Covid-19: China atrasou partilha de mapa genético do vírus com a OMS

As autoridades chinesas só partilharam a informação sobre o genoma do novo coronavírus depois de três laboratórios estatais o terem descodificado — e quase duas semanas depois de o terem feito. O atraso custou tempo valioso às nações de todo o mundo, indica uma investigação da agência noticiosa Associated Press.

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LUSA/ALEX PLAVEVSKI

As autoridades chinesas atrasaram mais de uma semana a publicação do genoma do novo coronavírus, após vários laboratórios públicos o terem descodificado, privando a Organização Mundial da Saúde (OMS) de informação essencial para combater a pandemia, noticia nesta terça-feira a Associated Press (AP).

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As autoridades chinesas atrasaram mais de uma semana a publicação do genoma do novo coronavírus, após vários laboratórios públicos o terem descodificado, privando a Organização Mundial da Saúde (OMS) de informação essencial para combater a pandemia, noticia nesta terça-feira a Associated Press (AP).

Uma investigação da agência de notícias norte-americana, baseada em documentos internos e dezenas de entrevistas, revela que, em Janeiro, enquanto a OMS elogiava publicamente a China e a sua “resposta rápida” ao surto do novo coronavírus, os especialistas da agência das Nações Unidas para a saúde queixavam-se em privado da falta de informação partilhada por Pequim. O controlo rígido exercido pelas autoridades chinesas sobre a informação e a concorrência no sistema de saúde público chinês foram os principais responsáveis pelo atraso, segundo a investigação da AP.

As autoridades de saúde só divulgaram o genoma depois de três laboratórios estatais o terem descodificado e após um desses laboratórios o ter publicado num portal de virologia, em 11 de Janeiro.

A China demorou pelo menos mais duas semanas a fornecer à OMS os detalhes necessários, de acordo com gravações de várias reuniões internas, realizadas pela agência de saúde da ONU em Janeiro, numa altura vital para que o surto tivesse sido drasticamente reduzido. Embora a OMS continue a elogiar publicamente a China, as gravações obtidas pela AP revelam que o Governo chinês não compartilhou informações suficientes para avaliar os riscos do novo coronavírus, custando tempo valioso às nações de todo o mundo.

“Estamos actualmente num ponto em que nos entregam informação 15 minutos antes de ser transmitida na CCTV”, disse Gauden Galea, principal autoridade da OMS na China, referindo-se à televisão estatal da China, durante uma reunião.

O Presidente dos EUA, Donald Trump, cortou os laços com a OMS, na sexta-feira, depois de criticar a agência por alegadamente estar em conluio com a China para esconder a gravidade da epidemia.

Autoridades chinesas só forneceram informações mínimas necessárias

O Presidente chinês, Xi Jinping, disse que a China sempre forneceu informações à OMS e ao mundo “do modo mais oportuno”. Embora a lei internacional obrigue os países a relatar informações à OMS que possam ter impacto na saúde pública mundial, a agência da ONU não possui poderes de execução, devendo antes contar com a cooperação dos Estados membros.

A AP revela que a OMS foi em grande parte mantida no escuro pelas autoridades chinesas, que forneceram apenas as informações mínimas necessárias. A agência tentou retratar a China da melhor forma possível, provavelmente numa tentativa de convencer o país a fornecer mais detalhes sobre o surto. As autoridades da OMS preocuparam-se em pressionar a China por mais informações sem ofenderem as autoridades ou prejudicarem os cientistas chineses.

Michael Ryan, chefe de emergências da OMS, disse que a melhor forma de “proteger a China” seria através de uma análise independente, porque, caso contrário, a propagação do vírus entre as pessoas seria posta em questão e “outros países tomariam decisões em conformidade”.

Desde o momento em que o vírus foi descodificado, a 2 de Janeiro, até a OMS declarar uma emergência global, em 30 de Janeiro, o surto cresceu entre 100 e 200 vezes, segundo dados do Centro Chinês de Controlo e Prevenção de Doenças.

A OMS e as autoridades referidas pela AP recusaram-se a responder às questões feitas pela agência noticiosa sem terem acesso às gravações ou transcrições das reuniões gravadas, que a AP não forneceu para proteger as suas fontes. “A nossa liderança e equipa trabalharam dia e noite (...) para apoiar e compartilhar informações com todos os Estados membros”, disse a OMS numa declaração.

Comissão Nacional de Saúde proibiu que laboratórios divulgassem informação sobre o vírus

No final de Dezembro, os médicos diagnosticaram uma nova doença misteriosa num grupo de pacientes e enviaram amostras para laboratórios comerciais. A 27 de Dezembro, uma empresa, a Vision Medicals, reuniu a maior parte do genoma de um novo vírus com semelhanças com a pneumonia atípica, ou SARS, que atingiu o país entre 2002 e 2003. Alertaram as autoridades de Wuhan, que, dias depois, emitiram avisos internos alertando sobre uma pneumonia incomum.

Mas, quando se tratou de compartilhar o genoma com o mundo, a principal autoridade médica da China, a Comissão Nacional de Saúde, emitiu um aviso confidencial a proibir os laboratórios de publicar informação sobre o vírus sem autorização. Os funcionários da Comissão disseram mais tarde que a ordem visou impedir qualquer libertação acidental do patógeno até então desconhecido e garantir resultados consistentes, dando a quatro laboratórios estatais o vírus para descodificação.

A 5 de Janeiro, dois laboratórios do Governo sequenciaram o vírus, assim como outro laboratório independente em Xangai. O CDC chinês elevou o seu nível de emergência para o segundo nível mais alto, mas não tinha autoridade para alertar o público.

Casos suspeitos começaram a surgir na região. Na Tailândia, funcionários do aeroporto afastaram uma mulher que viajava de Wuhan com o nariz entupido, dor de garganta e febre. Os cientistas da Universidade de Chulalongkorn apuraram que ela estava infectada com um novo coronavírus, mas não possuíam uma sequência da China para confirmar.

As autoridades da OMS queixaram-se em reuniões internas de que a China atrasou o fornecimento de informações cruciais sobre o surto, apesar de cumprir tecnicamente com as suas obrigações sob o direito internacional. Ryan, chefe de emergências da OMS, disse que estava na altura de “mudar de direcção” e pressionar por mais informações. “O perigo é que, apesar das nossas boas intenções (…), haverá muitos dedos apontados à OMS se algo acontecer”, admitiu.

A 20 de Janeiro, as autoridades chinesas alertaram que o vírus se transmitia entre pessoas. A OMS enviou então uma pequena equipa dos seus escritórios na Ásia para Wuhan, a cidade chinesa de onde o vírus é originário. O comité de emergência de especialistas independentes da OMS reuniu-se por duas vezes naquela semana e optou por não recomendar que se decretasse estado de emergência.

A preocupação da agência levou a uma viagem incomum a Pequim pelo director-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, e pelos principais cientistas. No final da viagem de Tedros, a OMS convocou outra reunião, declarando finalmente uma emergência global em 30 de Janeiro. Tedros agradeceu profundamente à China, recusando-se a mencionar qualquer frustração anterior da OMS. “Deveríamos realmente expressar o nosso respeito e gratidão à China pelo que está a fazer”, disse. “Já fez coisas incríveis para limitar a transmissão do vírus para outros países”, assegurou.