Brasil: chegou a hora da condenação internacional
Apoiado pela maioria dos estados-maiores militares e por um setor fanatizado da opinião pública, sustentado pelas igrejas evangélicas mais reacionárias, o Presidente brasileiro se apressa a destruir a Nova República, nascida em 1988 das ruínas da ditadura militar. E tudo isso sob a máxima indiferença da comunidade internacional.
Atingindo o recorde do maior número de mortes diárias da covid-19, o Brasil protagoniza há alguns dias um triste retorno à cena midiática. As notícias dessa tragédia sanitária, que atinge em cheio as populações mais vulneráveis, são geralmente informadas por breves comentários sobre o isolamento e a radicalização do Presidente. Mas essa descrição ignora o essencial: Jair Bolsonaro está menos fragilizado do que propenso a uma fuga para a frente, podendo conduzir à instauração de um regime autoritário. Apoiado pela maioria dos estados-maiores militares e por um setor fanatizado da opinião pública, sustentado pelas igrejas evangélicas mais reacionárias, o Presidente brasileiro se apressa a destruir a Nova República, nascida em 1988 das ruínas da ditadura militar. E tudo isso sob a máxima indiferença da comunidade internacional.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Atingindo o recorde do maior número de mortes diárias da covid-19, o Brasil protagoniza há alguns dias um triste retorno à cena midiática. As notícias dessa tragédia sanitária, que atinge em cheio as populações mais vulneráveis, são geralmente informadas por breves comentários sobre o isolamento e a radicalização do Presidente. Mas essa descrição ignora o essencial: Jair Bolsonaro está menos fragilizado do que propenso a uma fuga para a frente, podendo conduzir à instauração de um regime autoritário. Apoiado pela maioria dos estados-maiores militares e por um setor fanatizado da opinião pública, sustentado pelas igrejas evangélicas mais reacionárias, o Presidente brasileiro se apressa a destruir a Nova República, nascida em 1988 das ruínas da ditadura militar. E tudo isso sob a máxima indiferença da comunidade internacional.
Desde a adoção, em março, das primeiras medidas de confinamento pelos governadores dos Estados, o executivo vem travando uma queda de braço com as instituições democráticas. Bolsonaro rompeu o pacto federal atacando frontalmente as medidas de distanciamento social. Acusado de haver feito uma limpeza na direção da polícia para preservar sua família, próxima das milícias mafiosas do Rio de Janeiro, de eventuais perseguições, o Presidente multiplicou as provocações contra o Supremo Tribunal Federal e apoiou os manifestantes favoráveis ao seu puro e simples fechamento. A tudo isso, junta-se uma intensa campanha nas redes sociais, conduzida por um hashtag tão longo quanto explícito: #intervençaomilitarcombolsonaronopoder.
Essa “intervenção militar” não é apenas um espantalho. Esta proposta vem sendo defendida quotidianamente, não apenas por manifestantes e pelas redes de extrema-direita, mas por membros do governo, e, no dia 28 de maio, pelo próprio Bolsonaro. Para justificá-la, seus próximos invocam um artigo da Constituição que autoriza as forças armadas a agir pela “garantia” da “lei e da ordem” ao serem convocadas por qualquer dos “poderes constitucionais”. O artigo 142, vestígio de uma transição democrática conduzida sob tutela militar, foi previsto para justificar o emprego do Exército em missões de segurança pública, e sob nenhuma circunstância para legitimar um golpe de Estado.
Com quase metade dos ministros em uniformes e três mil oficiais nos ministérios, o poder no Brasil já se encontra fortemente militarizado. Se amanhã os principais contra-poderes forem derrubados, assistiremos incrédulos a essa viagem no tempo, o retorno de uma ditadura militar na maior democracia da América Latina. Diante a ameaça de seu fim próximo, as instituições democráticas brasileiras encontram-se sob extrema vulnerabilidade. Entre o oportunismo de parlamentares interessados em conservar suas benesses, uma oposição inaudível e o temor de represálias por parte de parte do Exército, o Congresso petrifica-se diante das dezenas de demandas de impeachment que vão se empilhando. Pior ainda, cada tentativa de reação às provocações do governo, pelas vias legais, eleva o risco de queda em uma ditadura. Recentemente, uma operação de desmantelamento das redes de fake news próximas ao poder conduziu diversas personalidades-chave do bolsonarismo a clamar pela morte de seu responsável, o juiz do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Morais.
O risco iminente de um golpe de Estado militar não resulta apenas da confusão política agravada pela pandemia. Confirma a desintegração da democracia subestimada e, por vezes, até alimentada pelas elites financeiras, políticas e midiáticas dos países ocidentais, em etapas: a destituição da presidente eleita Dilma Rousseff, em 2016, por uma razão superficial e com desprezo ao espírito da Constituição, os repetidos abusos de poder de uma Justiça parcial e politizada, o imobilismo das instituições diante das provocações, violências e fraudes da extrema direita. A situação é explosiva, a democracia está à beira do abismo. Dessa vez, ninguém poderá fingir surpresa, pois Bolsonaro e seus próximos prometeram com constância, durante sua campanha e após sua chegada ao poder, o fechamento do Supremo Tribunal Federal, a intervenção do Exército e o aprisionamento dos opositores políticos.
A extinção da democracia brasileira implicaria em graves consequências internacionais. Além do possível efeito dominó sobre um continente fragilizado por crises políticas de envergadura, a aceleração do desflorestamento leva a temer um desastre ambiental e humano que, segundo os cientistas, poderia em alguns anos comprometer o equilíbrio climático da Terra. No imediato, o Brasil afirma-se como o novo centro da pandemia mundial que, diferentemente dos precedentes chineses, europeus ou estadunidenses, está totalmente fora de controle.
A Rede Europeia pela Democracia no Brasil originou-se do movimento de solidariedade internacional que se criou, desde 2016, diante do abalo do Estado de Direito neste país. Durante muitos anos, a comunidade internacional observou de braços cruzados o crescimento de forças autoritárias no coração da segunda maior democracia do mundo ocidental. Chamamos a uma tomada de consciência das mídias e da opinião pública europeia. Demandamos aos dirigentes das diferentes nações e da União Europeia a afirmar sem ambiguidade seu apoio aos democratas brasileiros, ao Supremo Tribunal Federal, aos governos dos Estados federados e ao Congresso, diante dos ataques do Presidente Bolsonaro e de seu entorno. Diante de um Executivo obcecado por seu pertencimento ocidental e inquieto por sua reputação internacional, a Europa pode agir impondo ao Brasil severas sanções diplomáticas e comerciais, em particular contra os setores ligados ao desmatamento e às empresas associadas ao poder bolsonarista. A pandemia que estamos vivendo nos mostrou, uma vez mais, que nossos destinos neste planeta são compartilhados. Permitir que o Brasil caia em uma ditadura de extrema-direita trará consequências sombrias para todos nós. Ajamos enquanto ainda é tempo!
Marcos Colón Professor na Universidade Estadual da Flórida
Antoine Acker Professor adjunto na Universidade de Zurique
Maud Chirio Professora adjunta na Universidade Gustave Eiffel
Olivier Compagnon Professor no Instituto de Estudos Avançados da América Latina de Paris
Juliette Dumont Professora adjunta no Instituto de Estudos Avançados da América Latina de Paris
Anaïs Fléchet Professora adjunta na Universidade Paris-Saclay
Membros da Rede Europeia pela Democracia no Brasil