Sem novas medidas, regresso do PIB aos níveis antes da crise não acontece até 2022

Para além de prever uma queda do PIB entre 7,5% e 11,8% este ano, o Conselho das Finanças Públicas (CFP) antecipa um valor do PIB em 2022 menor que o de 2019, com o défice ainda acima de 3%. Estas projecções são feitas, contudo, ainda sem considerar novas medidas que venham a ser tomadas com o apoio de novos fundos europeus

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Rui Gaudencio

A economia e as finanças públicas portuguesas estão a sofrer um choque durante este ano do qual, caso não sejam aplicadas mais medidas públicas de estímulo do que as já anunciadas, não será possível recuperar totalmente antes do final de 2022, alerta o Conselho das Finanças Públicas (CFP) em projecções que apontam para uma contracção da economia em 2020 que vai de 7,5% a 11,8%, com um défice público situado entre 6,5% e 9,3%.

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A economia e as finanças públicas portuguesas estão a sofrer um choque durante este ano do qual, caso não sejam aplicadas mais medidas públicas de estímulo do que as já anunciadas, não será possível recuperar totalmente antes do final de 2022, alerta o Conselho das Finanças Públicas (CFP) em projecções que apontam para uma contracção da economia em 2020 que vai de 7,5% a 11,8%, com um défice público situado entre 6,5% e 9,3%.

Em Março, a entidade que tem como missão acompanhar a condução das finanças públicas portuguesas, decidiu, pelo elevado grau de incerteza existente, adiar a apresentação de previsões para a economia e para as contas públicas. Esta quarta-feira já o fez, mas optou, ao contrário do que é normal, por traçar dois cenários possíveis, um que classifica como “base” e outro que diz ser “severo”. A principal diferença entre os dois é que, enquanto no cenário base, a recuperação inicia-se na segunda metade deste ano, no cenário “severo” a actividade económica demorará mais tempo a voltar a taxas de variação positivas.

Em ambos os cenários, contudo, Portugal não escapa a um problema: a queda do PIB, o agravamento do desemprego, a derrapagem do saldo orçamental e a subida do rácio da dívida pública que se deverão registar este ano serão de tal ordem que os dois anos seguintes, apesar de serem de recuperação, não serão suficientes para regressar nem aos níveis de 2019, nem sequer aos níveis de 2018.

De acordo com os cálculos do Conselho das Finanças Públicas – que leva apenas em conta os efeitos das medidas já anunciadas – a economia portuguesa deverá registar no decorrer deste ano uma contracção de 7,5% no cenário base, mas que poderá, de acordo com o cenário severo, chegar aos 11,8%.

Em 2021, diz a entidade liderada por Nazaré Costa Cabral, poderá iniciar-se a recuperação, que se fará, no cenário base, com uma variação positiva do PIB de 3% em 2021 e de 2,6% em 2022. No cenário severo, depois de uma quebra mais forte em 2020, as taxas de variação são ligeiramente mais positivas nos anos seguinte: 4,7% em 2021 e 3,2% em 2022.

Em ambos os casos, contudo, o valor do PIB a que se chegaria no final de 2022 seria ainda, em termos reais, inferior ao registado em Portugal em 2019. No cenário base o PIB de 2022 seria 2,3% mais baixo que o de 2019, no cenário severo 4,7% inferior.

Um cenário semelhante aconteceria no mercado de trabalho. Depois da taxa de desemprego de 6,5% em 2019, o CFP aponta para uma subida deste indicador situada entre 11% e 13,1% este ano, registando-se depois uma correcção que não impede contudo que em 2022 a taxa de desemprego ainda se situe, consoante o cenário considerado, num valor entre 8,1% e 9,5%.  

O CFP salienta que as suas projecções, como é habitual, apenas levam em conta as medidas já anunciadas pelas autoridades. Isto significa, por exemplo, que o estímulo para a economia que possa vir a ser trazido pelo fundo de recuperação neste momento a ser discutido ao nível da União Europeia não é considerado. A sua concretização, diz o relatório do CFP, constitui um “risco ascendente” para as previsões.

Há no entanto, também riscos descendentes que não é possível esquecer, nomeadamente, no que diz respeito à evolução da economia, a possibilidade de em alguns sectores importantes para Portugal, como o turismo, a recuperação se venha a revelar mais demorada e difícil, impedindo taxas de crescimento tão altas nos anos seguintes.

O Governo deverá apresentar as suas previsões para a economia e as finanças públicas na próxima semana, quando entregar no Parlamento a sua proposta de alteração do Orçamento do Estado. No entanto, aquilo que o ministro das Finanças tem dito é que antecipa que seja possível uma recuperação para os níveis registados em 2019 já no decorrer de 2022. Este maior optimismo poderá estar sustentado na possibilidade de medidas entretanto a adoptar constituírem um estímulo adicional à actividade económica.

Despesa pesa mais, receita diminui

Neste cenário de quebra acentuada e prolongada do valor do PIB – e ainda com medidas de apoio à economia com impacto orçamental – as finanças públicas inevitavelmente vão sofrer.

Nas suas projecções, depois de um excedente de 0,2% no ano passado, Portugal registará este ano um défice situado entre 6,5% e 9,3%. E nem mesmo em 2022 será capaz de regressar a um nível de acordo com a regra europeia de défice abaixo de 3%. As projecções do CFP para esse ano são ainda de um saldo negativo situado entre 3,1% e 4,2%.

No que diz respeito à dívida, o mesmo: subida de 117,7% do PIB de 2019 para um valor situado entre 133,1% e 141,8% este ano, com os dois anos seguintes a ser de um recuo deste indicador a um ritmo moderado e para um nível ainda próximo de 130%, no cenário base.

De acordo com o CFP, a maior parte do impacto negativo no saldo orçamental virá dos chamados estabilizadores automáticos, isto é, dos aumentos da despesa e reduções da receita provocados pela contracção da economia e aumento do desemprego. Os efeitos das medidas de apoio à economia também existem, mas não têm um peso tão significativo.

No total, com o valor do PIB a diminuir, o peso da despesa pública na economia irá disparar para níveis recorde este ano, superando mesmo a barreira dos 50% no cenário severo), ao mesmo tempo que o peso da receita no PIB diminui, com a receita fiscal a contribuir decisivamente para este resultado.

Também aqui há riscos pela positiva e negativa assinalados pelo CFP. Um fundo europeu pode ajudar, por reduzir o esforço nacional de despesa que terá de ser feito, mas intervenções extraordinárias do Estado para salvar empresas como a TAP, por exemplo, podem constituir um agravamento da factura com reflexos negativos no valor da dívida.

Aumentar

No seu relatório, o CFP, não colocando em causa a necessidade de adoptar medidas de apoio e estímulo à economia, vai desde já alertando de manter algum controlo orçamental, defendendo por exemplo que “é de esperar que, no quadro das regras e instituições europeias, seja a breve trecho reclamado um regresso à ‘normalidade’ orçamental e à reafirmação de um compromisso credível, por parte do Estado, em torno de um (novo) objectivo de redução da dívida pública”.

A Comissão Europeia decidiu suspender, por causa da crise, a aplicação das regras orçamentais exigidas aos Estados membros, como pro exemplo a manutenção do défice público abaixo de 3%. Na conferencia de imprensa de apresentação do documento, a presidente do CFP, referindo-se ao facto de a instituição a que preside estar a antecipar défices acima de 3% até 2022 em Portugal, assinalou que esta “entrada no terreno dos défices excessivos terá de se ser “devidamente controlada”. “Terá de haver uma necessidade de controlo, de contenção, mas isso é algo que temos de ir acompanhando no futuro, de acordo com a evolução da economia e vendo qual será o próprio quadro normativo que será definido a nível europeu”, afirmou Nazaré da Costa Cabral.

A presidente do CFP reconheceu ainda que as projecções da instituição que lidera “apontam para uma recuperação mais gradual e mais lenta do que por exemplo as da Comissão Europeia, com as consequências que isso tem para as finanças públicas”.