Blackout Tuesday: a indústria musical carregou no pause e condenou o racismo sistémico
Fotografias com fundo negro, rádios com programação especial, playlists dedicadas à Black History e doações a instituições marcaram o dia em que a música parou.
Não foi um dia comum num tempo já de si imprevisível e incerto. Os feeds do Instagram e do Twitter encheram-se de fotografias com um fundo negro e nada mais. Estações de rádio e canais de televisão alteraram a programação ou interromperam a transmissão. Editoras adiaram lançamentos de álbuns e singles. O mote: “#TheShowMustBePaused”. Foram estas algumas das respostas ao apelo de Brianna Agyemang e Jamila Thomas, “duas mulheres negras no mundo da música” que, através dessa etiqueta, haviam sugerido que a indústria musical fizesse desta terça-feira, 2 de Junho, um blackout em solidariedade para com a comunidade afro-americana, na sequência da morte de George Floyd.
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Não foi um dia comum num tempo já de si imprevisível e incerto. Os feeds do Instagram e do Twitter encheram-se de fotografias com um fundo negro e nada mais. Estações de rádio e canais de televisão alteraram a programação ou interromperam a transmissão. Editoras adiaram lançamentos de álbuns e singles. O mote: “#TheShowMustBePaused”. Foram estas algumas das respostas ao apelo de Brianna Agyemang e Jamila Thomas, “duas mulheres negras no mundo da música” que, através dessa etiqueta, haviam sugerido que a indústria musical fizesse desta terça-feira, 2 de Junho, um blackout em solidariedade para com a comunidade afro-americana, na sequência da morte de George Floyd.
O Spotify encarou a data como “um dia de desligamento colectivo do trabalho”, para que as pessoas pudessem “reflectir e unir-se” numa manifestação de apoio à comunidade negra. Para isso, a plataforma de streaming – que incluiu faixas com oito minutos e 46 segundos de silêncio em determinadas playlists e entre podcasts, para assinalar de forma “solene” o tempo que o polícia Derek Chauvin passou com o joelho em cima do pescoço de George Floyd – deu um destaque especial à playlist Black Lives Matter e criou outras listas de reprodução, como Black History Salute – com Kaytranada, Solange, Sampha, Stevie Wonder ou Fela Kuti nas escolhas principais – e We Shall Overcome, que, entre temas de Sam Cooke, Marvin Gaye ou Public Enemy, introduziu discursos políticos de alguns dos líderes negros mais marcantes e influentes da História, de Martin Luther King, Malcolm X e Angela Davis a Barack Obama ou Nelson Mandela.
Num comunicado, a revista britânica NME anunciou que ia suspender a sua actividade editorial durante todo o dia. “A NME, assim como toda a indústria musical, beneficiou tremendamente e de forma inegável da cultura negra”, apontou a publicação, assinalando que, com este acto de “respeito” e “solidariedade”, quis “protestar contra todas as formas de racismo sistémico e violência no mundo”.
A Pitchfork, por sua vez, compilou uma lista de oito organizações que lutam contra “a brutalidade policial e o racismo sistémico”, encorajando os leitores a fazer doações. Dessa lista fazem parte, por exemplo, o Know Your Rights Camp, projecto co-fundado pelo atleta Colin Kaepernick – quarterback que correu as bocas e os jornais do mundo quando, antes de uma partida da National Football League, se ajoelhou durante o hino dos Estados Unidos em forma de protesto contra a violência policial infligida sobre afro-americanos – e que tem como objectivo “promover a educação e a auto-capacitação de jovens negros através de eventos e campanhas”; ou o Black Visions Collective, grupo criado no Minnesota por pessoas queer e “trans” e empenhado na criação de “estratégias de segurança” da comunidade.
A BBC foi uma de várias cadeias a modificar a sua grelha para a ocasião. A BBC Radio 1Xtra preparou escolhas musicais voltadas para o “empoderamento e o orgulho negro”, enquanto a BBC Radio 6 recuperou o programa The 6 Music Black Power Soundscape, com Don Letts – cineasta e músico londrino que gravou vários vídeos dos The Clash e que, nos anos 70, enquanto DJ na discoteca The Roxy, começou a transportar as influências do reggae e do dub africanos para a cena punk de Londres – como anfitrião. Os canais MTV e VH1 também revelaram a intenção de fazer oito minutos de silêncio.
A mensagem de Killer Mike e o rap de Denzel Curry
Mas as mensagens de consciencialização e apoio dos artistas começaram mais cedo. No final da semana passada, Killer Mike – rapper que, esta sexta-feira, lança com o amigo El-P o quarto álbum de estúdio dos Run The Jewels – dirigiu-se com lágrimas e emoção à população de Atlanta, a sua cidade-natal, onde vários grupos de manifestantes destruíram lojas e a polícia atirou granadas de gás lacrimogéneo. “Eu sou filho de um polícia. Eu não quero estar aqui”, começou por confessar, antes de avançar que, na manhã em que soube do assassinato de George Floyd, acordou com “vontade de ver o mundo a arder”, numa declaração transmitida em directo pela CNN.
“Tenho a obrigação de dizer que vocês não podem queimar a vossa casa por causa da fúria que sentem pelo vosso inimigo”, frisou o músico, apelando a que os manifestantes negros presentes em alguns dos mais violentos protestos fizessem um esforço para acalmar os exaltados ânimos. “Têm a obrigação de fortalecer a vossa própria casa, para que ela seja um espaço de abrigo. Nós não queremos ver um agente acusado; queremos ver quatro polícias processados e condenados. Nós não queremos ver os alvos a arder; queremos queimar o sistema que alimenta o racismo sistémico. Quero que vão para casa e que pensem em soluções a sério”, concretizou.
Um dia antes desta Blackout Tuesday, o produtor Terrace Martin divulgou a faixa PIG FEET, que conta com a participação do saxofonista Kamasi Washington e três raps implacáveis, cortesia de Denzel Curry, Daylyt e G Perico, sobre a brutalidade policial nos Estados Unidos. “Helicopters over my balcony/ if the police can’t harass they want to smoke every ounce of me”, atira Curry nos primeiros segundos da música, composta por um “magoado, irritado e sem medo” Martin. “Isto está a acontecer mesmo à beira da tua janela”, pode ler-se no início do vídeo que acompanha o tema, e que reúne imagens de recentes desacatos entre as autoridades e activistas dos grupos Black Lives Matter.
Billie Eilish e os Rolling Stones foram dois dos muitos nomes que, no Instagram, partilharam fotografias com um fundo negro, apoiando a paralisação, e os Queens of the Stone Age, de Josh Homme, doaram à organização Equal Justice Initiative. “Espero que estejam a fazer escolhas que vão para além do golpe de publicidade e que estejam a mostrar a vossa solidariedade mais do que apenas simbolicamente”, escreveu, por outro lado, a cantautora Lucy Dacus. “Não estão ‘safos’ se simplesmente publicam um quadrado negro hoje.”
Lady Gaga adiou a festa de lançamento digital que tinha planeado para Chromatica, o seu novo disco, editado na última sexta-feira, e a Interscope, editora a que está associada, avançou que não irá divulgar material novo esta semana. 6lack, Dylan, Jessie Ware, Lil Mosey e Billy Raffoul estão entre os artistas que viram as suas agendas alteradas no seguimento desta decisão.
Nem todas as estruturas aderiram a este movimento, de resto. “Não vamos participar neste chamado ‘blackout da indústria musical’ porque não nos revemos na ‘indústria musical’ que a organizou”, sublinhou a editora Don Giovanni, de Nova Jérsia, especializada em punk rock. “Não temos interesse em apoiar o dia de white guilt [culpa branca] das grandes distribuidoras”, acrescentou, sustentando que vai continuar a apoiar diariamente a comunidade negra, dentro das capacidades de uma instituição pequena. Agyemang e Thomas, as responsáveis pela acção #TheShowMustBePaused, garantem, no entanto, que esta não será “uma iniciativa de 24 horas”. “Estamos na luta a longo prazo e vamos anunciar um plano de acção.”