Exército disse aos pais de Hugo Abreu que morte nos Comandos tinha sido acidental
Ângela e Emídio Abreu, pais de Hugo Abreu que se constituíram assistentes no processo, foram ouvidos esta terça-feira em tribunal no âmbito dos pedidos de indemnização civil que serão decididos pelo tribunal criminal.
Os 20 anos de vida do militar Hugo Abreu deixaram naqueles que o conheceram a recordação de um jovem trabalhador, sociável embora reservado, e grande entusiasta do Exército, porque aí cumpriria uma missão e realizaria um sonho. Sempre foi bom aluno e saudável.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Os 20 anos de vida do militar Hugo Abreu deixaram naqueles que o conheceram a recordação de um jovem trabalhador, sociável embora reservado, e grande entusiasta do Exército, porque aí cumpriria uma missão e realizaria um sonho. Sempre foi bom aluno e saudável.
Hugo foi assim descrito pelos pais Ângela e Emídio Abreu, assistentes no processo de um julgamento que começou há mais de dois anos e meio e decorre agora na Ordem dos Solicitadores e Agentes de Execução, em Lisboa, devido ao plano de contingência da pandemia.
Sentado de frente para o colectivo de juízes e de costas para parte dos 19 militares presentes acusados (em diferentes graus) por crimes de abuso de autoridade por ofensa à integridade física, Emídio Abreu disse: “Desde o momento que recebi o telefonema [a anunciar a morte] até ao momento presente em que estou aqui, eu não tenho vida.”
"Momento de aflição"
Hugo Abreu e Dylan da Silva estavam entre os 67 recrutas que iniciaram a prova no dia 4 de Setembro de 2016, debaixo de um calor que ultrapassou os 40 graus Celsius. Hugo e Dylan sucumbiram a um golpe de calor e os seus pais exigem (no total) uma indemnização de cerca de 650 mil euros ao Estado e a arguidos que sejam responsabilizados criminalmente.
“Naquele momento de aflição não houve ninguém de coração que lhe desse água e que o tirasse dali”, disse, pouco depois, a mãe de Hugo, Ângela Abreu. Pai e mãe começaram por acreditar no que lhes foi dito pelo Exército.
Nesse primeiro telefonema de um oficial do Exército para a família, e também nos dias imediatamente a seguir, os militares com quem falaram sempre disseram que “o Hugo tinha morrido por causa de um acidente”, afirmou Ângela Abreu. “Foi uma mentira, e depois outra e outra”, repetiu a mãe do militar oficial quando questionada sobre se sentia defraudada pelo Estado.
Só depois de ver uma entrevista de Lucinda Araújo, mãe de Dylan da Silva, o instruendo que também não sobreviveu a um golpe de calor, Ângela começou a investigar a morte do filho. Disse ao tribunal que descobriu mensagens trocadas por Hugo em que mostraria revolta por um militar “todo musculado” ter chegado ao pé de um recruta, na formatura, e lhe dera um murro na cara.
Isto teria acontecido ainda fase de estágio, anterior ao início do curso, quando estavam na formatura. Esta mensagem de 15 de Agosto de 2016 foi trocada durante as três semanas de estágio que antecederam o início do curso com a Prova Zero que viria a ser fatal.
Pedidos de indemnização
Quando o advogado Ricardo Sá Fernandes, em representação dos assistentes, perguntou se acreditava que o filho poderia ter sobrevivido se tivesse recebido assistência e sido tirado do Campo de Tiro de Alcochete mais cedo, o pai do jovem não hesitou. “Eu acho que sim. Como pai, [acho que] puxaram por ele até ele tombar. Para mim, foi isso.” E acrescentou: “No Exército, as provas físicas são difíceis, mas não foi só isso.”
É nas alegações de falta de assistência médica necessária e adequada à gravidade da situação, de conhecimento dos próprios instrutores arguidos de que estavam a provocar danos aos instruendos e de violação da ética e das regras militares nacionais e internacionais, quando impuseram “castigos e maus tratos não permitidos no seio das Forças Armadas”, que o advogado Ricardo Sá Fernandes sustenta grande parte da argumentação a favor da indemnização aos pais de um jovem “à guarda do Estado”.
Na sessão desta terça-feira, em representação do Estado, o advogado Acácio Pereira apenas perguntou a Ângela Abreu: “Não lhe deram todo o apoio que precisaram?” — numa referência ao apoio psicológico que o casal recebeu do Exército. Mas nada questionou sobre o sucedido antes de Hugo Abreu morrer.
"Um exemplo para todos"
Sá Fernandes, por sua vez, perguntou a Ângela o mesmo que perguntara a Emídio. Como era Hugo? “Era um exemplo para todos, uma pessoa extraordinária”, que viu nascer a irmã quando tinha 16 anos e cuidou dela como um pai, respondeu. “O Hugo dava-lhe banho, o Hugo dava-lhe de comer, o Hugo vestia-a, o Hugo brincava.”
Foi então que, mais uma vez, falou da sua vida após a perda do filho: “Caí no fundo do poço. A minha luta era trazê-lo de volta, sei que não consigo. Mas naquela altura eu estava fixada nessa luta. Nunca imaginaria um filho sair do estado em que saiu – numa formação. O Exército é para ensinar a fazer um caminho a dar uma preparação, mas nunca deixar o Hugo naquele estado. Eu vi o corpo do Hugo e o Hugo não morreu de morte natural.”
“Compreendo que, como mãe, queira fazer um desabafo”, disse no final o advogado Fernando Manuel Ramos, defensor de vários arguidos. Mas, acrescentou: “não irei permitir” que sejam feitas “considerações” em tribunal porque existe o risco, reforçou, de “um julgamento na praça pública”, uma vez que o julgamento é público.