos médicos e os três netos (o quarto a caminho), e onde sempre regressa com a mulher quando os descendentes “precisam”.
Nos incêndios de 2017, as perdas estimadas “rondaram os 80 mil euros”. Tirando “algum azeite, fruta e vinho, não tiro grande rendimento da floresta”, assume Carlos. “Faço isto por carolice”, diz ao PÚBLICO. Desde os últimos fogos, não fez “nenhum investimento” na floresta nem abateu os pinhais ardidos. “Umas árvores secaram, outras regeneraram.”
Diz-se satisfeito com o projecto de gestão integrada que a Câmara está a preparar com várias entidades e municípios vizinhos para a floresta da região. “A associação [Aflomação] é que vai fazer toda a gestão, nós somos apenas os proprietários e vai haver apoios”, reconhece, assumindo que essa “é a única solução”: “Não tenho hipótese de fazer uma gestão profissionalizada como deve ser.”
Pedrógão desconhece proprietários florestais
Em Pedrógão Grande, concelho liderado pelo autarca Valdemar Alves, que à data dos incêndios de 2017 era eleito pelo PSD e foi reeleito com maioria absoluta nas eleições autárquicas de 1 de Outubro de 2017 pelo PS, é notório o cada-um-por-si.
A autarquia não dispõe de verbas suficientes para limpeza das vias municipais. E os privados, obrigados por lei à manutenção dos terrenos nas áreas rurais, também não. Admite “levantar autos”.
“Houve uma calendarização para três anos para limpar toda a rede viária secundária”, que custa à Câmara “cerca de 1300 euros por hectare”, explicou ao PÚBLICO Rui Alves, técnico da Protecção Civil do município. Está a ser levada a cabo aos poucos. “Em 2019 foram executadas as faixas desse ano e agora estamos a limpar ao longo de 119 hectares na rede secundária, que é o que está estipulado para este ano”, disse.
Nas vias junto às propriedades florestais por onde o PÚBLICO passou, entre elas a que vai para Nodeirinho (freguesia que perdeu 11 habitantes nos fogos de 2017), são poucos os particulares que têm a limpeza das bermas feita. Na estrada que vai na direcção de Figueiró dos Vinhos há silvas, acácias e mimosas ao longo das bermas, bem junto ao alcatrão. E o PÚBLICO viu pelo menos dois grandes amontoados de toros de madeira junto à estrada, cortados e visivelmente ali deixados há muito, por entre os quais já crescem longas silvas e outras espécies invasoras que são combustível fácil em caso de crime, descuido humano ou causa natural.
O PÚBLICO confrontou Rui Alves com a existência deste amontoado de toros de madeira. “É da nossa responsabilidade, sim. Se está lá, vai sair”, garantiu, revelando, “este ano, já reparámos 130 quilómetros de caminhos em área florestal no concelho”. Mostrou-nos, aliás, no terreno duas operações de desbaste que estão a ser executadas por uma empresa prestadora de serviços contratada pela Câmara para assegurar as faixas de 10 metros de gestão de combustível.
“Falta-nos gente em Pedrógão”
Em Vila Facaia grassa todo o tipo de espécies invasoras e biomassa florestal na berma das estradas. O PÚBLICO falou com José Carlos Coelho, dono da Funerária José Carlos Coelho, que nos incêndios de 2017 perdeu três carrinhas funerárias guardadas num armazém na aldeia, bem como três motorizadas, seis bicicletas. Além disso, viu os móveis e fios da própria habitação, que é contígua, totalmente destruídos.
“Os acessos aos caminhos estão tapados, as árvores queimadas caíram em cima desses caminhos e não se consegue passar. No outro dia fui e tive de voltar para trás. As árvores caíram e ali ficaram. Se houver um novo incêndio, eu digo-lhe: os carros dos bombeiros não conseguem lá ir. Nem um tractor lá passa. Há valas de metro. Eu às vezes até me pergunto: se alguém que ande por lá a trabalhar tiver um acidente, como é que lá chegam os meios de socorro?”
A Câmara assume. “Há muitos privados que executam a limpeza que é da sua competência, mas outros…”, diz o técnico municipal da Protecção Civil, Rui Alves. “Na floresta privada há muito minifúndio e há parcelas sem dono conhecido.” E isso é “uma dificuldade”, constata. Não falando na “desertificação do interior”. E na falta de “cadastro”.
Em todo o caso, a Câmara já conseguiu identificar “mais de 130 proprietários” ao redor do polígono industrial de Pinheiro Bordalo, onde está instalada a Enerpellets – unidade industrial de fabrico de pellets, combustível 100% natural e renovável produzido a partir de resíduos e subprodutos de biomassa florestal, inaugurada em 2015 pelo Primeiro-Ministro Pedro Passos Coelho e que foi dizimada pelo fogo em 2017.
“Falta-nos gente em Pedrógão”, desabafa Rui Alves. Embora, diz o técnico da Protecção Civil, “as pessoas que ainda estão cá tenham ganho outra consciência, desde 2017”. E agora “já se vê plantações de medronheiros e castanheiros”, ainda que estas espécies arbóreas de crescimento lento representem “pouco na reflorestação” que vem sendo feita no concelho. Mesmo assim, “alguma coisa está a mudar”.
Rui Alves mostrou-o no terreno. Levou o PÚBLICO a uma propriedade particular algumas dezenas de metros à frente da reconstruída Enerpellets, onde os eucaliptos ardidos foram abatidos e estão a dar lugar à plantação de medronheiros, sobreiros e pinheiros-mansos. “Mas é muito pouco”, diz o técnico municipal, assumindo que admite “levantar autos” aos particulares que não cumprirem com a limpeza florestal que lhes compete. Isto embora “este ano, com as limitações da covid, tenhamos tido necessidade de adaptar as coisas”. Por outro lado, “os procedimentos concursais para contratar são morosos”.
Recorde-se que o Ministério da Administração Interna prorrogou o prazo, de 30 de Abril para 31 de Maio, para os particulares procederem à limpeza dos terrenos (Decreto-Lei nº 20/2020, de 2 de Maio). Por sua vez, “até 30 de Junho de 2020, os municípios garantem a realização de todos os trabalhos de gestão de combustível nos termos previstos na lei, devendo substituir-se aos proprietários e outros produtores florestais em incumprimento”, lê-se no artigo 35.º-C do mesmo diploma.
APFLOR limpa terrenos de particulares que não o fizeram
Na verdade, nos casos em que os privados não procedem à limpeza voluntária das parcelas florestais, a Câmara de Pedrógão Grande está a substituí-los nesse papel. Fá-lo contratando essa manutenção à APFLOR – Associação dos Produtores e Proprietários Florestais do Concelho de Pedrógão Grande.
O presidente da associação confirma. Em conversa com o PÚBLICO, Jorge Fernandes revela que “está a ser colocado de pé um contrato” para a limpeza de cerca de 10 hectares de terrenos. O mesmo já tinha sido feito no ano passado. “É pouco, nunca vai ser suficiente, mas enquanto não houver medidas a fundo perdido para gerir a floresta, nunca nada vai ser suficiente”, diz.
Depois, nessa empreitada ao serviço da autarquia, “vamos ver se não somos corridos a tiro”. Jorge Fernandes fala meio a brincar, mas está ciente de que nem todos os proprietários vêem com bons olhos esta operação. Afinal, diz, “vamos entrar pelos terrenos particulares e nunca se sabe qual é a reacção”.
O PÚBLICO esteve na sede da APFLOR. A associação agrega 680 produtores florestais com as quotas em dia, mas mais de mil inscritos. Perguntámos a Jorge Fernandes qual foi a grande lição dos incêndios de 2017. O presidente quase levou a mal. “A APFLOR não tinha de aprender lição nenhuma. Quem está nos centros de decisão é que tinha de aprender. Se aprendeu, não sei.”
Certo é que “o Estado [o Governo] fez grandes alterações legislativas [para o sector florestal], mas que não se traduzem em melhorias no combate aos incêndios”, acusa Jorge Fernandes. Desde logo quanto às limitações de plantação de eucaliptos. É que o problema é outro, diz o dirigente associativo, explicando que “o RJAAR [regime jurídico aplicável às acções de arborização e rearborização] diz que não pode haver tantos eucaliptos, mas o que está a acontecer é que as espécies que estão a regenerar naturalmente são as acácias e as háqueas”. E o presidente da APFLOR avisa: “São espécies invasoras agressivas, que não dão rendimento e que proliferam devido ao calor dos incêndios.”
Pior: “Há muitas áreas que foram abandonadas e que foram tomadas por estas plantas, e o problema é que não foram tomadas medidas que permitissem avançar com povoamentos com espécies autóctones, de crescimento lento”, lamenta Jorge Fernandes. E “havia pessoas que tinham apostado nisso se houvesse apoios”.
O grande problema em Pedrógão Grande e noutros concelhos vizinhos, assume, “é o minifúndio”. “Houve muitas medidas [legislativas], mas nenhuma delas foi desenhada para o minifúndio do nosso território.” O presidente da APFLOR dá um exemplo: “No PDR [Programa de Desenvolvimento Rural 2020], uma parcela com 20 hectares, por exemplo, passa sempre à frente [em termos de hierarquização dos apoios] de outra com 5 hectares”. E, além do mais, “não há apoios a longo prazo”.
Rita Carvalho é uma jovem empresária florestal de 24 anos. Gere sozinha uma empresa familiar com mais de 100 hectares, espalhados entre Pedrógão, Figueiró dos Vinhos e a Pampilhosa. Sonhava arriscar uma carreira longe da terra na área da biodiversidade, mas perdeu os pais “muito cedo”, tem uma irmã emigrada e como se licenciou em Engenharia dos Recursos Florestais da Escola Superior Agrária de Coimbra e adquiriu “bagagem e conhecimento”, acabou por ir ficando em Pedrógão, onde também faz exploração florestal, comprando madeira a outros produtores para vender às celuloses.
“A madeira queimada não interessa a ninguém”
“Ardeu tudo em 2017”, conta Rita ao PÚBLICO, lembrando os incêndios devastadores daquele ano, que também lhe levaram um camião, dois carros, duas máquinas e outros haveres. Não falando na desvalorização da madeira, que ainda não cortou.
Hesitante, lá vai contando ao PÚBLICO alguns preços praticados no mercado na região: uma tonelada de pinho cortado em verde varia entre os 50, 55 euros, mas se for cortado queimado, seco – “a madeira seca pesa muito menos” -, o preço cai para os 20, 25, 27 euros a tonelada. “Posta na fábrica”, sublinha.
Diogo Antão, 34 anos, também é empresário florestal. Gere três hectares de floresta de sua propriedade e cerca de 80 hectares da família, cuja madeira, a que produz e a que compra, também vende às celuloses. Trabalha com a Celbi (grupo Altri) e com a The Navigator Company, ex-grupo Portucel Soporcel, do universo Semapa.
“Arrisquei a sorte”, diz Diogo ao PÚBLICO, frisando que os custos associados ao corte e transporte da madeira queimada para a indústria “até são maiores” do que se estiver a operar com madeira cortada em verde. “O trabalho é o mesmo, mas há mais desgaste de material e mais avarias. Além de que os incêndios vêm desestabilizar o mercado”. Em suma, “a madeira queimada não interessa a ninguém”, garante o empresário florestal.
O que faz falta aos proprietários florestais da região é “haver gente a interessar-se pela floresta”. Com os incêndios de 2017, até pela dimensão humana e em área ardida que tiveram, “muita gente ficou esmorecida”.
O sentimento de Diogo Antão é partilhado por Rita Carvalho: “Porquê investir se daqui a uns anos voltamos ao mesmo?”. “Faltam apoios. Benefícios fiscais, medidas mais financeiras e menos administrativas”, diz Diogo. Tudo isto a somar a um problema de base, apontado por Rita: “Falta gente jovem na floresta.”