Ainda a propósito dos 50 anos da morte de António Sérgio
Sérgio não é só um altíssimo escritor de ideias, o maior das nossas letras. Como Herculano, no dizer de Antero, é um grande homem na acepção completa destas palavras.
Vasco de Magalhães-Vilhena, in António Sérgio e a Filosofia. 1960
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Sérgio não é só um altíssimo escritor de ideias, o maior das nossas letras. Como Herculano, no dizer de Antero, é um grande homem na acepção completa destas palavras.
Vasco de Magalhães-Vilhena, in António Sérgio e a Filosofia. 1960
Ó meu amigo, o máximo favor que um português pode receber do céu é endoidecer, na véspera de se tornar escritor público.
Camilo Castelo Branco. Vinte Horas de Liteira
Foi fértil, no ano comemorativo dos 50 anos da morte de António Sérgio, a produção de estudos e a realização de encontros académicos acerca do pensamento e acção de quem bem pode ser considerado o maior escritor de prosa crítica da literatura portuguesa de todos os tempos. Lembrem-se as Jornadas de estudo que tiveram lugar nas Universidades de Coimbra, Lisboa, Évora, Aveiro, Museu Bernardino Machado (V.ª Nova de Famalicão) e ainda no ICS-UL, de Abril de 2019 a Janeiro de 2020.
No que me diz respeito, assinalo, em 2019, a 3ª edição de uma antologia dos seus textos, intitulada Diálogo Com António Sérgio, levada ao dobro do tamanho da edição anterior. Foi esta obra das primeiras a abordar o interessante tema do “racionalismo místico”.
No prelo encontra-se uma Fotobiografia do ensaísta, a editar, em princípio, pela Cases (Cooperativa António Sérgio Para a Economia Social). Pude dispor para a elaboração desta obra dos seguintes apoios: do maior espólio conhecido acerca de Sérgio, pertencente ao “Arquivo Família de Fernando Rau”; arquivo do dr. Jacinto Baptista, eminente sergista, onde encontrei uma obra pronta a publicar, de suma importância – Dois Democratas Contra a Ditadura: António Sérgio. Bernardino Machado; do meu próprio acervo, que comecei em 1945, constituído por toda a sua obra, publicada aqui e no estrangeiro; de um conjunto de artigos de jornais acerca de Sérgio; da sua variadíssima correspondência; de imagens; de obras que lhe dizem respeito; da ajuda de Luiza Ducla Soares, mulher de Sottomayor Cardia; de Carlos Ventura, eminente bibliófilo; de Teresa Cadete, tradutora de muitas epígrafes em alemão de Sérgio; e de Sónia Queiroga. Esta obra, que contém abundante documentação para uma Biografia, é previsível que seja publicada em dois volumes, dada a quantidade de matéria aí proposta, assim dividida – a) Biografia propriamente dita desde o nascimento até à última morada no Cemitério dos Prazeres, em Lisboa b) área constituída por temas essenciais: Sérgio relembrado por Agostinho da Silva e Vasco de Magalhães-Vilhena; O Caso Malaparte e a sua, Technique du Coup d'État; Sérgio e Eça de Queiroz; Sérgio e Ortega y Gasset; Sérgio contra José Rodrigues Miguéis ; Sérgio em polémica com Bento de Jesus Caraça, etc. c) as epigrafes na sua obra; correspondência de Sérgio com Valery Larbaud; carta de Sérgio ao Cardeal Cerejeira, etc. d) Testemunhos, entre muitos outros, de: António Sérgio; Fernando Rau; Sarmento Pimentel; Sarmento de Beires; Castelo Branco Chaves; José Régio; etc. etc.
Considero de suma importância, nesta obra, dar a atmosfera opressiva da época em que Sérgio viveu, sempre perseguido pelos esbirros salazaristas, com obras apreendidas e várias vezes encarcerado.
Preparo, ainda, nova versão da sua BIBLIOGRAFIA, ou seja, a actualização da edição publicada pela Revista da História das Ideias da Universidade de Coimbra, de 1983. Esta actualização envolve a imensidão do que se escreve, constantemente, acerca do autor dos Ensaios. É qualquer coisa de espantoso, nada tendo a ver com o esquecimento da sua obra perante o público em geral, normalmente divorciado de importantes temas culturais. Devo assinalar, finalmente, uma monografia intitulada: António Sérgio. Temas Essenciais de Vida e Obra (2019).
Ainda hoje, considerar Sérgio o maior ensaísta de sempre nas letras portuguesas causa grande embaraço a muita gente, nomeadamente aos que não têm a sua cultura científica e matemática, sendo-lhes vedada parte significativa da produção ensaística. Concorde-se ou não com as posições de António Sérgio, ser ele o maior é uma constatação indiscutível. Acresce ainda o facto importante de a sua prosa fazer parte do panteão da língua portuguesa, assim escreveu e bem, Jorge de Sena.
Como confirmam os seus textos escolares relativos a Fernão Mendes Pinto, Bernardes, Vieira, Francisco Manuel de Melo, Camões, João de Barros, Herculano e Ramalho, era profundo o seu conhecimento da literatura clássica portuguesa, tendo dela assimilado o melhor e retendo, com enorme criatividade, o inteiro sumo desse conjunto de autores. Os prefácios a esses textos escolares são do melhor que conheço da sua lavra.
O que teve, para mim, essencial importância em Sérgio, foi a disciplina do pensar, que ele chamou de “alegria de pensar”, quando esteve no cárcere salazarista, procurando transmitir essa alegria aos seus companheiros. E logo me marcou ao ler na juventude esse belíssimo texto contido no 1.º volume dos Ensaios: “O caprichismo polémico do sr. Junqueiro”, que tantas gerações influenciou. Mais tarde, surpreendeu-me nos “Textos escolares” o prefácio ao volume dedicado a Herculano, de que retiro este passo: “O que se recebe de Herculano é um melhorismo enérgico, uma fé humanista na capacidade do espírito para modificar a sociedade por um ideal superior. Em historiadores desta têmpera, a história liberta-nos do passado histórico, mostrando-nos que aquilo que o liberalismo económico nos dava como fundado em leis naturais de carácter absoluto, de valor eterno, veio afinal de uma procedência histórica, e que nada nos impede de desfazer pela história uma congérie de resultados que pela história se fez.”
Em 1969, aquando da sua morte, interrogava-se José Cardoso Pires: “Quantos anos levará o País a inventariar criticamente o espantoso labor intelectual deste homem de excepção?”